IMO: 70 anos ao serviço do transporte marítimo
A Organização Marítima Internacional (IMO) comemora este ano 70 anos da adoção da sua Convenção no decurso de uma conferência realizada em Genebra, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas.
Adotada em 6 de março de 1948, a convenção internacional que instituiu a IMO somente entrou em vigor em 1958, tendo a nova organização se reunido pela primeira vez no ano seguinte. Hoje, congregando 173 estados membros, 65 outras organizações intergovernamentais com as quais mantém acordos de cooperação em assuntos de interesse comum e 77 organizações não-governamentais com status consultivo, a IMO é, inegavelmente, a maior fonte de regulamentação do transporte marítimo internacional, abrangendo, dentre outros aspectos: projeto, construção, aparelhamento, tripulação, operação e reciclagem de navios; requisitos mínimos para capacitação de tripulantes; considerações sobre o embarque de cargas e de produtos perigosos, a fim de garantir que esse setor vital, responsável por mais de 80% do comércio global em volume e mais de 70% em valor, se mantenha seguro, protegido, ambientalmente adequado e eficiente do ponto de vista energético.
3. O Brasil é membro da IMO desde 1963 e, desde 1967, integra o Conselho,
para o qual tem sido sucessivamente reeleito na categoria “B”, que reúne dez dos estados
membros com maior interesse no comércio marítimo internacional.
A IMO, enquanto agência especializada das Nações Unidas, tem como principais objetivos “criar um sistema de cooperação entre Governos nos domínios da regulamentação e das práticas governamentais relativas a todo o tipo de questões técnicas que digam respeito à navegação comercial internacional, e incentivar e facilitar a adoção geral dos mais elevados padrões normativos nas matérias referentes à segurança marítima, a eficiência da navegação e a prevenção e controle da poluição marítima causada pelos navios”. A Organização está também apta para tratar das questões administrativas e jurídicas relacionadas com estes objetivos.
A necessidade de dispor de um organismo internacional incumbido de regular o transporte marítimo decorre do fato de, provavelmente, ser este setor, entre todos os outros, o mais internacional à escala mundial. A cadeia que envolve a propriedade e gestão de um qualquer navio pode abarcar um grande número de diferentes países. Não é raro constatar que proprietários, armadores, carregadores, afretadores, seguradoras e sociedades classificadoras, já para não falar nos oficiais e tripulações, são todos de nacionalidades diferentes e que nenhuma destas corresponde à bandeira arvorada pelo navio. E o principal ativo físico do setor do transporte marítimo – os próprios navios - deslocam-se permanentemente entre países distintos e diferentes jurisdições.
O transporte marítimo não deixa de ser uma atividade potencialmente perigosa, face às condições adversas e as intempéries que os navios por vezes têm que enfrentar. E acontece que se produzem catástrofes, como testemunham os acontecimentos de que foram vítimas navios como, por exemplo, o Titanic, Torrey Canyon, Exxon Valdez, Estonia, Erika, Prestige e, recentemente, o Princess of the Stars. É, pois, absolutamente lógico que se estabeleça um quadro de normas internacionais para regular o transporte marítimo – normas que são adotadas, reconhecidas e aceitas por todos.
Desde a sua criação há sete décadas, a IMO percorreu um longo caminho. A Organização nasceu num mundo devastado pela guerra e no qual as antigas potências coloniais ainda tinham influência, fosse em termos de prosperidade ou fosse no plano das trocas a nível mundial. Por consequência, elas eram também grandes potências marítimas e, enquanto tal, estabeleciam, regra geral, as suas próprias normas em matéria de construção de navios, de segurança, de efetivos, etc. No entanto, em 1948, apenas três anos após a criação da Organização das Nações Unidas, soprava já um novo espírito de unidade mundial e perfilavam-se no horizonte as premissas de uma nova ordem mundial.
Por outro lado, e de uma forma geral, começava-se, então, gradualmente a aceitar que uma situação na qual cada nação marítima possuía a sua própria legislação marítima não era desejável uma vez que ia contra o objectivo pretendido, de assegurar a fluidez do tráfego e promover a segurança das atividades marítimas à escala mundial. Não só as normas eram diferentes, mas também algumas delas evidenciavam padrões mais exigentes que outras. No plano econômico, os armadores com preocupações de segurança estavam em desvantagem, comparativamente aos seus concorrentes que despendiam relativamente pouco dinheiro em segurança, o que ameaçava comprometer qualquer tentativa séria que visasse melhorar a segurança no mar e o comércio marítimo internacional no seu todo.
Agora, evidentemente, tudo mudou. A globalização transformou o comércio internacional, novas potências emergiram no transporte marítimo e as inúmeras medidas elaboradas pela IMO, durante estes setenta anos passados ao serviço do transporte marítimo, permitiram lançar as bases necessárias para melhorar a segurança e a proteção do meio marinho num setor que continua a desenvolver-se e a prosperar. Além disso, as atividades levadas a cabo pela Organização mostraram, indubitavelmente, que as normas internacionais – elaboradas, adotadas de comum acordo, implementadas e aplicadas em todos os países – são o único meio eficaz de regular um setor tão diversificado e verdadeiramente internacional como é o do transporte marítimo.
As normas da Organização encontram-se, hoje em dia, firmemente ancoradas na consciência e nas práticas do mundo marítimo à escala mundial e moldam o sector marítimo de hoje. Com efeito, o conjunto das convenções da IMO, suportadas literalmente por centenas de códigos, diretivas e recomendações, regem a quase totalidade dos aspectos desde setor – desde o projeto, a construção, ao equipamento, a exploração do navio até a formação dos marítimos, o mesmo é dizer, do estirador até ao estaleiro para desmantelamento.
Os principais instrumentos da IMO foram ratificados por Estados que, conjuntamente, são responsáveis por mais de 95% da frota mundial. É graças a vasta rede de regras mundiais elaboradas pela IMO, e adotadas ao longo dos anos, que hoje é possível afirmar ser o transporte marítimo um meio seguro e sem perigo, limpo, respeitador do ambiente e muito econômico do ponto de vista energético.
A sensibilização crescente do setor marítimo às questões ambientais observada nos últimos anos revelou-se como uma evolução bastante encorajadora. Esta tendência é demonstrada não só pela aceitação generalizada das normas ambientais da IMO e pelas iniciativas que o próprio setor marítimo adotou para evitar que as suas atividades tivessem um impacto negativo sobre o meio ambiente, mas também pela sua diligência em combater e apagar a sua injustificada imagem negativa e, através de vários meios de comunicação, restabelecer a sua reputação no plano ecológico, evidenciando a sua contribuição para o desenvolvimento sustentável e o fato de que os resultados obtidos nesta matéria, serem cada vez melhores. As preocupações ambientais do setor do transporte marítimo são também ilustradas através da sua determinação em reduzir as emissões de gases que provocam efeito estufa, permitindo, assim, atenuar o seu impacto na atmosfera e contribuir para os esforços desenvolvidos à escala mundial na luta contra as mudanças climáticas e o aquecimento global.
O peso das medidas tomadas pela IMO está ligado a um certo número de fatores. Em primeiro lugar, nenhuma delas foi elaborada de um dia para o outro, sem reflexão ou elaborada de forma extemporânea na sequência de um acidente ou de um incidente. Mesmo se, em alguns casos, foram motivados por acontecimentos particulares – e a IMO sempre interveio de uma forma rápida e apropriada – os instrumentos da IMO são o resultado de um trabalho técnico aprofundado e largamente ponderado ao qual estão associados peritos marítimos dos mais reputados a nível mundial.
Não só os Governos Membros da IMO enviam os seus mais conceituados peritos para participar nas várias reuniões técnicas da Organização, como também organizações não governamentais e intergovernamentais especializadas contribuem largamente no processo. Representando todos os setores do transporte marítimo assim como um grande número de outros interesses da sociedade civil e geográfica, estas organizações desempenham um papel ativo e determinado nas vastas áreas de atividade da IMO e a sua contribuição para o sucesso da Organização é altamente apreciada. Outra das razões pelas quais as medidas da IMO têm uma tão larga aceitação é o fato de, no seio da Organização, as decisões serem geralmente adotadas por consenso.
Existe, evidentemente, um processo de votação mas que é muito raramente utilizado no decurso do trabalho normal da IMO. Este consenso permite ultrapassar a relutância natural que poderia suscitar a aplicação de medidas que não tivessem sido plenamente aprovadas numa primeira fase. Um acordo por consenso significa que todos os países têm interesse em que as medidas sejam aplicadas e que desejam realmente exercer a responsabilidade que decorre do sentimento de se considerarem parte integrante.
Pronta a enfrentar novos desafios e sempre útil ao transporte marítimo, ao serviço do qual se encontra desde há longa data, a IMO apresenta, assim, uma frente unida. O transporte marítimo, promove e contribui, por excelência, de modo significativo, para o crescimento econômico à escala mundial. Como tal, a missão da IMO (de promover a segurança e a proteção, a eficácia do transporte marítimo, assim como as suas responsabilidades em matéria ambiental) ultrapassa muito largamente os objetivos da Organização e toca a vida de qualquer indivíduo no planeta.
Hoje podemos dizer que a IMO prestou grandes serviços ao setor do transporte marítimo desde a sua criação há 70 anos atrás. O Brasil, como membro da IMO desde 1963 e, desde 1967, como integrante do Conselho, para o qual tem sido sucessivamente reeleito na categoria “B”, que reúne dez dos estados membros com maior interesse no comércio marítimo internacional, possui grande interesse em uma navegação segura e eficiente. Em face de realizarmos 95% de nossas importações e exportações pelo mar e de nossa natural vocação marítima, nosso País não pode deixar de comemorar esta tão importante efeméride e de continuar participando ativamente das discussões na Organização em defesa dos interesses nacionais.
Fonte: Assessoria Parlamentar da Marinha do Brasil