Participantes de seminário cobram mais justiça para anistiados do regime militar

O tema foi debatido no seminário realizado pela Comissão de Legislação Participativa e de Direitos Humanos e Minorias.
28/08/2019 10h36

Participantes do seminário realizado nesta terça-feira (27), na Câmara dos Deputados, os 40 anos da Lei de Anistia (Lei 6.683/79) defenderam a adoção no Brasil de uma justiça de transição que enfrente de fato um passado de regime militar (1964-1985), quando houve restrição de direitos, perseguições e mortes. A lei completa quarenta anos hoje (28).

Conforme explicou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, a justiça de transição tem como objetivos a reparação, a construção de locais de memória, a reforma das instituições e principalmente a responsabilização dos culpados pela prática de violência. “A não responsabilização vai em algum momento da História enfraquecer as outras dimensões da justiça de transição”, acredita.

O vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Everaldo Bezerra Patriota, também reclamou de o Brasil ainda não ter feito a justiça de transição. “Precisamos fazer o julgamento dos perpetradores do crime, o estabelecimento da verdade desse período, o registro, o reconhecimento, a visibilidade e a memória. A gente tem que resgatá-la por inteiro, com oferecimento de reparação às vítimas”, defendeu.

Abertura
A Lei da Anistia fez parte de um conjunto de medidas tomadas no contexto da abertura política do regime militar. Foram anistiados tanto aqueles que praticaram crimes políticos; como militares e outros agentes do Estado, entre 1961 e 1979.

Para Deborah Duprat, a lei padece de contradições em razão de ter sido criada ainda dentro do regime militar, por um congresso formado de senadores biônicos (nomeados). “Ela anistia irrestritamente crimes praticados por agentes do Estado. Só que esses crimes não são políticos. Crimes políticos são crimes praticados contra o Estado. Os agentes que torturavam e matavam agiam em nome do Estado, em favor do Estado”, observou.

A procuradora lembrou ainda que a lei não se aplica a casos de sequestro e de atentado pessoal, mas questionou o que seriam as prisões ilegítimas e o sumiço de corpos senão atentados de sequestro. “A lei nunca pode ser compreendida como uma lei que anistiou agentes do Estado que praticaram essas graves violações dos direitos humanos”, criticou Duprat.

Vitória
Ex-preso político e secretário dos Direitos Humanos no governo Lula, o ex-deputado Nilmário Miranda disse, por outro lado, que não se pode tirar o caráter de vitória da Lei de Anistia. “Tantos voltaram [do exílio], milhares voltaram e ajudaram a apressar o fim da ditadura, graças à anistia. Partidos inteiros saíram da clandestinidade”, declarou.

O conselheiro representante dos anistiados na Comissão de Anistia, Vitor Mendonça Neiva, disse que a anistia foi uma conquista porque reconheceu uma ferida aberta. “Hoje tudo que a gente sofre é porque essa ferida gangrenou.”

Comissões
O seminário foi promovido pelas comissões de Legislação Participativa e de Direitos Humanos e Minorias. O Presidente da Comissão de Legislação Participativa e um dos parlamentares que sugeriram o evento, o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), reconheceu que a Lei de Anistia contribuiu para o retorno da democracia ao Brasil após o regime militar, mas disse que o debate ainda permanece em aberto. “Vivemos um cenário de perigosos retrocessos, capitaneados pelo atual governo, que podem ser exemplificados pelas recentes alterações na comissão sobre mortos e desaparecidos políticos”, disse, referindo-se à troca de integrantes do colegiado promovida pelo governo no início do mês.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Helder Salomão (PT-ES) também é da opinião de que “os tempos obscuros” estão de volta. “Novas perseguições estão ocorrendo, porque vivemos em um tempo em que o governo não preza pela democracia, onde o governo de forma desavergonhada defende a tortura, celebra o regime militar, portanto zomba de todos os brasileiros que ao longo desses 40 anos lutam por garantia de direito, dignidade, vida, democracia, liberdade”, afirmou.

 

Reportagem - Noéli Nobre
Edição - Geórgia Moraes