Comer é um ato político: sociedade civil se mobiliza por uma alimentação saudável e acesso à terra
“A terra e os territórios são fundamentais para o desenvolvimento das populações e para isso o econômico, o social e o ambiental têm que andar lado a lado”, diz Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM. O parlamentar ressalta que os povos tradicionais, os agricultores familiares e assentados da reforma agrária reconhecem a importância destas dimensões à sua sustentabilidade e sobrevivência.
Joe Valle, que é produtor orgânico e empresário, convive com pequenos e médios agricultores. “Converso com mais de mil produtores e todos buscam alternativas para não usar agrotóxicos. É uma produção que não faz bem para uma pessoa, mas fez bem para o planeta. Temos mais de 80 mil produtores no país que estão nesse processo de passar para a produção orgânica”. Valle afirma que alimentos cultivados com agrotóxicos também são um problema de saúde pública. “Não faz mal só para quem consome, mas para quem trabalha e é obrigado a colocar veneno na lavoura”.
Para o presidente da CLP, Leonardo Monteiro (PT/MG), unir a sociedade civil em um seminário tem o propósito de criar uma plataforma unitária “para enfrentar os retrocessos que estamos passando, como a liberação de 290 substâncias agrotóxicas desde o início do ano, e colaborar com a soberania nacional, a defesa da terra e seus produtos”.
Segundo os organizadores do seminário, agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária são atacados por setores conservadores da sociedade na disputa pelo poder nos territórios dessas populações.
“Nossa relação com a natureza deve ser de amor, nunca de agressão, violência e morte. O agro não é tec, nem é pop. É violência física e veneno. Temos que produzir alimentos de maneira agroecológica e orgânica, pelo bem da humanidade, da saúde da população, da preservação do meio ambiente e da biodiversidade. O fogo na Amazônia é fruto deste modelo de produção suicida”, denuncia Padre João (PT/MG).
“Comer é um ato político”
Essa afirmação é da nutricionista e chef Bela Gil. “Comer é um ato político, mas tem que ter o direito de escolher o que comer. Uma mulher negra, da periferia, tem que botar comida na mesa e sofre a pressão da indústria dos alimentos ultraprocessados que são baratos, viciantes e estão em todos os lugares”. Bela Gil, porém, alerta que é injusto comparar os preços desses alimentos com os dos orgânicos. “Esses alimentos são baratos porque o custo social e ambiental não está incluso e são feitos com produtos subsidiados. Já os orgânicos têm o preço justo, custam o que custam”. A nutricionista explica que o custo social são as doenças crônicas não contagiantes, como o diabetes e a obesidade: “Então, dar uma alimentação de qualidade é investir na saúde da população e é investimento. Mas a indústria farmacêutica também ajuda a emperrar esse processo. Saúde é uma questão subversiva porque não dá lucro para ninguém”.
João Paulo Rodrigues, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, lembra que 70% dos alimentos saudáveis são produzidos pela agricultura familiar. “A conjuntura nos uniu para pensar os desafios do agrário brasileiro e como resistir. O diagnóstico é de muita preocupação. O governo tem um projeto de regularização fundiária que é entregar ao capital estrangeiro e privatizar, e de como abocanhar os 300 milhões de hectares que ainda são da União, com uma nova lei do uso de terra. Mais do que nunca, ninguém solta a mão de ninguém”.
PNaRa
Tramita na Câmara o projeto de lei 6.670/2016, que trata da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNaRA. A iniciativa já foi aprovada na Comissão Especial que analisa a matéria. Em maio deste ano, foi apresentado requerimento de urgência para que o projeto siga para votação no plenário. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) apresentou uma sugestão à Comissão de Legislação Participativa, que deu origem ao projeto de lei e seria uma resposta à ofensiva do setor ruralista para aprovar o projeto de lei 6.299 (de 2002), conhecido como “Pacote do Veneno”, que propõe liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no país.
“Está acontecendo um ataque sistemático contra os povos tradicionais, um momento muito difícil e precisamos fazer a nossa resistência. O projeto de lei do PNaRA tem que ser levado ao plenário o quanto antes. Essa vitória é principalmente da sociedade, que durante a discussão do Pacote do Veneno esteve mobilizada e reforçou o desejo por um futuro sem agrotóxicos”, destaca Rodrigo Agostinho (PSB/SP), presidente da CMADS.
Para o padre Paulo Renato Pereira, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) “estamos vivendo um momento marcado pela intolerância, e ninguém pode se distanciar da construção de uma sociedade justa e igualitária. A terra não pode ser transformada em uma simples mercadoria, para gerar lucro. Temos que lembrar as palavras do Papa Francisco: "terra, teto e trabalho para todos"”.
Frente Parlamentar
Durante o Seminário foi lançada a Frente Parlamentar da Agroecologia e Produção Orgânica, que será coordenada por Leonardo Monteiro (PT/MG). “É uma honra poder enfrentar mais esse desafio e fortalecer nossa luta em defesa da alimentação saudável e da produção sustentável. Temos a certeza de que essa frente será mais uma ferramenta de resistência contra os retrocessos que estamos vivendo””
Pedro Calvi / CDHM