Rádio Câmara

Reportagem Especial

Saúde materna: redução da mortalidade ainda está longe da meta

15/12/2014 - 00h01

  • Saúde materna: redução da mortalidade ainda está longe da meta (bloco 1)

  • Saúde materna: Rede Cegonha incentiva parto normal sem sofrimento (bloco 2)

  • Saúde materna: os novos projetos e as leis que ainda não saíram do papel (bloco 3)

É para ser um momento de alegria e de prazer. Mas nem sempre é assim. O parto – o instante do encontro entre a mãe e seu bebê – muitas vezes vem acompanhado de dor profunda e deixa sequelas para o resto da vida de uma mulher, quando não a mata.

De seus dois partos, a técnica de enfermagem Pollyane Rosa, de 32 anos, não traz boas lembranças. No primeiro, há dez anos, foi mandada de Brasília para Goiânia para ter o bebê – um menino. Na capital federal, todo o pré-natal, de alto risco, havia sido feito em hospital universitário.

No segundo parto, em abril de 2013, Pollyane Rosa foi deixada por três dias, sozinha, na sala de recuperação de anestesia por causa de superlotação na maternidade de um hospital público de Brasília. Pollyane conta que a filha recém-nascida foi encaminhada para a UTI por não conseguir respirar:


“Tive a minha filha e fiquei mais fragilizada ainda, porque sabia que ela saiu de mim e foi passando mal para a UTI. Eles me deixaram num local onde eu não precisava ficar, porque eu já estava bem. É um local frio, totalmente fechado, ar condicionado forte, onde as pessoas ficam só por algumas horas para se recuperar da anestesia. Eu fiquei durante três dias e eles não deixavam ninguém falar comigo. Eles não deixaram eu receber visita. Eles não tinham roupa para me fornecer. Eu fiquei com a mesma coberta, mesmo lençol, mesma camisola. Não podia entrar escova de dente, não podia entrar calcinha, não podia entrar nada.”

Pollyane considera ter sido vítima de violência e da má gestão do sistema de saúde. Procedimentos violentos durante o parto – como o corte na vulva, a aplicação de força no fundo do útero para expelir o bebê no parto normal e cesarianas desnecessárias, além da separação entre mãe e filho logo após o nascimento – são alguns dos casos relatados por quem passou pela experiência. Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto no Brasil.

E há também as mortes. Quando o assunto é parto de qualidade, com garantias para a mulher e a criança, o Brasil ainda não é um exemplo. O País ainda não alcançou a meta de desenvolvimento do milênio das Nações Unidas que preconiza 35 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos até 2015. Dados do Ministério da Saúde indicam que, entre 1990 e 2011, a razão da mortalidade materna no Brasil passou de 143 para 64 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos – uma queda de 54%.

Na avaliação de Raquel Marques, presidente da Artemis, organização comprometida com a autonomia feminina, o problema das mortes maternas começa nas faculdades de Medicina:


“Os profissionais são treinados a lidar com doenças, com intercorrências, não com a saúde. É uma característica do curso, do profissional. O parto é uma situação a priori de saúde. É uma condição fisiológica, que não necessitaria, em princípio, de intervenções.”

Raquel Marques acredita que as associações médicas têm a responsabilidade de atualizar a forma como transmitem conhecimentos. Por outro lado, para ela, também o
Ministério da Saúde tem de ser mais firme na fiscalização dos municípios.

Tanto médicos como o governo reconhecem as dificuldades do Brasil. O obstetra Lucas Barbosa Silva, integrante da Comissão de Mortalidade Materna da Federação Brasileira de Obstetrícia, concorda com Raquel Marques e diz que as universidades são conservadoras:


“Há uma necessidade de mudança nesse modelo de ensino e nesse treinamento. A gente pega aí ‘Nascer no Brasil’, que foi a pesquisa feita pela Fiocruz, que foi publicada esse ano, ela mostra claramente esse intervencionismo exagerado.”

Também para Maria Esther Vilela, do Ministério da Saúde, o modelo de atenção ao nascimento no Brasil é inadequado, baseado em um parto que ela chama de “anormal”, em razão das intervenções desnecessárias, ou em um excesso de cesarianas – método preferido pelos médicos pela praticidade e por muitas mulheres, na crença de que não vão sentir dor.


“Nós temos 56% de cesariana no Brasil. Ou seja, a maioria das mulheres dá à luz através de cesariana. Isso é uma epidemia, isso é um problema de saúde pública. Porque, a longo prazo, tanto a curto quanto a longo prazo, a cesariana pode causar problemas na saúde dessa mulher: infertilidade, problemas para futura gravidez, complicações na futura gravidez, problemas de endometriose, problemas de aderência... Vários problemas a longo prazo que a cesariana pode causar numa mulher. A curto prazo nem se fala, é uma grande cirurgia com uma anestesia que é pesada.”

Para Maria Esther, no parto, menos é mais.


“Voltamos a uma máxima da humanidade: parto é uma função feminina, um evento da fisiologia feminina. A mulher, se bem apoiada, bem acompanhada e se, principalmente, não for submetida a constrangimentos, ela tem a capacidade de parir.”

Na tentativa de reverter o quadro, é que o Ministério da Saúde criou, em 2011, a Rede Cegonha. O programa busca incentivar o parto normal humanizado e intensificar a assistência integral à saúde de mulheres e crianças.

Conheça, no segundo capítulo da reportagem, a Rede Cegonha, programa presente em mais de cinco mil municípios, que incentiva o parto normal sem sofrimento.

Reportagem – Noéli Nobre
Edição – Mauro Ceccherini
Trabalhos técnicos - Carlos Augusto Paiva

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De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h