Legislação Informatizada - DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DE 05/01/2016 - Publicação Original

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DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DE 05/01/2016

Deixa de receber denúncia apresentada por Mariel Márley Marra, contra o Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia.

     Trata-se de denúncia apresentada por MARIEL MÁRLEY MARRA, com amparo na Lei n. 1.079/1950, contra o Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA.

     O DENUNCIANTE sustenta, em síntese, que:

a) nos termos de denúncia recebida pela Presidência da Câmara dos Deputados em desfavor da Presidente da República, Dilma Rousseff, teria a Presidente incorrido em crime de responsabilidade (art. 10, itens 4 e 6, da Lei n. 1.079/1950) ao editar, nos anos de 2014 e 2015, uma série de decretos sem número, abrindo créditos suplementares da ordem de mais de 18 bilhões de reais. Tais decretos teriam sido editados em infração ao artigo 167, V, da Constituição Federal, art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015 e art. 9º da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

b) o Vice-Presidente da República, ora DENUNCIADO, praticou, ele também, "conduta típica idêntica à de Dilma Rousseff, quando ele, no exercício da Presidência da República editou, da mesma forma, decretos não numerados abrindo crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional e com inobservância consciente e volitiva de prescrição legal" (fl. 4).

c) "os fatos relativos ao DENUNCIADO ocorreram da mesma forma tanto em 2014 como também em 2015, sendo que especificamente sobre os decretos do corrente ano, pode-se notar que eles foram assinados pelo Vice-Presidente nos dia 26 de maio e 7 de julho, sendo um no primeiro dia e mais três outros no segundo, totalizando 4 decretos assinados com inobservância da lei, todos publicados no Diário Oficial da União [...]" (fl. 4-5) (grifos no original).

d) a Lei n. 13.115/2015 (Lei Orçamentária Anual de 2015), vigente no momento em que os atos ora questionados foram praticados, autoriza, em seu art. 4º, a abertura de créditos suplementares, "desde que as alterações promovidas sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015, e seja observado o disposto no parágrafo único do art. 8º da LRF" (fl. 5). O parágrafo único do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, estabelece que "os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso".
e) por essas razões, a abertura de crédito suplementar pelo DENUNCIADO "não poderia ocorrer em hipótese alguma, uma vez que: 1- havia incompatibilidade com a meta estabelecida em lei; 2- foi feita sem autorização do Congresso Nacional". f) a conduta do DENUNCIADO no ano de 2015 configura crime de responsabilidade, em razão de violação do art. 10, itens 4 e 6 da Lei n. 1.079/1950, por atentar patentemente contra a Constituição Federal (art. 167, V e art. 165, § 8º) e contra a Lei Orçamentária Anual vigente para o ano de 2015, ao autorizar a abertura de crédito sem fundamento na lei e com inobservância de prescrição legal. g) os decretos foram editados e publicados após a data de propositura do PLN 5/2015 no Congresso Nacional, o "que revela tanto a consciência quanto a vontade, elementos que caracterizam o dolo do DENUNCIADO na prática do crime de responsabilidade, disposto no art. 4º, inciso VI, e art. 10 da Lei n. 1.079/1950" (fl. 8). h) a denúncia recebida pela Câmara dos Deputados em desfavor da Presidente da República ostenta fundamentos idênticos aos que suportam a denúncia ora apresentada em desfavor do Vice-Presidente da República. i) "a anulação parcial de dotações orçamentárias não pode ser feita sem autorização do legislativo, uma vez que indica alteração nas políticas de governo, e isso sempre vai exigir lei específica" (fl. 11). Nesse sentido, exigir-se-ia autorização legislativa para abertura de crédito suplementar independentemente de sua origem, conforme o art. 167, V, da Constituição Federal.

     Pede o recebimento da denúncia em desfavor do Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia, "para que o DENUNCIADO seja processado, julgado e condenado, decretando-se ao final a perda de seu cargo, bem como a inabilitação para exercer função pública pelo prazo de oito anos (parágrafo único do art. 52 da CF/88), pelos crimes de responsabilidade previstos no art. 85, incisos VI e VIl da Constituição da República" e no art. 4º, IV, c/c o art. 10, itens 4 e 6, da Lei n. 1.079/1950 (fl. 16).

     Pede, por fim, que a presente denúncia seja apensada àquela já recebida em face da Presidente Dilma Rousseff no dia 2 de dezembro de 2015, "para que assim elas possam ser processadas e julgadas juntas, haja vista conexão da matéria e acervo probatório comum" (fl. 17).

     É o relatório. Decido.

     Passo à análise da presente denúncia e, ao fazê-lo, anoto que o juízo inicial de admissibilidade de denúncia por crime de responsabilidade - a cargo desta Presidência - envolve não apenas a análise de aspectos meramente formais (arts. 14 e 16 da Lei n. 1.079/1950), mas também de questões substanciais (tipicidade e indícios mínimos de autoria e materialidade), nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Agravo Regimental no Mandado de Segurança n. 30.672, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe 18.10.2011; Mandado de Segurança n. 23.885, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 20.9.2002; Mandado de Segurança n. 20.941, Red. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 31.8.1992.

     Os requisitos formais encontram-se adequadamente cumpridos, tendo em vista que o DENUNCIANTE está quite com a Justiça Eleitoral e a denúncia contém firma reconhecida. Registro, ainda, que os atos inquinados como ilegais pelo DENUNCIANTE encontram-se devidamente documentados nos autos por meio de cópias dos decretos sem número subscritos pelo Vice-Presidente no exercício da Presidência, todos publicados no Diário Oficial da União.

     Por essa razão, trata-se aqui, exclusivamente, de aferir se de fato há identidade entre as condutas praticadas pelo Vice-Presidente da República no exercício da Presidência e aquelas que ensejaram o recebimento da Denúncia por Crime de Responsabilidade n. 1/2015 (DCR n. 1/2015) em desfavor da Presidente da República. Em outras palavras, trata-se de saber se a abertura de crédito suplementar pelos Decretos referidos na denúncia deu-se com violação ao art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal c/c o art. 4º, caput, da Lei Orçamentária Anual de 2015. Os dispositivos legais em questão têm a seguinte redação:

Art. 9º  Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (grifos nossos) Art. 4º  Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais, desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015 e sejam observados o disposto no parágrafo único do art. 8o da LRF e os limites e as condições estabelecidos neste artigo [...]. (grifos nossos)

     Observe-se que o recebimento da DCR n. 1/2015 fundamentou-se em Decretos assinados pela Presidente da República após 22 de julho de 2015, quando foi publicado o Relatório de Avaliação do Cumprimento das Metas Fiscais e encaminhado ao Congresso o PLN n. 5/2015. Nesse momento, o Governo Federal reconheceu formalmente o não atingimento da meta de resultado primário estabelecida, e propôs sua revisão ao Congresso Nacional. Diante desse quadro, exigia-se a aplicação do art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, com a consequente limitação de empenho e movimentação financeira, vedada autorização de verba suplementar por Decreto.

     Percebe-se, de imediato, que a situação dos Decretos assinados pelo Vice-Presidente da República no exercício da Presidência é distinta. Nenhum dos Decretos foi assinado após a formalização do não atingimento da meta de superávit, razão pela qual não há que se falar em infração ao art. 4º da LOA/2015 ou ao art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal.

     O DENUNCIANTE alega, por fim, que a anulação parcial de dotações orçamentárias para fins de abertura de crédito suplementar não pode ser feita sem autorização específica do Poder Legislativo. A autorização ao Poder Executivo para a abertura de crédito suplementar sem necessidade de edição de lei específica, com fundamento na anulação parcial de dotações, contudo, está expressamente prevista na própria Lei Orçamentária Anual de 2015 (art. 4º, I, "a", por exemplo), desde que observadas as condições ali especificadas.

     Acatar o argumento sustentado na denúncia quanto a esse ponto seria equivalente a reconhecer a inconstitucionalidade dos dispositivos da lei orçamentária que autorizam o procedimento adotado pelo DENUNCIADO. Não é possível, contudo, ultrapassar o princípio da presunção de constitucionalidade das leis para imputar à autoridade que se porta nos termos de norma vigente a prática de crime de responsabilidade, ainda que o DENUNCIANTE tivesse - e não se afirma aqui que ele de fato tenha - motivos razoáveis para supor que a lei contraria a Constituição nesse particular.

     Posto isso, resta claro que a conduta imputada ao DENUNCIADO é atípica. Não há que se falar em infração patente à lei orçamentária, pois a abertura de créditos suplementares baseou-se nas disposições legais aplicáveis.

     Por essas razões, julgo inepta a presente denúncia e deixo de recebê-la.

     Publique-se. Arquive-se. Oficie-se.

     Brasília, em 05 de janeiro de 2016.

EDUARDO CUNHA
Presidente


Este texto não substitui o original publicado no Diário da Câmara dos Deputados - Suplemento de 06/01/2016


Publicação:
  • Diário da Câmara dos Deputados - Suplemento - 6/1/2016, Página 31 (Publicação Original)