O preconceito no olhar
Conforme a Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2020, 60,3% dos brasileiros com 18 anos ou mais, cerca de 96 milhões estavam acima do peso em 2019. O estudo também mostrou que a proporção de obesos na população com 20 anos ou mais no país passou de 12,2% para 26,8% entre 2003 e 2019
Já uma pesquisa de 2005, do Grupo Catho - empresa especializada em divulgar vagas de emprego e receber currículos, feita com 31 mil executivos, mostrou que 65% dos presidentes e diretores de empresas tinham alguma restrição na hora de contratar pessoas gordas. Esse tipo de discriminação é vedado por lei.
Ainda de acordo com dados do estudo da Catho, o mercado pagava melhor aos magros.
Outro levantamento, feito pela Skol Diálogos, em 2017, junto com o Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope), mostrou que 92% dos brasileiros obesos admitiram sofrer com gordofobia no convívio social.
Para debater esse preconceito e problemas enfrentados pelas pessoas gordas, a Comissão de Participação Legislativa da Câmara dos Deputados (CLP), promoveu nesta sexta (12/11) uma audiência pública.
O debate foi sugerido pelos deputados Waldenor Pereira (PT/BA), presidente do colegiado, Paulo Teixeira (PT/SP) e Erika Kokay (PT/DF).
O Ministério da Saúde foi convidado, mas não enviou representante, justificando que “o tema não está relacionado a políticas deste Ministério, razão pela qual não indicamos representante”.
Para o presidente da CLP “é lamentável essa postura de não participar. Uma posição que se repete sempre que é convidado a participar. Um governo negacionista e que não cuida do povo brasileiro com as devidas políticas públicas”.
O preconceito que gera lucro
Ale Mujica Rodriguez é médica, transfeminista e ativista pela descriminalização do aborto. Para ela, a ausência do Ministério da Saúde no debate é uma demonstração de gordofobia como se “o governo não se importasse”. Ela contextualizou o preconceito.
“Com o crescimento do capitalismo, a magreza se tornou o estereótipo de beleza e o ideal a ser alcançado. As classes altas se distinguiram da classe trabalhadora adotando o ideal de magreza, que depois seria adotado pelas classes média e baixa. A indústria farmacêutica do emagrecimento, e do dito saudável, movimenta cerca de 35 bilhões de reais por ano. Só a venda destes produtos atingiu 100 milhões de reais no ano passado. Além disso, o país está em quinto lugar na realização de cirurgias bariátricas. Em 2019, foram 68.530 procedimentos. O corpo gordo é continuamente apresentado como algo falso que não deveria existir, que precisa ser tutelado. Assim, é desumanizado e perde o status de sujeito de direitos”.
Para Keit Lima, da Marcha das Mulheres Negras (SP), a gordofobia é um problema institucional. Ela considerou que vivemos um falso discurso de saúde onde se deve eliminar os corpos gordos.
“Estamos há algum tempo tentando ser ouvidas para que nossos direitos básicos sejam respeitados. A nossa luta é por humanidade. Diariamente a gordofobia nos afeta, nos tira direitos. Saudável não é sinônimo de magro. Todos os corpos podem estar doentes e qualquer corpo merece acesso à saúde pública de qualidade”, disse Keit.
“Em um mundo pouco adaptado a corpos gordos e em uma sociedade que institucionaliza o preconceito contra os donos desses corpos, enfrentar o cotidiano traz desafios de diversas naturezas, dos mais simples aos mais complexos. Do transporte público, escritórios, restaurantes, sem falar no pior: que vão ser alvo de piadas”, afirmou a parlamentar Erika Kokay.
Patologização
Vanessa Joda, professora de yoga, estudante de educação física, do corpo gordo e da cannabis. Criou em 2016, o projeto Escola Yoga Para Todes, pediu que as pessoas gordas não sejam mais patologizadas, chamadas de obesas.
“Isso significa doença. Ninguém fala de doenças de pessoas magras. A medicina erra, patologiza os corpos. Já colocou homossexuais e transsexuais como doentes e corpos pretos como pessoas sem alma. Está errando de novo com relação às pessoas gordas. Para irmos ao médico precisamos nos preparar psicologicamente porque vamos escutar todo tipo de violência. Os diagnósticos são cheios de preconceitos até com um olhar”.
Marília Mendonça
O deputado Paulo Teixeira lembrou que o tema apareceu nacionalmente com a morte da cantora Marília Mendonça. Um artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo chamou a sertaneja de “gordinha”, afirmou que ela “brigava com a balança” e informou que, após emagrecer, a cantora “se tornou também bela para o mercado”. Já o apresentador da TV Globo, Luciano Huck lamentou o falecimento da artista “logo agora que ela estava magrinha”.
“Os padrões são para poucos, de uma sociedade para poucos. Esse tipo de fobia é violento e desumano. Queremos uma sociedade de respeito, inclusão, democrática, onde ninguém seja discriminado pela cor, gênero ou tipo de corpo”, colocou Teixeira.
A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
Pedro Calvi / CLP