Reforma da Lei de Direitos Autorais é foco de debate na Comissão

Para promover uma reforma que modernize e contemple da melhor maneira possível os setores interessados, a Comissão tem ouvido as demandas e propostas das diferentes categorias
11/10/2013 16h45

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Reforma da Lei de Direitos Autorais é foco de debate na Comissão

Ícaro Martins, Leonel Kaz, Jandira Feghali, Moisés Bauer Luiz, Magdalena Rodrigues e Flávia Matos debatem reforma da Lei de Direitos Autorais

A modernização da Lei de Direitos Autorais voltou à pauta da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (8). Foram duas audiências públicas em um único dia, completando as três etapas dos debates sobre a reforma da legislação em vigor. 

Para promover uma reforma que modernize e contemple da melhor maneira possível os setores interessados, a Comissão tem ouvido as demandas e propostas das diferentes categorias. Na manhã desta terça-feira, foram abordadas as dificuldades que a lei autoral impõe para os portadores de deficiências, o enquadramento das áreas privadas de hotéis como locais de frequência coletiva, a demanda por maior proteção dos integrantes da cadeia produtiva do audiovisual e os problemas enfrentados pelo setor cultural com herdeiros ou titulares derivados de direitos autorais, além dos desafios da internet – debatidos na mesa da tarde.

Moisés Bauer Luiz, presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil, trouxe a perspectiva dos portadores de deficiência para o debate. Para ele, é importante que a legislação, que já prevê a isenção de pagamento de direitos autorais na conversão de obras para formatos compatíveis para os cegos, estenda a medida para outros tipos de deficiência que impedem o manuseio dos livros convencionais, como no caso dos tetraplégicos ou pessoas com amputação de membros superiores. 

Este debate vem sendo travado desde 2008 no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e culminou na assinatura por 51 países, em junho deste ano, do Tratado de Marrakesh. Um dos objetivos do tratado é reparar a escassez de publicação de obras adaptadas. No mundo, menos de 1% das publicações estão convertidas em formatos acessíveis. No Brasil, o quadro não é diferente. Moisés informou que apenas 10 mil títulos estão disponíveis em formatos acessíveis, número baixo considerando a população de portadores de deficiência no País, que chega a 45 milhões, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

“Isso é um debate sobre o direito ao acesso à informação. Temos milhares de pessoas que carecem de informação e é preciso que tenham esse acesso para se tornarem cidadãos com plenos direitos”, disse.

Direitos conexos e abusos de herdeiros

A demanda dos artistas também teve espaço no debate. Magdalena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do estado de Minas Gerais, falou da importância do desmembramento do direito conexo na nova lei, consagrando um novo direito à exibição pública. Trata-se do direito dos artistas que emprestam sua imagem para dar vida aos personagens em uma obra audiovisual. “É uma oportunidade de os artistas receberem por seu trabalho”, disse.

A Lei 9.610/1998 trata do assunto, mas segundo Magdalena o texto não é claro sobre a forma como se dará o pagamento. “O artista tem o direito de receber toda vez que um filme for rodado, uma novela exibida. E esse direito existe na legislação, mas não há uma clareza sobre a forma como ele seria pago. O que nós reivindicamos é que essa reforma da lei poderia trazer isso de forma mais clara. A gente precisa esclarecer como se recebe e quanto se recebe”, destacou.

Ícaro Martins, representante da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), também ressaltou a importância do direito à remuneração por exibição pública, sobretudo por conta da escassez de vínculos empregatícios perenes no setor, sendo do direito à remuneração que podem vir subsídios assistenciais, de aposentadoria. “É fundamental que haja um direito de exibição no audiovisual, de gestão coletiva como é na música. Estamos pedindo uma equiparação de direitos”, disse. Para ele, outro ponto essencial é reconhecer que a obra audiovisual é uma coautoria e não obra coletiva como se propaga atualmente.

Leonel Kaz, um dos mais importantes curadores e especialistas em arte do Brasil e ex-secretário de Cultura e Esporte do estado do Rio de Janeiro, abordou o abuso por parte dos herdeiros ou intermediários que são detentores dos direitos autorais e que vêm “soterrando as possibilidades de reprodução”. “Precisamos proteger a memória nacional. Do jeito que está hoje é impossível. Não se pode publicar uma foto dos anos 1920, porque pode aparecer um parente arbitrando como deve ser”, argumentou. 

Ele citou casos de famosos escritores e poetas que sintetizam o imaginário da cultura brasileira no século 20. Toda vez que se tenta usar seus acervos de imagens, surge um novo problema com as famílias. “É preciso rever esses abusos. Não estamos falando de publicidade, propaganda, marketing. Estamos falando de contar e recontar a história do País pelas imagens. Isso está sendo inviabilizado pelo abuso de muitos herdeiros.” 

De acordo com Kaz, o direito dos herdeiros é legítimo quando uma tentativa de uso “ultrapassa a fronteira da história e entra numa utilização da imagem do retratado em benefício de alguém que visa o lucro”, mas o mesmo não ocorre quando o que está em jogo é a preservação da memória do País. Parte desse tema envolve artigos do Código Civil, pois a Lei dos Direitos Autorais não trata diretamente do direito à imagem. Mas muitos entraves vêm da lei autoral, promovidos, por exemplo, pela conduta de herdeiros de pintores e fotógrafos. Kaz contou o caso do catálogo de uma exposição que teve que deixar de fora um dos 150 quadros expostos, de autoria de um famoso pintor já falecido, porque o responsável pela administração daquele acervo queria uma soma em dinheiro que equivalia a quase todo o orçamento disponível para aquela ação, além de passagens e estadia para a família.  

Hotelaria

Prova do complexo mosaico que compõe a reforma da Lei de Direito Autoral, o setor hoteleiro também compareceu ao debate. Flávia Matos, diretora executiva do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil, entende que a nova lei deveria possibilitar a revisão da forma como os hotéis são enquadrados na legislação. Hoje, os hotéis pagam pela execução pública tanto pelo uso nas áreas coletivas como nos apartamentos. Para Flávia, se as casas das pessoas são isentas do pagamento, o mesmo deveria acontecer nos quartos de hotel. Flávia afirma que os hotéis não são contrários ao recolhimento de direitos autorais por suas áreas de uso comum, mas defende que o hotel não tem controle para saber se o televisor do quarto está ligado ou não, ou o que está sendo exibido, e que o uso nas unidades tem diminuído sensivelmente, já que o uso de rádio é cada vez menos frequente. “Por conta disso, a discussão entre Ecad e hotéis está muito judicializada e há diferenças de interpretação a este respeito, especialmente entre primeira e segunda instância”, reforçou.

Desafios

Para a presidente da Comissão de Cultura, deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), o desafio para a construção de uma proposta moderna é grande. A parlamentar afirmou ainda que direito autoral é um tema estratégico para a construção de uma política cultural e para tanto, além das demandas de cada setor em relação aos direitos autorais, “a lei deve também garantir o acesso da sociedade às obras”.

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