Direitos Humanos

Jurista: Brasil precisa cumprir decisão da OEA sobre a Guerrilha do Araguaia

30/06/2011 - 17:06  

Gustavo Lima
Professor Fábio Konder Comparato, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Comparato: o Brasil romperá com a ordem internacional se desrespeitar a OEA.

O professor Fábio Konder Comparato, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, disse que é preciso ficar claro que a busca dos corpos da Guerrilha do Araguaia é responsabilidade oficial do Estado.

Ao participar nesta quinta-feira de audiência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Comparato disse que o Brasil romperá com a ordem internacional se desrespeitar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a guerrilha, que considerou dever do governo brasileiro investigar, julgar e punir torturadores.

A Corte classificou o fato como crime contra a humanidade e, em dezembro de 2010, culpou o Brasil pelo desaparecimento de 62 integrantes da guerrilha. A guerrilha foi organizada pelo PCdoB no início dos anos 70 na região do Bico do Papagaio (divisa dos estados de Tocantins, Pará e Maranhão). O Estado foi condenado a devolver os restos mortais às famílias dos desaparecidos.

Segundo Comparato, o Brasil se recusa a cumprir a decisão internacional, pois a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou pelo não cumprimento da sentença. Como a AGU está submetida à Presidência da República, isso significa que o governo decidiu enfrentar a Corte, o que torna o Brasil, segundo ele, um País fora da lei.

Na opinião do professor, o debate não deve levar em conta o conflito entre a decisão da corte e o julgamento anterior do Supremo Tribunal Federal (STF). A sentença da OEA é contrária a uma decisão do STF de maio de 2010, que considerou anistiados todos os crimes políticos e conexos cometidos durante o governo militar, por agentes do Estado ou por militantes políticos contrários à ditadura.

Protestos dos familiares
No debate proposto pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, Criméia de Almeida, afirmou que não há transparência nas decisões do governo. Como exemplo, ela contou que a decisão da Corte Interamericana não foi comunicada à comissão. "É estranho porque essa publicação faz parte do entendimento da Corte de que a divulgação pelo Estado é uma reparação. E nós não ficamos sabendo. Depois que a gente ficou sabendo, não achamos mais o jornal."

Criméia, que sobreviveu à guerrilha e tem três parentes desaparecidos, disse que os familiares querem ter liberdade de movimento na região onde ocorrem as buscas, inclusive com o recebimento de mapas e informações geográficas.

Segundo Criméia, o Ministério da Defesa já reconheceu que a presença dos familiares é legítima nas buscas, mas não efetivou essa participação. Ela lembrou que os restos mortais de Maria Lúcia Petit e Bérgson Gurjão Farias (guerrilheiros cujas ossadas foram identificadas) foram descobertos com alguma ajuda do Estado, mas fundamentalmente pelo esforço dos familiares.

Ao falar sobre a proposta de criação da Comissão da Verdade (PL 7376/10), Criméia disse que essa medida não vai substituir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Tipificação do delito
A diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil Brasil), Beatriz Affonso, ressaltou na audiência que a sentença da OEA determina a tipificação do delito do desaparecimento de pessoas. “Deve ser punido quem fez desaparecer e quem hoje oculta informações”, disse. A Cejil Brasil representa familiares de 53 vítimas.
Após a decisão da corte, o governo federal ampliou o grupo de buscas por restos mortais de integrantes da guerrilha. Esse grupo era formado apenas por militares e passou a incluir representantes da Comissão de Desaparecidos Políticos e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Beatriz Affonso lembrou, no entanto, que a sentença também determina a participação de familiares nas buscas. Ela defendeu, ainda, a participação do Ministério Público nas buscas.

Ações do governo
Para Fábio Comparato, as ações atuais do governo, que incluem a ampliação do grupo de buscas, são protelatórias. "Isso é uma decisão protelatória. A Comissão da Verdade é um engodo. Tudo está sendo construído à brasileira, ou seja, com aparência de honestidade e bons propósitos, mas na verdade contrariando os princípios fundamentais da Justiça e rejeitando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos."

A secretária da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, Camila Serrano Giunchetti, discorda. Ela afirma que algumas medidas são complexas, demandam a ação de vários órgãos do governo, mas que as articulações vêm sendo feitas, principalmente pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Segundo a representante da Secretaria de Direitos Humanos, Nadine Borges, uma nova expedição será feita em julho com a presença de familiares. A tecnologia para as buscas melhorou. "Hoje nós contamos com o que há de melhor no Brasil. Os melhores peritos do Distrito Federal, os melhores peritos do Instituto Médico Legal (IML) do DF, que participaram do acidente da Gol, do acidente da Air France. São esses técnicos que estão conosco. Quando eles conseguirem extrair o material genético, eles terão o material de confronto. Eles terão de comparar com o DNA dos familiares. A gente tem um banco quase completo, que não pode descartar. Por mais que se tenha 90%, eventualmente aquela ossada pode pertencer aos 10% que não temos."

Leia a íntegra da sentença

Reportagem - Luiz Cláudio Canuto
Edição – Regina Céli Assumpção

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