Discurso do Dep. Paulo Delgado na Conferência Nacional de Cultura

15/12/2005 00h00

CÂMARA DOS DEPUTADOS
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E  CULTURA

Deputado Paulo Delgado - PT/MG
Presidente de Comissão
15 de dezembro de 2005


·Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura - Gilberto Gil, em nome de quem cumprimento todos os demais Ministros de Estado: Marina Silva, Luiz Dulci, Jaques Wagner e Patrus Ananias componentes da mesa;
·Excelentíssimas demais autoridades presentes nesta Conferência;
·Ilustríssimos integrantes das Instituições Parceiras nesta I  Conferência Nacional de Cultura — UNESCO, OEI, SISTEMA CNI/SENAI/SESI  E  SISTEMA CNC/SENAC/SESC;
·Ilustríssimos(as) Delegados e Delegadas que vieram de todas os rincões deste nosso imenso Brasil;
·Senhoras e Senhores!

O tema central de nossa fala: A CONVENÇÃO INTERNACIONAL  DA DIVERSIDADE CULTURAL

Quero agradecer o convite a mim formulado, na qualidade de Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados do Brasil, e parabenizar a Comissão organizadora da I Conferência  Nacional de Cultura da qual fazemos parte pela iniciativa de realizar esta Mesa, para discutir um tema de tão grande relevância para a democracia e para o processo de conquista da igualdade social no nosso país e no mundo: A "Convenção Internacional da Diversidade Cultural".  Esta I Conferência não poderia deixar de debater e expor aos seus  delegados e suas delegadas, um tema da atualidade, recorrente às ações e concepções de Diversidade Cultural na Comissão de Educação e Cultura, no Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Cultura.

A Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade e das Expressões Culturais foi aprovada no dia 20 de outubro, por ocasião da 33ª Conferência geral da UNESCO, em Paris. Esta convenção já é considerada o Protocolo de Kyoto da Cultura. No início falava-se em exceção cultural, aprovou-se o que pareceu mais preciso, diversidade cultural.
  
O documento foi aprovado por 148 dos 154 países que votaram, com oposição dos Estados Unidos e Israel e quatro abstenções (Austrália, Nicarágua, Honduras e Libéria). O que move o mundo é a interação das diferenças  (...), Cada cultura que desaparece diminui a possibilidade de vida. Rompe com a idéia do registro total da ordem social e sua ordem jurídica invisível criado pelo sistema de Breton Woods, FMI, OMC, que impuseram a lei de ferro do unilateralismo cultural.

A Convenção entrará em vigor depois de três meses de sua ratificação, a ser assinada por pelos menos 30 países. Os artigos que integram o documento, darão para a Convenção o mesmo nível jurídico que o dos tratados bilaterais e as regras derivadas das organizações do sistema das Nações Unidas e outras organizações multilaterais.

Esta Convenção significa para o Brasil e outros Países um instrumento jurídico internacional que vai garantir a todos os países a autonomia e as condições para a construção de suas próprias regulações e políticas de proteção e promoção da cultura nacional. Através de uma lei de direito positivo internacional, a Convenção vai dar respaldo os Estados, vai dar o direito de cada país proteger e promover suas culturas. Vai dar mecanismos importantes para a associação cada vez mais imprescindível entre cultura e desenvolvimento, para que, de um lado, o desenvolvimento tenha a face humana e, de outro, também se beneficie pelas áreas culturais estimuladas, pela economia da cultura. Reforça a habilidade para identificar o inimigo. Assegura o princípio da cultura/educação como fatores de estabilidade da sociedade respeitada e de o redirecionamento do risco social.
Como parte integrante de um dos poderes que compõem o Governo Brasileiro - o Poder Legislativo -, afirmo que este governo vem demonstrando, por meio do estabelecimento de políticas públicas, que reconhece a realidade  do seu país, composta por um cenário construído sob imensa diversidade cultural e social, na formação de seu povo, e na composição do tecido de nossa organização social e política, definida dentro da concepção de República Federativa, que se mantém ao longo do nosso processo civilizatório, mesmo desde o Império. 

Entretanto, fico seguro em afirmar, também, que o governo vem perseguindo a perspectiva de poder dar um salto de qualidade de ação por meio de suas políticas públicas, ou seja, passar de um simples reconhecimento da diversidade existente na nossa população, para uma resposta política mais efetiva que assegure a igualdade social dentro do pluralismo existente, bem como, garanta o combate a todas as formas de discriminação.

 Neste sentido, no início do ano de 2003 criou a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial, ambas com status de Ministério, ligadas à Presidência da República. Esta segunda Secretaria, já traduziu o esforço em cumprir os encaminhamentos dados pela III Conferência contra a Discriminação, o Racismo, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001. Na Conferência de Durban vários Estados, inclusive o Brasil, assinaram documentos no sentido de assumirem a responsabilidade de garantir a cidadania e os direitos fundamentais a todos, por meio do desenvolvimento de políticas públicas (com programas efetivos de ações afirmativas), em prol do atendimento de todas as necessidades humanas, como medidas reparatórias das injustiças sociais históricas em cada país, destacando-se no Brasil, a escravidão dos negros, o extermínio e a aculturação dos povos indígenas. Lutar contra a escravidão e preconceito modernos identificando o lugar específico do poder desertando e evacuando destes lugares, pela migração, mobilidade e êxodo permanente em direção a novas possibilidades. Renovar sem perder a tradição. Nomadismo e turismo, o irreprimível desejo de deslocar do ser humano.


A Convenção também vai estabelecer, no âmbito do comércio internacional, um tratamento diferenciado para os bens e produtos culturais, que deixam de ser regulados como bens exclusivamente comerciais e passam a ser tratados também a partir de suas especificidades culturais e subjetivas. Os produtos culturais n‹o devem ser tratados como os outros bens, como o milho, a soja ou um carro, mas a partir de suas particularidades simbólicas. Hoje, há uma migração da economia dura, a economia da chaminé dos velhos tempos para a economia do conhecimento. O atual estado da civilização e do desenvolvimento humano chegou a esse momento, a essa Convenção, que reconhece a presença indiscutível da dimensão cultural na economia. Propor como consequência uma OMCE, Organização Mundial da Cultura e Educação, estimuladora e guardiã dos recursos protegidos para a  proteção/difusão cultural. Como queremos com a vinculação constitucional de 2% para a cultura.

Os bens culturais são duais, simbólicos e comerciais, veiculam identidades, valores e subjetividades. Nesse sentido, a convenção agora adotada vai dar condições para que, em todas instâncias internacionais, o bens culturais sejam tratados a partir dessa dualidade, seja na OMC, na Organização Mundial da Propriedade Intelectual, na Unesco, onde quer que seja. Enfim, incontornável, somente a política de direitos humanos, esta sim universal.

Na prática, a Convenção será uma tentativa de reorientar a globalização, um instrumento jurídico internacional para proteger as culturas locais da hegemonização o e padronização cultural advinda da globalização. Essa é uma batalha antiga da Unesco, advinda desde os anos 80, que tomou corpo há dois anos a partir dos intensos debates e negociações internacionais para a elaboração da convenção. Não por acaso, o processo foi intenso. Por trás da Convenção, há um mercado gigantesco que é o da economia da cultura. Segundo estimativas da ONU, as indústrias culturais hoje movimentam quase U$1,3 trilhão no mundo. Assim podemos contrapor a idéia força da glocalização que combate a desterritorialização e integra o país ao mundo sem desintegrar a sociedade.

Também não por acaso, os EUA lideraram um movimento contrário ˆ aprovação da convenção, ficaram 20 anos fora da Unesco e se reintegraram afirmando ter voltado principalmente para participar dessa negociação. No início de outubro, a secretária de estado americana, Condoleezza  Rice, enviou carta a todos ministros de Relações Exteriores para reabrir as discussões sobre o documento, que já haviam sido encerradas. Na última semana, esteve em Paris para incluir 28 emendas ao texto da Convenção. Foram três dias de conversas com representantes dos países presentes na assembléia da Unesco, tentando alterar o documento, mas sem sucesso.

Os EUA defendem o livre comércio dos bens culturais, ou seja, a circulação dos produtos culturais no mundo sem barreiras protecionistas. O que contribui, por exemplo, para que 85% dos filmes exibidos no planeta sejam norte-americanos, para que, nas férias de julho do ano passado, 2/3 das salas de cinema do Brasil estivessem ocupadas com a exibição de dois sucessos holywoodianos e que diversos filmes brasileiros n‹o tenham conseguido sequer estrear.  O que também contribui para o devasso processo de patentização de produtos e saberes culturais locais, que, no caso do Brasil, apresenta uma estatística alarmante: apenas 0,48% das patentes das 1.119 plantas do país foram registradas por brasileiros. Assim de vários outros problemas e dificuldades enfrentados pelos diversos países do mundo na proteção de suas culturas locais.

Sem dúvida, essa convenção abre caminho para a esperança de uma mundialização mais respeitosa em relação a identidade dos povos; é um progresso importante num mundo que necessita proteger a diversidade cultural e organizar o diálogo de culturas com respeito a todos e em conformidade com os ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Será uma  Convenção que representa concretude, uma Convenção de princípios e resultados práticos e concretos.

Reitero as considerações do nosso Ministro da Cultura Gilberto Gil quando afirmou na 33 Assembléia que esse é um processo que se implementará democraticamente. "Esse isolamento dos Estados Unidos e essa tentativa de negar a palavra, o impulso e, digamos, a ação dos outros países com relação ao meio ambiente, aos diretos internacionais, a esta convenção e as  várias outras como  o Protocolo de  Kyoto gradualmente vai se dissipar a todo o mundo".. Como disse o Ministro da Cultura da Jamaica: "Les éléphantes et les áigles ont pu dialoguer avec les souris" (Os elefantes e as águias tiveram que dialogar com os camundongos).
Tenho a impressão que a realidade vai obrigá-los a vir pouco a pouco. Por exemplo, no caso do Protocolo de Kyoto, hoje já há vários estados americanos que querem aderir de forma autônoma ao documento. Esta vitória esmagadora, a Convenção terá uma implementação que vai muito além do setor do audiovisual, será um instrumento de proteção e promoção das expressões culturais e simbólicas.
Uma política cultural para nosso país pode se referir aos princípios gerais que norteiam as boas políticas públicas: descentralizada para atingir todo o território, universal para incorporar todas as pessoas, justa por buscar a felicidade humana, democrática pela própria vocação do nosso povo e com controle social pois assim deve ser para ter credibilidade.


    Deputado Paulo Delgado — PT/MG
      Presidente da Comissão de Educação e Cultura

OBS.: Texto base da fala de abertura da conferência e do debate na mesa redonda com  Sérgio Mambertti (Minc), Marcelo Dantas (Itamaraty) e Vitor
Ortiz (Funarte).