Quase 500 mil mortos por Covid-19 no país do futebol: Quem vai gritar gol?
Começa neste domingo (13/6), cercada de polêmicas, a Copa América 2021. Anteriormente marcada para acontecer na Argentina e Colômbia, que desistiram de sediar o evento por causa da pandemia, a disputa ganha os gramados de quatro cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Cuiabá, Goiânia e Brasília. A decisão pelo Brasil foi feita às pressas, depois que o presidente da República, Jair Bolsonaro, ofereceu o país, em plena pandemia do Covid-19, à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O torneio termina dia 10 de julho.
“É um evento extemporâneo e completamente desnecessário. Desprezo e falta de respeito às famílias dos quase 500 mil mortos, um escárnio com a população”, afirma o médico Unaí Tupinambás, que integra o comitê de enfrentamento da Covid-19 na prefeitura de Belo Horizonte. “Estabilizamos a pandemia num patamar muito alto. É inaceitável 2.300 mortes em um dia, o que indica o descontrole da pandemia no país. Temos variantes que podem colocar em risco a vacinação, que já está muito lenta. Um evento inadequado e perigoso para toda América Latina. O Brasil talvez seja o pior país no enfrentamento da pandemia, graças às atitudes intencionais para espalhar doença. Todas essas mortes devem ser colocadas na conta da política do governo federal. Há uma estimativa de que podemos chegar a um milhão de mortes e, na maioria, na população mais vulnerável”, alerta o especialista.
Unaí foi um dos participantes da audiência pública virtual, nesta sexta (11/6), da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP). O debate foi proposto pelo deputado Rogério Correia (PT/MG).
Para o parlamentar, “a realização da Copa América neste momento é preocupante. Estamos vivendo um quadro trágico com quase 500 mil mortes. Jair Bolsonaro já até falou em fazer um decreto para desobrigar o uso de máscara. O STF diz que não pode impedir o torneio, porque não é da alçada deles”. Correia citou dados de uma pesquisa revista Exame, divulgada hoje que “mostra que 61 por cento dos brasileiros não concordam que o país realize a competição”.
A decisão do governo federal recebeu críticas de vários lados. Especialistas afirmam que a competição entre os times poderá causar um fluxo maior de pessoas entre as cidades-sede, aumentando a circulação do vírus e de novas cepas. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid considerou que a competição é um "mau exemplo" dado pelo país. Vários estados se negaram a receber o evento.
Até a noite desta quinta (10/6), o país registrou 2.344 novas mortes por Covida-19 e 89.802 casos da doença. O total de mortes no país chegou a 482.135 e o de casos a 17.215.159 desde o início da pandemia.
Patrocinadores de peso, como Ambev e Mastercard, retiraram suas marcas das transmissões dos jogos. Vão pagar, mas não vão usar o espaço. No meio disso tudo, até uma denúncia de abuso sexual e moral, feito por uma funcionária da CBF, levou ao afastamento do presidente da entidade, Rogério Caboclo. No lugar dele assumiu Antônio Carlos Nunes, mais conhecido como Coronel Nunes, que foi prefeito biônico de Monte Alegre (PA) durante a ditadura militar.
300 jogadores contaminados
Alex Minduín, presidente da Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil lembra que, nos últimos oito meses, “não teve um dia sem notas de pêsames por causa de mortes causadas pela pandemia entre nossas 214 torcidas associadas.
Desse o início do ano, colocamos para o governo nossa preocupação com os todos os campeonatos. Ao longo dos últimos meses tivemos mais de 300 jogadores infectados, casos de times que tiveram 70% dos jogadores infectados. Lidar com futebol é lidar com paixões desenfreadas e astros internacionais vão estar na Copa América, os torcedores querem ver seus ídolos, chegar perto deles. Vai ter aglomeração por todo lado”.
Para Diego Carlos Ferreira, vice-presidente Regional Sudeste da União Nacional dos Estudantes (UNE), “é inadmissível que um patrimônio sociocultural, como o futebol, fique refém do governo de Jair Bolsonaro. As pessoas envolvidas nas delegações e órgãos organizadores, se contaminadas, podem desencadear um grande número de outros infectados. Nosso povo hoje precisa ser vacinado e alimentado e não de Copa América”.
Medidas de proteção
O coordenador operacional da Copa América, representante da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), informa que serão 28 jogos em cinco estádios sem presença do público. Porém, cada delegação terá 65 pessoas e a comitiva da Conmebol é de 150 pessoas. “Temos um protocolo de assistência médica, acordado com todos os entes federativos envolvidos nos jogos, e uma portaria a Anvisa que regulou a entrada das equipes estrangerias. Todos ficarão em hotéis com ambientes controlados, proibidos de sair do local, serão testados a cada 48 horas. Em cada cidade-sede temos dois hospitais credenciados e um laboratório. Além de uma série de medidas no transporte das delegações e para quem vai trabalhar nos estádios”.
“Queremos dar voz às milhares de pessoas vítimas da incúria do governo federal. Estamos imersos numa pandemia com inquestionáveis consequências para o Brasil, nos aproximamos do inaceitável número de 500 mil mortos, muitos desses óbitos poderiam ter sido evitados com medidas adequadas. Uma cobertura vacinal muito baixa e novas variantes mostram que convivemos com um cenário epidemiológico de alta gravidade e risco. Nesse contexto, não devemos voltar nossas atenções para a Copa América e, sim, exigir o fortalecimento do SUS”, afirma Cláudia Travassos, pesquisadora titular aposentada da Fiocruz e que também representa o Grupo de Políticas de Saúde da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da COVID - Vida e Justiça.
O ministro da Cidadania, João Roma, foi convidado, mas afirmou que houve pouco tempo para agendar a participação no encontro.
Quem vai gritar gol?
Pedro Calvi / CLP