“As pessoas não dormem, fecham o olho”; sociedade civil e parlamentares debatem avanços nas políticas para população em situação de rua

Em 2009, o Decreto 7.053 instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Porém, instituições e parlamentares consideram que iniciativa, mesmo sendo um avanço, seria apenas um “marco normativo formal”.
20/08/2021 15h10

Para debater esse tema, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu, nesta sexta (20/8), uma audiência pública. A proposta para o encontro é de autoria dos deputados Glauber Braga (PSOL/RJ), Erika Kokay (PT/DF) e João Daniel (PT/SE).

"Decretos são instrumentos frágeis e efêmeros, que podem ser alterados pelo desejo do chefe do Executivo em exercício, precisamos de uma política que atenda os vários recortes dessa população", afirma a parlamentar Erika Kokay.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em pesquisa publicada em março de 2020, o número total de pessoas em situação de rua no Brasil é de aproximadamente 221.869.

Para o deputado Glauber Braga (PSOL/RJ) “é imprescindível desenvolver um modelo atualizado, que fomente a atuação do Estado e da sociedade civil para uma política pública inovadora e eficaz, com foco em habitação, trabalho, renda e emancipação”.

“O decreto foi o primeiro marco que tivemos, um avanço. Mas o ódio e violência continuam. Ontem, em Salvador, uma mulher em situação de rua foi queimada enquanto dormia e morreu. Isso acontece porque essas pessoas são criminalizadas, e elas apenas lutam pelo direito à vida. Enquanto o Estado viola direitos, aprofunda a desigualdade”, diz Cristina Bove, da Pastoral de Rua.

                                      

Invisíveis no Censo do IBGE

Renan Sotto Mayor de Oliveira, defensor público federal, defende a inclusão dessa população no próximo Censo do IBGE e destaca que “a pandemia deixou essa população mais vulnerável, precisamos de orçamento para políticas voltadas para ela. Não é uma questão de assistência, é uma situação complexa e o cerne é moradia. Estar em situação de rua já é uma violação de direito. As pessoas não dormem, fecham o olho. Viver na rua não é opção.”

O último Censo foi em 2010. Para pesquisadores e formuladores de políticas públicas, alguns dados brasileiros estão desatualizados em mais de uma década. A pesquisa estava prevista para 2020, mas foi cancelada pelo governo que alegou falta de recursos. Foi adiada para este ano, mas foi novamente adiada pelo mesmo motivo. 

Carmem do Rocio representante do Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais pede que a profissão seja legalizada através de mudança na legislação brasileira. “Gostaríamos muito de ser legíveis e não ter nossos direitos violados. Queremos direito ao nosso trabalho. Assim como a população em situação de rua, queremos o fim do estigma. Somos mães, avós, filhas. Não queremos mais ser objetos, mas sujeitos de direito. São milhares de mulheres que exercem essa profissão e são presas por “vadiagem”. O IBGE também não nos considera na pesquisa”.  

Jornada e mobilização

Sérgio Morais, defensor público em Sergipe informa que instituições estão articuladas para propor o Estatuto da Pessoa em Situação de Rua, que seria uma lei nacional para promover esse grupo em vários aspectos. “Promoveria um grande resgate humano, o decreto já está defasado em relação à população em situação de rua, não tratada da insegurança alimentar e comorbidades silenciosas.  Também pensamos na criação de um Programa Nacional de Proteção à Pessoa em Situação de Rua, com princípios humanistas. Precisamos também definir quem é essa população, através das várias ocupações e situações de moradia. O reconhecimento se daria por uma autodeclaração. Isso diminuiria a burocracia”.

“É importante que a lei esteja do nosso lado. Vários estados e municípios aprovaram leis, mas os executivos negam recursos e as leis não são regulamentadas. Uma delas é a da renda básica, a renda cidadã. Hoje temos a manutenção da miséria porque não existe uma política de Estado efetiva”, afirma Darcy Costa, do  Movimento Nacional da População em Situação de Rua.

Marco Antônio da Silva Souza, do Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua, enumerou uma série de instituições da sociedade civil de todo país, que estão unidas para defender os direitos da população de rua, por meio da Jornada pelos Direitos da Rua. “Nesse grupo as prioridades são vacina no braço, comida no prato e moradia já, também para adolescentes. Lembramos a importância do Censo para que sejamos contados. O Brasil sabe quantos gatos e cachorros existem, mas não sabe quantas são as pessoas em situação de rua.”

O deputado João Daniel (PT/SE) ressalta que “a saída sempre será pela mobilização da população para rompermos esse sistema de concentração de riqueza, que faz aumentar a desestruturação social, com a falta de trabalho e renda”.

 20 anos da CLP

A parlamentar Luiza Erundina (PSOL/SP), destaca que a audiência pública desta sexta é um marco nos 20 anos da CLP, que serão celebrados na próxima semana.

“Essa parceria entre a sociedade civil e poder legislativo vem num momento muito importante, quando querem destruir a democracia. As instituições que participam mostram a força do poder popular.  A CLP é o único espaço para receber as sugestões e experiências da sociedade civil. Isso é democracia direta, participativa e, dessa forma, buscar saídas e ações concretas”, contextualiza a deputada.

Também participaram representantes do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis.

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Pedro Calvi / CLP