Técnicos contestam Medida Provisória para gerir crise hídrica, e apontam consequências econômicas para o consumidor

De acordo com o projeto MapBiomas, que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, nos últimos 35 anos o Brasil perdeu 16% da superfície de água e as queimadas atingiram 20% do território nacional.
05/11/2021 17h39

Nilson Bastian/Câmara dos Deputados

Técnicos contestam Medida Provisória para gerir crise hídrica, e apontam consequências econômicas para o consumidor

Dois terços do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa. Cerrado e Amazônia concentram 85% da área queimada ao menos uma vez.

Em 2021, notícias publicadas em veículos do Brasil e de outros países, divulgaram informações sobre a questão ambiental, eventos climáticos extremos e a grave crise hídrica em estados brasileiros do Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Nessas áreas há grande atividade agropecuária, além da presença de povos tradicionais, unidades de conservação e ecossistemas que precisam de maior efetividade na sua proteção, a exemplo do Pantanal.  

Em junho, o governo federal editou a Medida Provisória 1055. Porém, a proposta concentraria o poder decisório sobre o uso dos recursos hidroenergéticos no poder público federal, não levando em consideração a competência da Agência Nacional de Águas (ANA). A Agência que deveria definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios.

A medida do governo foi o ponto inicial da audiência pública da Comissão de Legislação Participativa nesta sexta (5/11). O debate foi uma sugestão dos deputados Talíria Petrone (PSOL/RJ), Luiza Erundina (PSOL/SP) e Glauber Braga (PSOL/RJ).

“É uma proposta que se apresenta como solução para a crise hídrica, mas exclui todos os demais usuários da água na discussão sobre as medidas necessárias para o enfrentamento do problema”, afirmou Talíria Petrone.

Para Yvonilde Medeiros, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, “não podemos destruir a lei com uma canetada, precisamos parar com essa marcha da insensatez que toma conta do país, e que destrói tudo que foi construído nos últimos anos”.

A especialista critica o atual papel do Operador Nacional do Sistema. Medeiros afirmou que o órgão tem um poder enorme e é o braço direito do Ministério de Minas e Energia, “mas se tornou um sócio das concessionárias de energia no país e que dizem o que é certo ou errado. A crise hídrica não se acaba com uma medida provisória. Segurança hídrica deve ser sustentável e responder às pressões sociais, econômicas e ambientais”.

Ângelo Lima, representante do Observatório de Governança da Água, aponta eventos climáticos extremos, desastres ambientais causados pelo homem, e a perda da biodiversidade e de ecossistemas, como causas do problema. “A agenda ambiental se torna uma agenda estratégica para o desenvolvimento, não apenas econômico, mas de crescimento para todos. A MP inverte o papel entre regulador e regulado”.

Já para Jerson Kelman, ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) a seca atual é muito parecida com a de 8 anos atrás e ponderou os motivos.

“Os reservatórios têm sido usados para outros objetivos além do fornecimento da energia elétrica, como operação com margem para lidar coma enchentes ou com limites por questões ambientais. Na hora da crise, decisões devem ser tomadas, acho que medida provisória foi necessária porque havia necessidade de relaxar restrições hidráulicas na bacia do rio Paraná. Se isso não fosse feito, haveria falta de energia e o desemprego seria ainda maior.”

Crise falsa

“A crise atual é falsificação estatística, sustentada pelo governo e parte da mídia. Não é a maior seca dos último 91 anos. É falso. A MP é o AI-5 das águas. Não visa agilidade na tomada de decisões, na verdade castra a posição de diversas instituições. O contrário do que aconteceu em 2014, esse modelo é centralizador. A MP precisa ser combatida”, afirmou Vicente Andreu, ex-presidente da Agência Nacional de Águas.

Luiz Barata, consultor do Instituto Clima e Sociedade (ICS) disse que a medida provisória está com os dias contados e a possível crise hídrica pode gerar outro tipo de crise.

“Passa a ser uma crise energética e logo, numa crise econômica. As chuvas atuais apagaram o risco de apagão, mas o tema continua na agenda porque esse impacto vai gerar custos enormes para o consumidor e a sociedade está exaurida do ponto de vista econômico. A saída seria desenvolver projetos de recuperação dos reservatórios a partir de usinas renováveis”, disse Barata.

Luiz Pinheiro Silva, especialista em Gestão de Recursos Hídricos e Saneamento Básico da ANA, sustentou que “os servidores da ANA têm estrutura para tratar do problema e atuam visando uma política econômica e social que vem sendo executada com bastante êxito”.

A íntegra da audiência está disponível, em áudio e vídeo, na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Pedro Calvi / CLP