Sociedade civil quer uma atuação maior do Ministério Público junto à população em situação de rua

Nesta segunda (8/11), a Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados trouxe para discussão a atuação do Judiciário junto à população em situação de rua.
08/11/2021 14h31

De acordo com estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgadas em março de 2020, o número de pessoas em situação de rua no Brasil, dados do início da pandemia, é de cerca de 221.869 pessoas.

“Essa população, quando busca amparo do Poder Judiciário, encontra, muitas vezes, problemas formais que criam obstáculos materiais, reais e concretos ao próprio acesso desse grupo social à Justiça. Não são consideradas suas peculiaridades como “grupo populacional heterogêneo que tem em comum a pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular”, colocou a deputada Erika Kokay (PT/DF) que, junto com Glauber Braga (PSOL/RJ), pediu a realização da audiência pública.

Erika é presidente da Frente Parlamentar de Defesa da Moradia da Câmara dos Deputados.

Há 10 anos foi implantada a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que garantiria o respeito e a dignidade para pessoas em situação de rua e deveria assegurar o acesso amplo, e simplificado, aos serviços e programas que integram as diversas políticas públicas.

Porém, a violência não diminuiu em relação a esse grupo e ainda há uma crescente criminalização de suas lideranças.

Samuel Rodrigues, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua, afirmou que a criminalização dos movimentos sociais resulta de “um esforço da sociedade branca, machista e racista para criminalizar as lutas sociais. Fazer protesto é o mesmo que fazer terrorismo na visão dessas pessoas. Defender o direito do mais fraco, do mais pobre, do catador de rua, da mulher, da população em situação de rua, do negro e do índio, vira uma agressão ao Estado do “Deus acima de tudo”. Em muitos lugares, essas pessoas veem a Defensoria Pública como um agente punitivo. Lembro que o Ministério Público é público e precisa urgentemente se voltar para essa população e estar ao inteiro dispôs dela”.

De certa forma, Davi Quintanilha de Azevedo, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, reconhece a colocação de Samuel.

“Infelizmente o judiciário ainda não tem sensibilidade para um olhar voltado para atuar nesses casos.  A multa penal é um exemplo, principalmente por tráfico de drogas, ela é perversa para a população em situação de rua, que não tem condição de pagar e isso impede de ter trabalho, de não ser declarada a extinção da culpa, não ter título de eleitor e por aí em diante. Um ciclo de violência”, colocou Azevedo.  

Marco Antônio da Silva Souza, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, lembrou o decreto nº 9.759 de 2019 do governo federal, que extinguiu e estabeleceu diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

“É uma estratégia da classe dominante, de violência e fake news para criminalizar os movimentos sociais de forma mais ampla, associando nossas atividades aa crime e coisas imorais. Temos que nos legitimar perante a lei. Querem desmoralizar os movimentos sociais e, assim, dificultar o acesso das pessoas às políticas públicas e restringir direitos”.

Perseguição

“Quem se insurge e denuncia as precariedades dos programas de acolhimento é perseguido e desligado sumariamente desses equipamentos. O caso do padre Lancelotti é emblemático por causa das inúmeras ameaças que recebe”, denunciou Luciana Ribas, do Fórum das Cidades de Acompanhamento à População em Situação de Rua de São Paulo.

Ela deu mais um exemplo. “Em São Paulo, os líderes de um movimento contra a violência policial na região da Cracolândia, respondem a inquérito policial por apologia ao tráfico, mas estão defendendo uma política púbica de redução de danos. Precisamos antes de tudo, de políticas de moradia e renda”.

Ronan Figueiredo, da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos, destacou que uma visão cheia de estigmas “impede enxergar a heterogeneidade da população em situação de rua, de compreender que são sujeitos integrais, de direito, e não atuarmos de forma filantrópica”.

O parlamentar Glauber Braga ressaltou que “em conjunto, precisamos construir um conjunto de ações que garantam direitos para essa população”.

Tramita na Câmara o Projeto de Lei 5.740 de 2016, do deputado Nilto Tatto (PT/SP), que Estabelece Direitos e Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. O projeto aguarda parecer do relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

A capacitação de profissionais que atuam junto à população em situação de rua e a fiscalização pelo Tribunal de Contas da União dos convênios com instituições que prestam serviços a esse grupo, foram encaminhamentos feitos pelos participantes do encontro.

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Pedro Calvi / CLP