Empréstimo consignado: o que era para ser bom pode virar um problema

O volume do crédito consignado teve um recorde em janeiro deste ano com R$ 442,8 bilhões contratados. De acordo o Banco Central, é o maior valor já registrado neste tipo de empréstimo. Em um ano, o valor total aumentou 14%, coincidindo com o período da pandemia de coronavírus. Em janeiro de 2020 era de R$ 388,6 bilhões.
02/07/2021 16h10

Em agosto de 2020, o jornal Folha de São Paulo mostrou que em meados daquele ano, havia 34,4 milhões de contratos de empréstimos consignados. Um número maior que o total de beneficiários previdenciários, que em março de 2021 totalizavam 31.143.481. Ou seja, alguns beneficiários têm mais de um contrato de empréstimo consignado.

Porém, na mesma medida em que aumentou o acesso a esse tipo de crédito, cresceu também o número de reclamações e denúncias, que vão desde depósitos irregulares até o vazamento de dados do “Meu INSS”, onde os consignados são desbloqueados.

Nesta sexta (2/7), a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu uma audiência pública
para debater essa situação. O pedido para a realização do encontro é do deputado Vilson da Fetaemg (PSB/MG).

“Esse cenário não pode persistir, urge que se discutam e que se adotem medidas efetivas, para a correção de problemas, estabelecendo meios e modos que não induzam os beneficiários da previdência social a contrair empréstimos, sem comprovada solicitação prévia, e que, em nenhuma hipótese, possam representar qualquer desequilíbrio em seu minguado orçamento familiar mensal”, explica o parlamentar.

Mais rigor e menos burocracia para denunciar

A advogada e professora Jane Lucia Wilhelm Berwanger, afirma que a situação piorou em questão de meses. Aposentados e pensionistas começaram a receber empréstimos não solicitados, desnecessários, além da invasão de dados com a alteração de telefone e email. “Temos que lembrar que a maioria recebe o salário mínimo, são idosos e sem conhecimento técnico e, do outro lado, potências econômicas. Deve haver mais rigor na concessão do empréstimo e medidas mais enérgicas. O que era para ser bom, vira um tormento”.

 

A medida provisória do governo federal que amentou o limite para desconto em folha de consignados, seria uma das causas para os abusos. É o que defende a secretária de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Edjane Rodrigues da Silva.

“Não somos contra a política de crédito consignado, mas temos que enfrentar o problema. Descontos absurdos das parcelas, que chegam a até 84 meses, o que gera um endividamento real para as pessoas. Fraudes através do Meu INSS, com alteração até de senha.  Além disso, a burocracia para denunciar é muito grande, levando até a desistência de reclamar”. 

 

“Tivemos um boom de aposentadorias ainda no governo anterior. Em um ano foram 460. As reclamações sobre consignados começaram a aparecer, inclusive com empresas terceirizadas fazendo captação de forma insistente. Sabemos que existe um comércio paralelo de fornecimento de dados, e que deve ser investigado de forma detalhada”, coloca o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luís Antônio Boudens.

 

O representante da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos, Obede Teodoro, considera estelionato os consignados irregulares. “Temos milhares de pensionistas e idosos, e recebemos muitas denúncias. A maioria, de depósitos não autorizados, e logo depois vem o desconto. Em outros casos, o aposentado devolve o dinheiro e o banco continua descontando, isso é estelionato”.

 

“Muitas vezes as pessoas são induzidas a fazer o consignado e os dados vazados para várias instituições, isso é criminoso. Nem todo estão preparados para lidar com finanças, até porque as propostas são tentadoras, mas depois vem a conta para pagar”, afirma o deputado Helder Salomão (PT/ES).

 

Punições e medidas de proteção


Amauri Bolívar, da Federação Brasileira dos Bancos, destaca que uma série de medidas foram tomadas para evitar irregularidades. “No ano passado lançamos a autorregulação dos empréstimos consignados, envolvendo 34 instituições que representam 95% do mercado. Criamos o Não Perturbe, um bloqueador de chamadas para quem não quer receber ligações de correspondentes bancários e proibimos o tele saque. Quem viola, está sujeito a sanções, da advertência até a suspensão permanente na relação com os bancos”.

 

O presidente do INSS, Leonardo Guimarães, explica que os empréstimos consignados são uma política importante para oferecer acesso ao crédito com juros mais baixos, e que o INNS é um instrumento que viabiliza esse tipo de crédito. “Estamos num grupo de trabalho, no Conselho Nacional de Previdência, para mudar as regas desses empréstimos. Já tomamos várias medidas para bloquear fraudes e o acesso aos aposentados. No segundo semestre de 2020 tivemos um alto número de denúncias e processos foram abertos contra algumas instituições financeiras. Mas precisamos avançar mais.”


Segundo dados da Secretaria Especial de Previdência Social e do Trabalho, atualizados até março de 2021, o regime geral de previdência social paga, mensalmente, 11.459.841 aposentadorias por idade; 6.691.920 aposentadorias por tempo de contribuição; 3.499.435 aposentadorias por invalidez; e 8.000.288 pensões por morte; sendo que, desses benefícios, 9.446.735 são pagos a aposentados especiais rurais.

 

Pedro Calvi - CLP