Pandemia escancara a desigualdade social no transporte público, afirmam especialistas em audiência pública da CLP
Na maioria das grandes cidades brasileiras, as frotas que circulavam foram reduzidas para evitar gastos financeiros e diminuir o custo que os municípios teriam que arcar se 100% dos veículos estivessem em operação, mesmo com o menor volume de passageiros.
Especialistas em transporte público participaram, nesta sexta-feira (30/4), de uma audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP), aprovada por iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSOL/SP), primeira vice-presidenta da CLP. A Comissão é presidida pelo deputado Waldenor Pereira (PT/BA).
Luiza Erundina lembra que ônibus, trens e metrôs estão entre os principais locais de transmissão da doença, em virtude da grande concentração de pessoas. "Para piorar, empresas do setor e gestores públicos têm promovido a redução da frota, expondo ainda mais os trabalhadores ao risco de contaminação", acrescenta.
“A maioria do povo trabalhador não dispõe da opção do teletrabalho. Sobra a escolha entre o risco à saúde e o desemprego. Na pandemia, empresas do setor e gestores públicos têm feito a redução da frota, e os trabalhadores ficam mais expostos à doença. Portanto, é uma temática da maior importância”, pontua o presidente Waldenor Pereira.
Do tempo da monarquia
Para o ex-secretário de transportes da Prefeitura de São Paulo e idealizador do Programa Tarifa-Zero, Lucio Gregori, “a pandemia escancara o escândalo que é questão central no Brasil, também no que diz respeito ao transporte público, que é a falta de recursos financeiros. Fica evidente que o poder público não tem recursos para a mobilidade. Os usuários não têm como pagar a passagem. 40% dos usuários de São Paulo não visitam os parentes nos finais de semana ou nem vão ao médico ou outros serviços porque não têm dinheiro para pagar o transporte. A forma de contratar o serviço de transporte por concessão existe desde 1817, com base na tarifa cobrada do público. Ainda somos uma monarquia mal resolvida? Contratação por fretamento seria uma opção”.
A defensora pública de São Paulo, Renata Flores Tybiriçá, lembra que, no final do ano passado, o governador do estado e o prefeito da capital revogaram o decreto estadual e lei municipal que proporcionava transporte gratuito para idosos a partir dos 60 anos. “Porém, muitos idosos precisam trabalhar e precisam do transporte para o ganha pão ou irem ao médico. Muitos vivem do trabalho informal e não têm direito ao vale transporte. Já entramos com ações, mas ainda não conseguimos reverter a decisão. Precisamos mudar a legislação federal e garantir através de mudança na Constituição”.
“Em São Paulo, desde o começo da pandemia, a frota operante foi gradativamente reduzida. Em março do ano passado, chegou a cair até 50% e agora está em 80% dos ônibus contratados para operar esse serviço. A aglomeração aumentou ainda mais com o intervalo maior entre uma viagem e oura”, contextualiza o professor da Universidade de São Paulo, e especialista em transporte público, Mauro Zilbovicius.
Ele lembra que as empresas são remuneradas por passageiro transportado em valor maior do que os passageiros pagam. “A pandemia escancarou problemas que estavam escondidos. A prefeitura resolveu economizar nos custos, por causa da queda no número de passageiros. E as empresas reduziram a frota para reduzir os custos. Ônibus é fundamental nas grandes metrópoles e precisam ter, por exemplo, prioridade no tráfico”.
Redução da frota, ônibus lotados e crise nacional
O coordenador de mobilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, aponta que “as tarifas excluem usuários de transporte e a pandemia mostrou a realidade em todas as cidades do Brasil. Precisamos de outras formas de financiamento, em nível federal, porque é um problema estrutural. O Projeto de Lei 3364 de2020 previa um aporte emergencial de 4 bilhões de reais para o setor. O projeto foi vetado pelo governo federal. A crise só vem aumentando, 60 cidades já tiveram greves ou rompimentos de contratos”.
“Em fevereiro deste ano, em São Paulo, a demanda de passageiros aumentou em 70%. Ou seja, aumentou o número de passageiros e oferta de ônibus não correspondeu. Sempre andamos em ônibus abarrotados. O financiamento pela tarifa responde por 50% do faturamento das empresas. O que estava montado na areia está desmanchando. Uma das empresas mais tradicionais do Rio de Janeiro, a Acari, que existe há 50 anos, vai fechar. Uma legislação federal seria uma saída para a crise”, aponta Rafael Drummond, do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito da cidade de São Paulo.
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde reconheceu o status de pandemia para o contágio do novo coronavírus, causador da Covid-19. Daquele momento até hoje, a doença provocou mais de 400 mil mortes no Brasil.
A íntegra da audiência pública está disponível, em áudio e vídeo, na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
Pedro Calvi / CLP