Educação, cultura e esportes

Dez anos depois, dados permitem avaliar a eficácia do Estatuto do Torcedor

15/05/2013 - 20:13  

Arquivo/ Alexandra Martins
Romário
Romário quer Lei da Ficha Limpa também para os dirigentes esportivos.

Depois de uma década em vigor, o Estatuto do Torcedor já reúne dados suficientes para uma avaliação mais efetiva de sua eficácia. Para facilitar essa análise, é bom lembrar que a lei, sancionada em 2003, queria reverter o quadro de flagrante desrespeito aos direitos do público que frequentava os estádios e os ginásios esportivos do Brasil.

A idolatria por um time de futebol, o apoio a determinado esporte amador ou a simples contemplação do espetáculo em uma arena esportiva sujeitava o torcedor à violência gratuita, a preços abusivos, ao desconforto e a outros problemas que eram compensados apenas pela paixão que muitos brasileiros cultivam pelo esporte.

Como o estatuto é do torcedor, a avaliação começa exatamente por eles. Reunindo quase dois mil brasilienses fãs do Atlético Mineiro, a Candangalo faz uma avaliação positiva do Estatuto do Torcedor. O presidente da torcida atleticana, Emerson Teixeira, elogia, por exemplo, o tratamento do torcedor como cliente e consumidor. "Como pontos positivos, a segurança nos estádios melhorou bastante; a divulgação dos eventos e dos jogos nos estádios; o planejamento dos campeonatos, com datas marcada com antecedência. Nesse ponto, avançou bastante."

Jogos muito tarde
Mas, como tudo sempre pode melhorar, Teixeira reclama dos jogos que começam às 10 horas da noite no meio da semana. Para o torcedor que trabalha cedo no dia seguinte, esse é um verdadeiro martírio.

O presidente da Candangalo também tem críticas quanto aos acessos ao recém-inaugurado Mineirão, em Belo Horizonte, que será palco de jogos da Copa das Confederações, neste ano, e da Copa do Mundo de 2014.

"Os horários dos jogos são muito ruins para a pessoa que tem família e pega ônibus, e a maioria pega ônibus”, disse Emerson Teixeira. “Quanto ao acesso aos estádios, que também faz parte do Estatuto, os organizadores dos eventos têm que melhorar esses acessos. A gente tem visto que não melhorou nada. A gente levou quase duas horas para chegar ao Mineirão. A gente vê que não tem metrô perto dos estádios, os ônibus são precários e poucos. Os estacionamentos são abertos duas horas antes do jogo e deveria ter sido aberto 10 horas antes."

Ainda há violência
Autor de um livro sobre o Estatuto do Torcedor, o especialista em direito esportivo Gustavo Lopes ainda manifesta preocupação diante dos casos de violência.

"A questão da violência nos estádios de futebol passa pela necessidade de humanizar o torcedor e dividir responsabilidades. Então, a responsabilidade é do poder público; dos clubes que organizam as partidas; das federações que organizam as competições; da imprensa, que veicula e divulga as informações; das autoridades de segurança, que são responsáveis pelo trato da violência no dia a dia; e dos próprios torcedores, que, além de ter o direito de ser bem tratados, têm o dever de se conscientizar que um estádio de futebol não é um campo de batalha", destacou Gustavo Lopes.

Defesa dos direitos
A partir do estatuto, o Ministério do Esporte criou o Departamento de Defesa dos Direitos do Torcedor. O órgão, que tem a missão de regulamentar a lei no Executivo, é dirigido por Paulo Castilho, promotor de Justiça com atuação destacada no combate à violência no esporte.

Quanto à segurança do torcedor nos estádios, por exemplo, Castilho cita alguns avanços, mas admite que ainda há muito a fazer. "Evidentemente, não podemos falar que está do jeito ideal, mas estamos avançando a passos largos. Um exemplo foi a portaria interministerial que regulamentou o artigo 23 do Estatuto do Torcedor, que fala dos laudos de segurança: laudos da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária e engenharia.”

Para Castilho, “esse foi um avanço muito grande que propiciou aos promotores de justiça do consumidor cobrarem, com mais eficiência, das entidades organizadoras - federações e clubes - uma melhoria nos estádios. Muitos estádios já foram reformados e outros foram vetados para partidas oficiais".

Torcidas organizadas
Castilho aponta outros avanços quanto à repressão à violência de algumas torcidas organizadas. "Nós temos muitos casos de torcidas que foram impedidas de entrar nos estádios com suas indumentárias, bandeiras, faixas ou instrumento musical. Eu sou oriundo do Ministério Público de São Paulo e trabalho no Juizado do Torcedor nos estádios. Lá, já teve ano de afastamento de mais de 65 torcedores dos estádios de futebol, de acordo com a gravidade da conduta, com penalização de três meses até dois anos.”

Ele lembra ainda que houve, recentemente, “a decisão de um juiz de Goiás que baniu do estado as torcidas organizadas por cinco anos, proibindo-as, inclusive, de frequentar praças esportivas. Tudo isso foi possível porque há uma legislação eficiente hoje. Só precisa que os mecanismos de Estado se aperfeiçoem para atuar".

E para que esses mecanismos realmente funcionem, Castilho informa que o Ministério do Esporte tem atuado em conjunto com o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil, as Defensorias Públicas e os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público para que os juizados sejam instalados com competência ampliada, a fim de acabar com a sensação de impunidade que ainda impera em algumas poucas torcidas organizadas do futebol. E, segundo Castilho, esse mesmo rigor também deve alcançar os maus dirigentes e árbitros.

Ficha limpa
Por falar nisso, o presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, deputado Romário (PSB-RJ), não se conforma, por exemplo, com o fato de dirigentes se perpetuarem à frente de clubes, federações e confederações esportivas. A ficha limpa, já em vigor, para os políticos, também deveria imperar no comando do esporte, segundo Romário.

"Alguns clubes têm um ciclo de três a cinco presidentes que ficam se revezando no poder. Eu tenho bastante consciência que, para melhorar definitivamente o futebol brasileiro, essa mudança tem que vir da entidade maior, que é a CBF”, ressaltou Romário.

“Um ladrão não pode ser presidente da CBF, mas é o que acontece hoje no nosso futebol: uma pessoa que não tem capacidade de administração e que, infelizmente, é metida direta e indiretamente com o período obscuro do nosso País, que é o da ditadura", acrescentou o deputado.

A efetividade do Estatuto do Torcedor é acompanhada de perto pela Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, inclusive com frequentes audiências públicas sobre o tema.

Reportagem – José Carlos Araújo
Edição – Newton Araújo

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