“Pra reivindicar tem que se organizar”: ocupação gaúcha completa 30 anos como exemplo de luta pela moradia
A desapropriação foi feita por Olívio Dutra (PT), então governador (1999-2003). A Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) foi recebida pelos moradores em 2020.
A ocupação virou o bairro Nova Santa Marta, cresceu e se tornou um dos mais populosos da cidade, com 30 mil famílias, recebendo investimentos municipais, estaduais e federais, por meio do extinto Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Eu era vereador na época, foi um processo de muita luta, organização e até enfrentamento com a polícia. Mas buscamos recursos públicos e encaramos o preconceito, já que os moradores da ocupação eram chamados de sem-teto. Se tornou um modelo internacional”, contou Valdeci Oliveira, ex-prefeito de Santa Maria.
“O exemplo do Nova Santa Marta, que completa 30 anos em breve, mostra as angústias e necessidades que, de um modo geral, boa parte da população brasileira convive”, colocou a deputada Maria do Rosário (PT/RS), que solicitou a audiência pública realizada nesta terça (9/11), pela Comissão de Legislação Participativa (CLP), para tratar das conquistas do bairro santa-mariense.
Segundo estudo divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), há um déficit de 7,9 milhões de moradias no país, o que corresponde ao total de 14,9% dos domicílios brasileiros.
Waldenor Pereira (PT/BA), presidente da CLP, afirmou que “a responsabilidade dos governos é enorme para fazer do acesso à moradia um direito para todos. A moradia digna é prioridade para a sociedade brasileira”.
Resistência
Eber Pires Marzulo, professor do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, destacou que participar do debate é um ato de resistência, por causa do momento de desmonte das políticas públicas.
“O povo do Nova Santa Marta é um exemplo dessa resistência, que começou há 30 anos. As possibilidades que surgiram com o Estatuto das Cidades, são fundamentais para reconhecimento das ocupações como parte da estrutura urbana das cidades brasileiras. São fundamentais as conquistas pela urbanização, como forma de acesso e avanço”.
Para Marina Callegaro, advogada e vereadora, “os marcos históricos devem ser sempre reverenciados, porque fazem parte de uma construção política conjunta com a comunidade, da força popular, e assim construirmos políticas públicas efetivas para a moradia”.
Leonel Pacheco, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, ressaltou que “aqueles moradores foram revolucionários, pagavam aluguel ou compravam comida. Então, foram atrás da terra deles. Não tínhamos um por cento de chance de ficar lá. Hoje, de acordo com o Censo de 2010, é um lugar maior que 263 cidades gaúchas”.
Futuro
Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, lembrou que os interesses econômicos sempre mandaram nos governos brasileiros. Para ele, foi na contraposição desse predomínio das elites que os movimentos pela habitação cresceram e exercem papel fundamental.
“Mas precisamos pensar no futuro. Tivemos um bom passado nos últimos 35 anos, avançamos na garantia de direitos e instrumentos para conquista da moradia, mas há 5 ou 6 anos vivemos um retrocesso. E, para falar em futuro, é importante colocar a necessidade do processo participativo para que o país possa se reencontrar. Não acredito em construção de política pública sem processos participativos. Espero que a partir do ano que vem tenhamos uma reconstrução das políticas de habitação e a retomada das conferências das cidades, feitas pela Câmara dos Deputados”, colocou Bonduki.
“Pra reivindicar tem que se organizar”
Emília Gross, da Central dos Movimentos Populares de Santa Maria, acompanha a evolução do Nova Santa Marta desde a organização para ocupação da fazenda.
“Sempre tivemos a participação de todos, uma ocupação organizada. Temos saneamento básico em grande parte, 3 escolas, asfalto e creches. É muito importante o povo se organizar como movimentos sociais, que são transformadores na nossa vida. A ocupação nos deu formação política, o povo participa. Pra reivindicar tem que se organizar”.
Emília lembrou ainda que “naquela época, não tínhamos água e a comida era dada pelos vizinhos. Hoje, somos a menina dos olhos de quem nos condenou”.
A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.
Pedro Calvi / CLP