Audiência Pública da CPD discute a situação de autistas adultos no Brasil

12/06/2015 13h45

Em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência sobre a situação de autistas adultos no Brasil, mães e pais cobraram o cumprimento da lei específica para autistas, a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/12), que foi aprovada em 2012 e regulamentada em 2014.

A reunião contou com vários depoimentos emocionados onde os pais relataram a preocupação com o futuro dos filhos. Liê Ribeiro, mãe do Gabriel, de 26 anos, terminou seu relato com um poema:

 “Não, meu filho, não quero você remendo do que seja normal

Quero você inteiro na sua diferença

Quero que te vejam como um ser humano

Mas te amem como um autista

Quero que saibam que você não é culpado por uma sociedade excludente

Que você pode e deve ser feliz sendo autista, sendo gente, sendo humano

Que o acolhimento da humanidade a ti seja sincero, humanitário e amoroso

Porque um dia sua mãe não estará aqui

Um dia, alguém terá que abriga-lo e amá-lo por mim.”

Liê Ribeiro afirmou que as portas para a educação estão fechadas para os autistas adultos no Brasil. Ela ressaltou que o Ministério da Educação não repassa recursos para a escola de seu filho, que é mantida somente com recursos da prefeitura. “O que vocês estão fazendo com os autistas adultos no Brasil?”, ela perguntou.

Renata Flores Tibyriçá, defensora pública do Estado de São Paulo e especialista em autismo, apontou que o Brasil sequer sabe quantos autistas existem no país. “Como vamos fazer políticas públicas sem saber quantas pessoas serão beneficiárias? A pergunta sobre autismo não foi incluída no Censo de 2010”, ressalta ela. Renata Flores destacou ainda a falta de centros especializados de atendimento e a demora na instalação de residências inclusivas previstas no programa Viver sem Limites do Governo Federal. “Os municípios é que devem instalar as residências com cuidadores 24 horas por dia e eles têm direito a receber uma verba federal para isso”, explicou a defensora. “Na cidade de São Paulo estão instaladas quatro residências, embora estejam previstas dez. Mas mesmo dez seriam cem pessoas, é um universo muito pequeno. É preciso avançar muito nisso pois é algo essencial para as pessoas adultas e esse é o grande desespero dos pais. Eles vão envelhecendo e com quem essas pessoas vão ficar?”, perguntou Renata Flores.

Cláudia Moraes, que é Coordenadora do Movimento Orgulho Autista pelo estado do Rio de Janeiro, descreveu um cenário difícil em que autistas adultos não têm acesso ao trabalho, onde as poucas escolas para adultos não são adequadas e os terapeutas passam a não acreditar que eles possam evoluir. “Os pais já estão cansados e envelhecidos e tudo fica mais difícil nessa fase”, explica ela, que acrescentou ainda que estava na Câmara pelo seu filho que não tem voz. “Ele parou de falar aos quatro anos de idade. E todas as vezes que eu venho às audiências eu peço que se cumpra essa lei. Foi um trabalho exaustivo, foi um trabalho dos pais. Essa lei foi regulamentada em 2014 e temos visto poucos avanços para que ela seja cumprida”, disse Cláudia.

A deputada Zenaide Maia (PR-RN) destacou que muitos adultos com deficiência física e intelectual enfrentam as mesmas dificuldades dos adultos com autismo. “Enquanto é criança há várias atividades como psicomotricidade e fisioterapia. Mas quando eles se transformam em adultos, fica tudo mais difícil. O Ministério da Educação já não autoriza o repasse de recursos e o Estado já não quer se responsabilizar”, disse a deputada, ao afirmar que os deputados estão prestando atenção nesse cenário.

A Lei Berenice Piana nasceu de um projeto de iniciativa popular encabeçado pelos pais de crianças e jovens autistas. Berenice Piana é uma das mães que teve grande participação nesse processo.  Ulisses da Costa também foi um dos responsáveis pela elaboração da lei. “Os pais tiveram que sair da sua lida para serem legisladores para corrigir algo que já deveria ter alterado”, disse ele. Ulisses ressaltou ainda o preconceito e o julgamento das pessoas. “Ninguém quer saber se o seu filho está tendo uma crise, se está irritado por causa do barulho. As pessoas julgam, dizem que é mal educado e por mais que a mãe ou o pai queiram explicar, não adianta”, acrescentou ele. Ulisses da Costa relatou ainda as dificuldades para que seu filho concluísse o segundo grau. Episódios frequentes de agressões psicológicas  fizeram com que o rapaz não quisesse mais frequentar a escola.

As necessidades educativas das crianças e jovens com Síndrome de Asperger foram abordadas por Eduardo Simões, coordenador do projeto “Meu Filho é Asperger e tem Direitos” e pai do João,  um menino de nove anos com esta síndrome que está incluída dentro do espectro autista e se caracteriza por dificuldades na interação social e na comunicação não-verbal. “Nós, os ditos “normais”, aprendemos intuitivamente as regras sociais. O Asperger precisa aprender isso racionalmente, de maneira clara, seca, lógica ou matemática”, explicou ele, ao acrescentar que o mundo está se modificando todo o tempo enquanto a educação permanece com as mesmas práticas. “O meu filho aprende de forma diferente, assim como outras crianças têm diferenças também. Vim até aqui pedir o direito de aprender de forma diferente, que escolas públicas e particulares modifiquem o jeito de ensinar não só para o Asperger e para o autismo, mas para todos”, concluiu Eduardo Simões.

A deputada Professora Marcivânia (PT-AP) propôs uma reunião conjunta com a Comissão de Educação para aprofundar esse debate. “O meu receio é que se finja incluir e que a realidade seja uma tortura para essas crianças. É preciso discutir com seriedade para obter resultados na vida de crianças e adultos’, disse a deputada.