Familiares reivindicam acesso a alimentos especiais para disfunções genéticas

Comissão irá solicitar medidas junto ao Ministério da Saúde e Confaz
05/11/2015 13h22

Otávio Praxedes/CPD

Na Mesa da Comissão, da esquerda para a direita: Sra. Antônia Maria de Aquino, Sra. Simone Arede, Sr. Eduardo Nilson, Deputado Alton Freitas (Presidente da Comissão), Sr. Carlos Eduardo Gouvêa, Sra. Paula Vargas e Sra. Beatriz Jurkiewicz Grangipani.


Eu já chorei muito escondida no banheiro para minha filha não ver... Toda vez que ela pede só mais uma colher de arroz e eu não posso dar.”

 

Acredito que a maioria aqui em algum momento já ouviu seu filho dizer que está com fome.”

 

As frases acima foram compartilhadas por mães que acompanharam a audiência pública sobre alimentos especiais na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Elas escreveram essas frases na sala de bate-papo interativa da audiência, no site edemocracia.gov.br. Junto com elas, pessoalmente,  familiares lotaram o plenário da audiência em Brasília para explicar aos deputados por que seus filhos sentem fome. São crianças com doenças genéticas causadas por erros no metabolismo, em que o consumo de alimentos com proteína pode colocar a vida em risco. As doenças mais conhecidas nesse espectro são a fenilcetonúria e a homocistinúria que, ao não terem tratamento adequado, podem provocar sequelas neurológicas e deficiência intelectual.


Otávio Praxedes/CPD

Sra. Beatriz Jurkiewicz Grangipani - Nutricionista do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP.


“O principal passo é tirar qualquer alimento que tenha proteína: carnes de qualquer espécie, tudo que tem farinha de trigo, pão, macarrão, bolos, feijão, lentilha, soja, qualquer tipo de leguminosa, leites e derivados, queijos, chocolate”, enumera a nutricionista Beatriz Grangipani, da Escola Paulista de Medicina, que acompanha esses pacientes há mais de 20 anos. “Eles podem comer frutas, vegetais e poucos cereais. Mas eles não podem comer isso à vontade pois esses alimentos também têm aminoácidos que precisam ser quantificados”, explicou Beatriz, esclarecendo que mesmo os alimentos permitidos precisam ser criteriosamente contados para não comprometer a saúde dos pacientes. Já que os alimentos permitidos não saciam e não atendem às necessidades nutricionais, a suplementação é sempre necessária. As pessoas devem fazer uso de fórmulas alimentares específicas para cada doença e podem consumir alimentos importados de baixo teor de proteína. São farinhas especiais que permitem fazer comidas cotidianas como o pão e macarrão.


O Brasil não produz esses alimentos em escala industrial. A APAE de São Paulo está iniciando um projeto de produção, ainda em pequena escala.

 

Banco de Imagens/Câmara dos Deputados

Sra. Simone Arede - Presidente da Associação Brasileira de Homocistinuria.


Mesmo com condições financeiras restritas, Simone Arede passou a comprar esses produtos depois que flagrou o filho na cozinha de madrugada. Ela contou que, mesmo com todo o esforço em pesar e restringir a alimentação dele, que é paciente de homocistenúria, suas taxas eram sempre altas. “Eu não conseguia entender porque eu fazia tudo direitinho. Até que um dia eu acordei de madrugada e peguei meu filho na cozinha com um pedaço de queijo na mão. Meu coração doeu muito, chorei e perguntei por que ele estava fazendo aquilo se ele sabia que não podia. E ele respondeu: mãe, eu estou com fome”, contou ela, que é presidente da Associação Brasileira de Homocistenúria e cobra do Ministério da Saúde que os pacientes tenham acesso a alimentos com baixo teor de proteína. “Não é luxo, é uma necessidade, eles têm direito a uma vida normal como qualquer outra pessoa. Nenhuma mãe quer ver um filho com fome”, resumiu Simone.

 

Mãe de uma criança com fenilcetonúria, Aldair Pereira perguntou aos presentes: o que as crianças que estão aqui no plenário poderiam comer de lanche? Nada do que tem aqui na Câmara atende a essas crianças. Aldair espalhou vários pacotes de alimentos importados na mesa da comissão e ofereceu aos presentes o pão e o bolo de cenoura feitos com aqueles produtos. Ela afirmou que não estava fazendo propaganda de nenhuma marca. “Estou fazendo lobby para o meu filho, que não tem acesso a nenhuma dessas coisas no Brasil. Dependemos de favores de quem viaja ao exterior e às vezes, por desconhecimento, a bagagem é confiscada”, contou ela.

 

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Deputada Mara Gabrilli em discurso durante a audiência.


A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), que apoiou a realização da audiência, lembrou que a Lei Brasileira da Inclusão, aprovada no Congresso esse ano e que entra em vigor em janeiro de 2016, traz a obrigatoriedade expressa de que as pessoas têm direito à fórmula nutricional. “Mas a gente não conseguiu fazer com que elas tivessem acesso expresso a alimentos especiais – ainda”, ressaltou a deputada, indagando em seguida por que o Brasil não produz esses alimentos.

 

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Sr. Carlos Eduardo Paula Leite Gouvêa - Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para fins especiais e congêneres - ABIAD.

 

Respondendo a esse questionamento, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para fins especiais (ABIAD), Carlos Eduardo Gouvêa, disse que a produção em baixa escala e a matéria-prima cara desencoraja os empresários. “Mas temos interesse em buscar condições melhores para o setor”, ressaltou ele, ao apresentar propostas concretas incluindo isenção fiscal na importação, e a criação de uma cesta básica de alimentos com baixo teor de proteína, a ser distribuída aos pacientes. “Tendo mais acesso à variedade de alimentos, a pessoa adere ao tratamento, tem menos internações e menos sequelas. O sistema de saúde seria beneficiado”, argumentou Carlos Gouvêa.

 

Banco de Imagens/Câmara dos Deputados

Deputado Mandetta (DEM-MS).


O deputado Mandetta (DEM-MS) foi aplaudido ao defender que o Confaz – o Conselho Nacional de Política Fazendária – deve estabelecer a isenção tributária. “Acho que esses alimentos estão sendo rotulados como supérfluos, e enquanto isso as pessoas estão com fome”, disse o deputado. Mandetta propôs também que a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência envie um requerimento de informação ao Ministério da Saúde para que o órgão se posicione sobre a oferta dos alimentos especiais, inclusive elaborando uma lista que possa ser enviada ao Confaz. Para agilizar esse estudo, o presidente da ABIAD, Carlos Gouvêa, comprometeu-se a submeter uma lista de produtos importados para análise do Ministério da Saúde e da Anvisa.

 

Otávio Praxedes/CPD

Sr. Eduardo Nilson - Coordenador Substituto - Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde.


O representante da Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Eduardo Nilson, disse que a elaboração dessa lista de alimentos especiais precisa acontecer dentro de um processo puxado pela Anvisa, com evidências científicas,  critérios técnicos e a participação dos setores sociais envolvidos.


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Sra. Antônia Maria de Aquino - Gerente Geral Substituta da Gerência Geral de Alimentos da ANVISA. 


Já a representante da Gerência Geral de Alimentos da Anvisa, Antônia Maria de Aquino, foi mais reticente sobre a elaboração de uma lista para ser submetida à isenção de impostos. “A gente tem que cuidar e perguntar que lista é essa. Eu concordo com a mãe da criança quando ela diz que não se deve importar a marca e sim a categoria do alimento”, disse ela, dizendo também acreditar que isentar categorias inteiras pode ser um incentivo para que o setor produtivo traga esses produtos para o Brasil a um custo mais barato. 


Otávio Praxedes/CPD


Na platéia, ma~es de filhos com deficiência metabólica.