"Muita casa sem gente, muita gente sem casa": moradia para população em situação de rua deve ser política de Estado

Em março de 2020, projeção matemática do Instituto de Pesquisa Avançada (Ipea) apontou que, entre 2012 e 2020, a população em situação de rua cresceu 140%. Em 2020, quando começou a pandemia, o instituto indicou que seriam cerca de 220 mil pessoas em situação de rua em todo o país.
25/10/2021 16h56

No dia 28 de agosto deste ano o Governo Federal instituiu o projeto Moradia Primeiro. A iniciativa prevê oferecer residência temporária a cidadãos maiores de 18 anos de idade em situação de rua há mais de cinco anos.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) deve coordenar a implantação do projeto a ação, que tem o investimento inicial de R$ 9,2 milhões, além de outros recursos previstos para 2022.

Porém, o crescimento dessa população tem provocado questionamentos sobre as políticas públicas direcionadas a ela, tanto em eficácia quanto na criação de saídas efetivas da situação de rua.

Esse foi o ponto de partida para a audiência pública da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP), nesta segunda (25/10), que debateu a implementação do Moradia Primeiro.

A proposta do debate foi da deputada Erika Kokay (PT/DF), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, e do deputado Glauber Braga (Psol/RJ).

Há um abismo entre políticas habitacionais e a população de rua. A opção por modelos baseados em financiamento, propriedade individual ou ainda de propriedade estatal, são modelos que exigem renda mínima e endereço, que trazem barreiras para o acesso da população em situação de rua que não possui renda fixa ou em valores elevados, em sua maioria”, comenta Erika Kokay.

Luiz Tokuzi Kohara, pesquisador sobre moradia para a população em situação de rua afirma que, mesmo com o decreto, é preciso avançar mais na área. “Sem moradia a gente não pode falar em direitos humanos e dignidade. Não há saúde ou tratamento de redução de danos. Sem endereço não se consegue emprego ou acesso aos programas de saúde. Qual é o endereço é a primeira pergunta que, por si só, (é) discriminatória”.

Para o deputado Glauber Braga “mais do que simplesmente um debate teórico, há evidências sobre a eficácia de se posicionar a “moradia primeiro” como um programa que tenha as maiores taxas de retenção e não retorno às ruas, impacto na saúde, qualidade de vida, reinserção produtiva, retomada de planos de vida, projetos de educação, por exemplo”.

Carlos Alberto Ricardo, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos esclarece que “vamos completar 12 anos de políticas voltadas à população em situação de rua. Ampliamos vagas e criação de serviços. Mas, passado esse tempo, a gente vê que a pequena melhoria que houve não foi suficiente para superar a situação de rua. Quem estava na rua continuou e agora tem mais. O modelo atual não superou o problema, já que é etapista e a moradia é a última parte. Então, de forma mais robusta vamos desenvolver e priorizar o esquema de moradia primeiro. Vamos criar o guia brasileiro para a implantação do projeto para estados e munícipios também”.

Superação e orçamento

Leonildo Monteiro representante do Movimento Nacional da População de Rua (PR) pede ao Congresso que faça movimentos para ampliar os recursos para o Moradia Primeiro. “Sem isso, não vamos conseguir tirar a população em situação de rua de onde está. Nesse meio tempo, a violência contra essas pessoas aumenta. Precisamos de uma política de moradia que exista de fato”.

O objetivo principal é superar a situação de rua, ter no país um momento em que nenhuma família viva na rua porque não possa comprar ou alugar um lugar para viver. Políticas complementares são fundamentais para o atendimento emergencial mais básico, mas não podemos perder de vista a moradia como centro organizador de vários pontos de vista”, afirma Tomás Henrique Melo, do Instituto Nacional de Direitos Humanos da População de Rua.

Melo lembra que, por exemplo, Estados Unidos, Canadá, Espanha, Portugal, França e Dinamarca seguem a metodologia do Housing First (moradia primeiro) para resolver a situação. Ele acrescenta que no Brasil tem "muita casa sem gente, muita gente sem casa".

Renan Sotto Mayor, defensor público federal, lembra que “a situação de rua é uma violação permanente e deve ser o centro dos debates. É fundamental envolver outros ministérios e buscar mais recursos, com o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo, e tornar a moradia primeiro como uma política efetiva de Estado”.

Precisamos aprofundar a escuta de modelos alternativos para o enfrentamento da situação de rua como prioridade da sociedade brasileira. A moradia é o ponto de partida e o eixo de articulação de vários direitos dessa população”, afirma o presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT/BA).

A íntegra da audiência pública está disponível, em áudio e vídeo, na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Pedro Calvi / CLP