Transferência de renda para multinacionais e roubo: especialistas analisam os aumentos da conta de luz e sugerem uma CPI
Em julho, a bandeira vermelha patamar 2 passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 por 100 kWh consumidos, e pode subir novamente para R$ 11,50. A conta de luz também ficou mais cara por causa do reajuste anual das tarifas das concessionárias de energia elétrica. A conta passou para R$ 124,59 para uma família com consumo residencial médio. Em junho, esse valor foi de R$ 118,15.
O governo alega como motivo para o aumento a crise hídrica enfrentada pelo país e a queda do nível dos reservatórios de hidrelétricas.
Nesta segunda (16/8), a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) debateu esses aumentos, que são considerados abusivos pelos deputados que pediram o encontro. O grupo é formado pelo presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT/BA) e pelos deputados: João Daniel (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP), Valmir Assunção (PT/BA), Patrus Ananias (PT/MG) e Marcon (PT/RS).
“Esse quadro de aumento na conta de luz não tem duração definida. O povo brasileiro não pode aceitar essa situação sem uma ampla discussão. Queremos saber os reais motivos dessa situação”, afirma Waldenor Pereira.
Uma das tarifas mais caras do mundo
Gustavo Teixeira, do Coletivo Nacional dos Eletricitários, denuncia que “o país vem de duas décadas de modelo mercantil, com 3 crises. No Amapá, a empresa faliu e hoje quem fornece energia é um fundo de investimentos. Hoje temos uma das tarifas mais caras do mundo, que transfere renda dos brasileiros para sócios de multinacionais. O setor elétrico é o que mais distribui dividendos. Com a privatização da Eletrobras, a tarifa vai aumentar ainda mais. As medidas da Aneel apenas postergam uma crise maior”.
Davi Antunes Lima, superintendente de gestão tarifária da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), afirma que a tarifa residencial de 2013 até 2018 teve 87,8% em reajustes. “De lá para cá, tivemos algumas medidas para ajudar o consumidor, como a isenção de 3 meses ao de baixa renda durante pandemia. Este ano, foram 8 medidas par reduzir o impacto tarifário, como a redução do PIS e COFINS. A alta cotação do dólar e o agravamento do cenário hidrológico são os maiores problemas para o fornecimento de energia”.
Realidade camuflada
O parlamentar João Daniel (PT/SE) destaca que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou uma nota chamada “A farsa da crise hídrica no setor elétrico”. Ele diz que, no documento, o Movimento denuncia que o “discurso de seca na região sudeste camufla a realidade e serve para justificar aumentos abusivos na conta de luz do povo brasileiro, permitindo aos agentes empresariais do setor elétrico lucrar alto na pandemia”.
“O preço da luz é um roubo. Os motivos do tarifaço na conta nunca aparecem. Por que no Brasil se produz energia com o menor custo do mundo e por que o povo paga uma das mais caras do mundo? São 15 grupos que controlam 90% do setor elétrico nacional que tiveram seus lucros de 1 trilhão de reais em 5 anos. Os bancos e fundos de investimentos são os donos”, enfatiza Gilberto Cervinski, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Cervinski lembra que o esvaziamento dos reservatórios é monitorado desde 1910 e agora “não fizeram nada, é uma estratégia, jogaram água fora. Todo mundo sabia que viria um período crítico, que resultou em aumento em 50% nas bandeiras tarifárias e no acionamento das termelétricas, que vai gerar mais aumento ainda. O povo ainda não sentiu o tarifaço que vem pela frente”.
CPI
O ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) de 2010 a janeiro de 2018, Vicente Andreu, afirma que não é uma crise hídrica, mas de energia, a partir da bacia do Rio Paraná e que pode atingir a do Rio São Francisco. “A operação do sistema elétrico é que está afetando hidrovias, turismo e meio ambiente. Não levem para São Pedro a responsabilidade pela crise. Esse modelo operacional é intencional e completamente desastroso, para gerar lucro aos fundos de investimento. Vamos aguardar uma explosão das tarifas em 2022. Precisamos de uma CPI que investigue o modelo de operação do sistema elétrico, que hoje tira renda da população brasileira”.
De janeiro até o dia 6 de julho, a Aneel atualizou os preços cobrados por 31 distribuidoras que atendem municípios de 14 estados brasileiros. Segundo a Aneel, as demais empresas de outros estados terão os preços revisados ainda neste ano, nas datas dos contratos de concessão.
A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
Pedro Calvi / CLP