28/05/2018 20:42 - Educação
Radioagência
Câmara aprova projeto que institui dia nacional de tradições africanas e nações do candomblé
"O Candomblé é um sistema, não é necessariamente uma estrutura religiosa. Ele é um sistema de vida que abrange todo o nosso jeito de viver. Nossa relação com a natureza, como parte dela, não é só como se a gente fosse espectador ou usufruidor da natureza, a gente é parte dela e, portanto, a gente tem responsabilidade. Com a nossa relação social, porque a gente concebe que o sagrado se individualiza em todos os seres, então todas as pessoas da sociedade, independente de qualquer diferença que a sociedade possa criar, nós reconhecemos a pessoa como sagrada."
Quem falou um pouco do que representa o Candomblé para seus praticantes no Brasil foi Tata Ngunzetala, pai de santo do terreiro de Candomblé de Angola tumba Nzo Mona Nzambi, que fica em Águas Lindas de Goiás, cidade do entorno de Brasília.
Como explica o pesquisador Rodrigo Maciel Ramos, mestre em Psicologia especializado em religiões afro-brasileiras, a informação mais atual é de que o Candomblé se formou no Brasil por volta de 1850'', a partir de africanos escravizados. A religião africana foi modificada pela influência das etnias trazidas à força para o País. Segundo o pesquisador, o culto aos orixás, ou nkisis, dependendo da nação, servia para aliviar o sofrimento daqueles que foram roubados de sua humanidade.
"Na demanda da escravidão, foi uma forma dos negros, africanos, trazidos aqui para o Brasil de forma forçada, readquirirem uma identidade africana e se sentirem humanos novamente, porque eram tratados como animais de carga. Era uma forma de relembrar a eles quem eles eram."
Apesar da história de quase duzentos anos, o Candomblé ainda é alvo de intolerância religiosa no País, assim como outras religiões de origem africana. O terreiro de Tata Ngunzetala, por exemplo, foi apedrejado há cerca de três meses.
Entre janeiro de 2015 e junho de 2017, de acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, o Brasil registrou uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas. Só no primeiro semestre de 2017 foram 169 denúncias. A maioria das ocorrências, cerca de 40 por cento, teve como vítimas praticantes de candomblé, umbanda e outras religiões de matriz africana.
Um projeto (PL 3551/15) aprovado recentemente na Câmara institui o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado anualmente no dia 30 de setembro. A proposta é do deputado Vicentinho, do PT de São Paulo, que quer garantir legislação similar à que, em 2012, criou o dia da Umbanda, 15 de novembro (Lei 12.644/12).
Durante a votação na Comissão de Constituição e Justiça, três deputados votaram contra a proposta.
Um deles foi o deputado Marcos Rogério, do DEM de Rondônia. Ele afirma que é contra a criação de dias relacionados a qualquer religião.
"A Constituição assegura a proteção aos locais de cultos, às práticas litúrgicas, ou seja, ela protege a pessoa com direito de ter religião ou de não ter, e protege o local de culto. Isso é obrigação do Estado. Agora sair criando dia religioso dessa religião ou daquela religião, pra mim, isso desborda o comando constitucional."
Mas o deputado Vicentinho defende que a criação do dia pode ajudar a difundir o direito constitucional à religião.
"É dar a oportunidade à sociedade para compreender que essas religiões, que também terão seus dias, elas têm direito à manifestação. Veja, eu sou católico. Da minha religião, nós temos: sexta-feira da paixão, Corpus Christi, Natal e tantos outros dias pra quem é cristão. O objetivo é mostrar: olha, o Brasil é um país laico, e respeita e protege a manifestação religiosa."
Tanto o pai de santo Tata Ngunzetala quanto o pesquisador Rodrigo Maciel Ramos alertam: a criação de um dia para celebrar o Candomblé é muito bem-vinda, mas é preciso que o Poder Público atue mais para coibir a intolerância religiosa.
A proposta que cria o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, no dia 30 de setembro, ainda precisa ser analisada pelo Senado.