Construção de barragens no norte mineiro pode aumentar crise hídrica e colocar em risco comunidades tradicionais
Estão previstas duas barragens para receber os rejeitos, com capacidade para armazenar 845 milhões de metros cúbicos de resíduos. Em comparação, 17 vezes mais que a barragem da Samarco, que rompeu em 2015, em Mariana.
O deputado Rogério Correia (PT/MG), que pediu a realização do encontro, alerta que os Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais (EIA/Rima) apontam exatamente para o fato de o empreendimento ampliar o modelo de mineração responsável pelas tragédias ocorridos em Mariana e Brumadinho. "A barragem principal do empreendimento terá a capacidade de 845 milhões de m3 de rejeitos, representando uma dimensão 100 vezes maior do que a barragem da Vale S/A que rompeu em Brumadinho", denuncia.
O complexo de mineração será construído na região do Vale das Cancelas, atingindo os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis, além de 16 municípios baianos.
“Alguns desses territórios são caracterizados pela escassez hídrica e potencializada pelas consequências de atividades econômicas desenvolvidas de forma inadequada. Segundo uma carta divulgada por mais de 100 entidades da sociedade civil, as comunidades tradicionais estão tendo os direitos negligenciados. Apenas na área de Grão Mogol, 11 comunidades tradicionais geraizeiras sofrerão remoção forçada”, informa o presidente CLP, deputado Waldenor Pereira (PT/BA).
Fábio Titiah, da comunidade indígena Pataxó da Bahia afirma que até o momento não foram consultados sobre o empreendimento, “que já pode ser um começo do PL 490 que incentiva a exploração de minérios em terras indígenas. Esse é um projeto de morte, destruidor, que viola direitos dos povos tradicionais. Os deputados que defendem essa construção dependem de doações para a campanha”.
O projeto
Gizelle Tocchetto, diretora de Meio Ambiente e Relacionamento da Sul Americana de Metais S/A diz que a licença de instalação dever sai em 2023 e a de operação em 2026.
“Vamos investir em 11 bilhões no norte de Minas, em municípios com IDHs mais baixos. Buscamos a mineração inteligente, que desenvolve em conjunto a região que tem como pilar a segurança. Serão gerados, no pique, 6.200 postos de trabalho. Estamos ouvindo as comunidades tradicionais e uma reserva será construída para os geraizeiros. Estamos falando de barragens extremamente seguras com, por exemplo, a cava automatizada, sem a presença de pessoas”.
Carmem Gouveia, geraizeira da região de Grão Mogol e do Movimento dos Atingidos por Barragens, observa que há na região uma grande propaganda da mineradora sobre a geração de emprego.
“Fizemos um levantamento nos municípios atingidos e constatamos que a agricultura familiar é um dos maiores geradores de trabalho e renda, com 6.429 empregados quase 80 por cento mais que na agropecuária. E são pessoas que não têm acesso à água e crédito, numa atividade que não destrói a fauna e flora. Portanto, a SAM não seria a maior empregadora da região, mesmo no auge do projeto. No período de exploração, serão bem menos empregos, cerca de 1.100 e não temos mão de obra especializada para isso”.
Carmem conclui lembrando que “em nenhum momento se fala sobre o impacto dessa obra sobre a mulheres, como assédio moral e sexual, além dos salários mais baixos. Ou seja, cada vez mais em situação de vulnerabilidade”.
Oitivas e licenciamento ambiental
Fernando Martins, representante da 6ª CCR (Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais) do Ministério Público Federal afirma que “estamos acompanhando as tratativas sobre o cumprimento para que a consulta e participação das comunidades tradicionais seja feita conforme previsto na Convenção 169 da OIT. Nossa missão é que as oitivas sejam concretizadas da melhor forma possível”.
Já Ênio Fonseca, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, ressalta que o processo de licenciamento ambiental “tem obedecido toda tramitação nas formas que regem essa atividade. Já houve um indeferimento, mas as observações foram corrigidas. Também acompanhamos com olhar atento todos os possíveis impactos que deverão ser discutidos com a sociedade. A licença só será concedida após rigoroso processo de acompanhamento”.
“A empresa vem buscando manobras para fragmentar o empreendimento e facilitar o licenciamento do complexo, que já teve negativas anteriores em função do tamanho do empreendimento”, destaca Padre João (PT/MG).
Adair Pereira de Almeida, das comunidades do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas ressalta que a região está passando por uma das maiores secas e que tanto o governo como deputados federais têm responsabilidade.
“Tudo começou com a monocultura do eucalipto implantada ainda na ditadura militar e com terras que estão na mão de deputados federais, com documento falsificados. Lutamos para sobreviver no meio disso tudo. Dependemos do bioma do cerrado para sobreviver. Agora, corremos o risco de termos nossos territórios ainda mais destruídos com esse empreendimento. Queremos que o governo mineiro interrompa esse licenciamento e quem tem que fazer oitiva é o estado e não o empreendedor”.
Adair denuncia que a empresa Sul Americana de Metais tem distribuído cestas básicas para prefeitos com o logo da empresa. A denúncia será encaminhada ao Ministério Público.
Para a construção e operação das barragens deverão ser usados 6 milhões de litros de água dos municípios atingidos, durante 18 anos. Quase 800 caminhões pipas saindo da barragem por hora, informa Felipe Ribeiro, do Movimento dos Atingidos por Barragens;
Também participaram Daniel Artison, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público de Minas Gerais; Anna Carolina Motta, subsecretária de Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais e outras lideranças de comunidades tradicionais.
A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
Pedro Calvi / CLP