Violência política contra mulheres negras, sintoma de uma sociedade machista e racista

Nove mil mulheres foram eleitas nas últimas eleições. Do total de vereadores e vereadoras eleitos, 6,3% são mulheres negras. Porém, as ameaças sofridas pelas vereadoras expõem números sobre a violência contra mulheres negras eleitas ou candidatas.
04/05/2021 10h19

Pesquisa do Instituto Marielle Franco, feita com esse segmento e divulgada em dezembro de 2020, entrevistou 142 mulheres negras de 21 estados em todas as regiões do Brasil e de 16 partidos. Do total, 80% das candidatas negras sofreram violência virtual, 60% sofreram violência moral ou psicológica e 50% sofreram violência institucional. Das entrevistadas, 18% receberam comentários e/ou mensagens racistas ou sexistas em suas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens e 8% foram vítimas de ataques com conteúdo racista durante transmissões virtuais.

Além disso, 60% das mulheres negras entrevistadas foram insultadas, ofendidas ou humilhadas em virtude de atividade política nas eleições. Em 45% dos casos de violência virtual e moral, a agressão foi feita por indivíduo ou grupo não identificado, o que dificulta denúncias e aumenta a impunidade nos casos desse tipo de agressão.

Dentre as entrevistadas que realizaram algum tipo de denúncia, 70% afirmaram que a denúncia não ajudou no esclarecimento do caso e nem trouxe mais segurança para o exercício da atividade político-partidária.

Para discutir esse quadro, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu uma audiência pública nesta segunda-feira (3/5), atendendo a requerimento da deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ), parlamentar que já recorreu à Organização das Nações Unidas (ONU) após sofrer ameaças de morte.

 

 

 “Esse tipo de violência acontece quando expomos nosso corpo para a luta e isso é muito duro, interfere na saúde mental. Isso acontece quando ocupamos espaços que há tanto tempo são privilégio da elite. São ameaças físicas, humilhações e interrupção de fala. Um mecanismo para nos tirar do lugar aonde chegamos. Ao ocupar esses espaços, causamos uma reação proporcional, ainda mais agora que vivemos uma realidade de desmonte, destruição e com a fragilização da democracia”, denuncia a parlamentar.

 

 

Para Anielle Franco, diretora executiva do Instituto Marielle Franco, “a cara do poder continua sendo branca, masculina e numa lógica cisgênero. Nossa pesquisa mostra que os principais agressores são os dirigentes dos próprios partidos e até juízes e servidores federais. Essa violência de intimidar e proibir a participação política é uma grave violação de direitos humanos.  A Câmara precisa tomar à frente desse processo com, por exemplo, uma subcomissão que acompanhe tudo que tramita na Casa sobre o tema”. 

 

 O presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT/BA), destaca que “a violência política é algo que atinge a todos em alguma medida, homens e mulheres postulantes e ocupantes de cargos eletivos. Essa violência vai desde a divisão ou mesmo desvio de recursos dos partidos até atentados e assassinatos, e alcançou patamares inaceitáveis, ainda mais nos últimos três anos”.

 

 

 

“A banalidade do mal”

Carolina Iara, co-vereadora eleita em 2020 pelo PSOL na capital paulista, teve a residência atingida por tiros na madrugada de 26 de janeiro. Os tiros teriam sido disparados de dentro de um carro branco. O atentado foi registrado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa como "disparo de arma de fogo" e "dano". A parlamentar teve que mudar de bairro.

“Ser travesti, intersexo e negra, me fez ser vítima da violência. Foi a sociedade civil que me deu apoio, não houve nenhuma garantia do Estado brasileiro. No cotidiano, enfrentamos iniciativas institucionais para diminuir a visibilidade das mulheres negras ou trans. Como não nos consideram mulheres, nãos nos consideram como humanas. E aí a violência vira banal. Jogam bomba, invadem gabinete e dão tiros para cima. A banalidade do mal”, conclui Carolina Iara.    

Lígia Fabris, professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, sustenta que é preciso superar a sub-representação de mulheres no poder. “A possibilidade desse grupo acessar o poder é um princípio da democracia.  É necessário cumprir a cota de 30% na participação das mulheres para avançar. Percentual menor que esse é retrocesso”.

Gisele Barbieri, coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, defende “a proibição e a punição dessas atitudes, localizar os que promovem essa violência e proteção para as famílias e equipes, que também ficam expostas. Além disso, temos que definir as instâncias, através de lei, para fazer as denúncias”. 

 

                                    

 

 

 

Campanhas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve lançar até junho uma campanha de rádio e tv sobre o tema. “Vamos combater a violência política de gênero dentro da nossa possibilidade e responsabilidade. A campanha será feita com depoimentos do Instituto Marielle Franco e apresentada pela atriz Camila Pitanga. Queremos explicar e dar visibilidade para sociedade, com exemplos, como a violência acontece”, informa Fabiana Machado, coordenadora de Campanhas, Redes Sociais e Web, da assessoria de comunicação do TSE. Para Daniela Duarte, da Justiça Global, “as recentes pesquisas apontam que os rotineiros episódios de violência política no Brasil, representam uma grave violação de direitos humanos. Criar obstáculos, impedir a participação política, o funcionamento das instituições públicas, interferindo ou interrompendo mandatos políticos, compromete a própria democracia”.

 

                                           

 

Luciana Valéria Gonçalves, coordenadora-geral de Políticas Étnico-Raciais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, informa que “estamos organizando com o Ministério de Educação um projeto para combater o racismo ainda na escola. Vamos capacitar mil professores em todo o país para essa campanha”. 

Pedro Calvi / CLP