A educação libertadora de Paulo Freire
Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva o nome dele, desenvolveu um pensamento pedagógico que assume a politicidade da educação. Para Freire, o maior objetivo da educação seria o de conscientizar o aluno.
Na semana passada, em 16/9, uma decisão liminar da Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu o governo federal de "praticar qualquer ato institucional atentatório a dignidade do professor Paulo Freire".
A ação foi movida pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, que argumentou estar o governo federal realizando "movimentos desqualificadores" contra Paulo Freire, que recebe "ofensivas e injustificadas críticas". O próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou, em 2018, que iria expurgar "a ideologia de Paulo Freire" da educação”.
Não é a primeira vez que o pensamento de Paulo Freire sofre ataques de movimentos antidemocráticos.
Em 1963, em Angicos (RN), ele comandou um programa que alfabetizou 300 pessoas em um mês. Em 1964, o educador coordenava Plano Nacional de Alfabetização do presidente João Goulart. Com o golpe militar, foi preso e depois seguiu para o exílio no Chile. Lá, escreveu seu livro mais conhecido, “Pedagogia do Oprimido”.
No livro, Freire defendia que o objetivo da escola seria ensinar o aluno a "ler o mundo para poder transformá-lo”. Para ele, isso faria com que os pobres e vulneráveis entendessem a condição de oprimidos e agiriam em favor da própria libertação.
Nita Freire, viúva do educador lembra que ele “foi uma alma generosa, que cuidou e esclareceu as coisas do senso comum para as camadas populares se assumirem enquanto sujeitos da sociedade e a se inserirem enquanto existência humana”.
Paulo Freire nasceu em Recife, em 1921, filho de uma família de classe média. Estudou Direito, mas não seguiu a carreira e encaminhou a vida profissional para o magistério.
Esperançar
O seminário foi proposto pelos deputados Luiza Erundina (PSOL/SP), Marília Arraes (PT/PE), Lídice da Mata (PSB/BA), Danilo Cabral (PSB/PE), Leonardo Monteiro (PT/MG) e Waldenor Pereira (PT/BA), presidente da CLP.
A iniciativa é da Comissão de Legislação Participativa da Câmara do Deputados (CLP), junto com as Comissões de Direitos Humanos e Minorias, de Educação e de Cultura.
A deputada Luiza Erundina, vice-presidente da CLP, destaca que “a existência de milhões de pessoas dedicadas à prática educacional libertadora é prova suficiente de que seu nome e sua obra não serão esquecidos. Todos os dias, seus livros e artigos são lidos, desdobrados e usados como referência para a ação transformadora através da educação”.
Um educador especial, cordial, bem-humorado, que gostava de contar e ouvir histórias, é como se lembra de Paulo Freire a doutora em Educação Lisete Arelar.
“A qualidade do ensino implicava em amorosidade e em professores animados no trabalho. Isso criava um outro patamar de relacionamento. Na gestão dele na secretaria municipal de São Paulo, as escolas foram abertas aos finais de semana para que alunos, famílias e professores se reunissem. Foram formados conselhos que faziam a gestão democrática das escolas”, relembra a professora Arelar.
Pedro Pontual, do Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe afirma que a mensagem central que Paulo Freire traz, especialmente para hoje no Brasil, é “de esperança, com o verbo esperançar, um conjunto de práticas e ações que dão sentido de construir uma alternativa histórica, e que inclui a possibilidade de existir no mundo”.
“Freire transformou muita gente e virou referência internacional através da sua educação humanista. Mesmo assim, o governo federal em nenhum momento fez referência aos 100 anos de nascimento do patrono da educação brasileira, parece que um dos maiores educadores do mundo não existe”, afirma Carlos Veras (PT/PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
A deputada Marília Arraes (PT/PE) também lembra que “Paulo Freire fez tudo que hoje é destruído pelo governo federal, ele trabalhou para termos um povo educado, autônomo e soberano. Mas o governo quer transformar o país numa fazenda e não numa grande nação. Paulo Freire é resistência e está vivo em todos nós”.
“Que cada um aprenda a dizer a sua própria palavra”
“Para mim, ‘A Pedagogia do Oprimido’ é muito forte porque, ao longo da minha vida como professor, vi que o livro deixa uma mensagem muito clara para que cada um aprenda a dizer a sua própria palavra. Ou seja, tenha a possibilidade de se expressar no mundo. A palavra é aquilo que garante às pessoas presença na humanidade, a presença no mundo”, afirma Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP.
A atualidade do pensamento de Paulo Freire também foi trazida por Agostinho Rosas, professor da UFPE. “Com Paulo Freire aprendemos a superar o medo da vida e da liberdade, e isso é um ato político, corajoso. Nosso processo de caminhada é assumir ‘eu sou sujeito que faz história, eu produzo conhecimento pela minha força de trabalho’. Então o pensamento dele é profundamente atual, porque é revolucionário”.
“Para Paulo Freire, o respeito pelo que cada pessoa traz ao processo de conhecer é radicalmente democrático porque o indivíduo constrói o conhecimento. O resultado é mais rico do que apenas recolher as conclusões que outros produzem”, pondera o deputado Waldenor Pereira, presidente da CLP.
O futuro
Sérgio Haddad, pesquisador de Paulo Freire e que escreveu "O Educador: Um perfil de Paulo Freire", afirma que as atividades pelo centenário do educador estão entrando numa quarta fase.
“Primeiro, vieram as publicações e releituras de livros, depois a história, em seguida como o legado dele ajuda a pensar o momento atual. E esse quarto tempo é como ele pode nos ajudar a pensar o futuro. Por exemplo, vemos a promoção de uma escola vertical, civil militar, excludente, o próprio ministro diz que a universidade ‘é para poucos, as pessoas com deficiência devem ser apartadas’, entre outras aberrações como a base curricular nacional, avaliações de massa e a meritocracia”.
Porém, Haddad lembra que a “história não para, não morre. Freire nos convoca a sonhar, aqueles sonhos que tratam de superar as desigualdades e as discriminações, e assim anunciar um outro mundo possível. Isso é esperançar, não ficar parado, buscar o futuro ainda mais quando os caminhos parecem intransponíveis. O futuro não é inexorável”.
Também participaram parlamentares, líderes de bancadas; Mario Sergio Cortella, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo; Selma Rocha, ex-assessora da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e
Maria Monica Melo, pedagoga do Instituto Capibaribe em Recife.
Durante o seminário foram feitas apresentações culturais. A íntegra do encontro, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”, Paulo Freire.
Pedro Calvi / CLP