Legislação Informatizada - DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DE 02/12/2015 - Publicação Original

DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DE 02/12/2015

Acata denúncia apresentada por Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior, Janaina Conceição Paschoal e outros contra a Presidente da República, Dilma Vana Roussef, atribuindo-lhe a prática de crime de responsabilidade.

     1. Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Conceição Paschoal ofereceram nova denúncia contra a Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, atribuindo-lhe a prática de crime de responsabilidade. A petição também está subscrita pelo advogado Flávio Henrique Costa Pereira e há a concordância de alguns movimentos sociais, como Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Movimentos contra a Corrupção.

     Nesta nova acusação, formulam os denunciantes, inicialmente, pedido de desistência em relação à denúncia anterior, já homologada, justificando esse novo pedido ao argumento de que os fatos que se sucederam, após aquela oportunidade, exigem nova denúncia para que se possam consolidar, com ainda mais clareza, os crimes praticados por Dilma Rousseff, com destaque para a rejeição das contas do Governo pelo Tribunal de Contas da União, bem como a constatação de que as pedaladas invadiram o segundo mandato, caracterizando inafastável continuidade delitiva.

     Afirmam os denunciantes, inicialmente, que o Brasil enfrenta uma profunda crise, e que, ao contrário do que divulga o governo comandado pela denunciada, não é uma crise exclusivamente econômica, mas também política e, sobretudo, moral. Asseveram que, ao contrário do que tem defendido o Governo Federal, essa crise não é nem se tornará institucional, sendo o Brasil atualmente um país de instituições consolidadas, que continuarão funcionando apesar da situação e, fatalmente, exercerão papel extremamente relevante para que sejam desvendados os crimes cometidos no coração do Poder.

     Nesse contexto, os denunciantes situam a acusação rememorando a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que, tendo apurado a existência de inúmeras fraudes na prestação de contas da campanha da denunciada à reeleição, pela primeira vez decidiu receber e reabrir o julgamento sobre as contas de campanha de Presidente da República.

     Os denunciantes também fazem referência à representação criminal dirigida à Procuradoria-Geral da República, tendo como base decisão do Tribunal de Contas da União. Essa noticia criminis, segundo os denunciantes, demonstra que a Presidente deixou de contabilizar empréstimos tomados de instituições financeiras públicas (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), contrariando, a um só tempo, a proibição de fazer referidos empréstimos e o dever de transparência quanto à situação financeira do país. Dizem que houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (e também aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria economicamente saudável e, portanto, teria condições de manter os programas em favor das classes mais favoráveis. Apontam que a Presidente incorrera, em tese, nos crimes capitulados nos artigos 299, 359-A e 359-C do Código Penal.

     Continuando, os denunciantes abordam o caso de corrupção na PETROBRAS, que se tornou público em primeiro lugar pela revelação da compra da refinaria de Pasadena, cujo negócio poderia e deveria ter sido evitado. Lembram que as perdas estimadas nessa operação foram superiores a setecentos milhões de reais e que a denunciada era, à época, Presidente do Conselho de Administração da PETROBRAS.

     Mas, após o início das investigações do caso pela Policia Federal, descobriu- se que o negócio da refinaria em Pasadena e seu resultado negativo para a estatal não eram sequer a metade dos problemas relacionados com a corrupção que assola a PETROBRAS.

     Citam os depoimentos de dois colaboradores da justiça, Paulo Roberto Costa (segundo os denunciantes, muito próximo pessoalmente da denunciada, tendo sido inclusive convidado para o casamento da sua filha, cuja cerimônia foi bastante reservada) e Alberto Youssef, que expuseram ao país o real objetivo das obras e realizações da PETROBRAS nos últimos anos: abastecer ilicitamente os cofres do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outros pertencentes à base aliada. Mais grave, a denunciada, segundo o depoimento de Youssef, tinha conhecimento dos malfeitos praticados por agentes públicos e políticos na PETROBRAS e com eles era conivente, já que em nenhum momento adotou ou determinou as providências necessárias para evitar/investigar os atos de corrupção.

     Ressaltam os denunciantes que a denunciada, após a deflagração da operação chamada Lava-Jato e revelados alguns dos descalabros praticados na PETROBRAS, defendeu publicamente a conduta de alguns envolvidos, como a ex-Presidente da companhia, Graça Foster. Aliás, a denunciada, segundo os denunciantes, insistia sempre na estapafúrdia tese de que as denúncias seriam uma espécie de golpe.

     Destacam os denunciantes que a relação da denunciada com o ex-Presidente Lula é muito próxima, a ponto de ambos, em diversas oportunidades, terem registrado ser uma parceria indissociável. Nesse contexto, não haveria como a denunciada ignorar o suposto tráfico de influência cometido por Lula em favor da Construtora Odebrecht, sendo tal conduta leniente caracterizadora de crime de responsabilidade.

     Outro escândalo atualmente em apuração apontado pelos denunciantes como sendo de responsabilidade da denunciada é o dos empréstimos - sempre em operações sigilosas - concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a outros países para a realização de obras por empreiteiras brasileiras (as mesmas envolvidas nos escândalos da PETROBRAS), operações sempre precedidas da intermediação do ex-Presidente da República Lula.

     Por fim, citam o envolvimento da ex-assessora de confiança da denunciada, Erenice Guerra, no caso de corrupção investigada na operação Zelotes. E fazem considerações sobre a atuação do tesoureiro da campanha da Presidente, atual Ministro da Comunicação Social, Edinho Silva.

     Com isso, pretendem os denunciantes demonstrar que a versão segundo a qual a denunciada passa ao largo de todos esses casos de corrupção é insustentável. Segundo os denunciantes, fosse um único fato, até se poderia admitir tratar-se de um descuido, ou coincidência; porém, estando-se de uma verdadeira continuidade delitiva, impossível crer que a Presidente da República não soubesse o que estava passando a sua volta. E os crimes se estenderam a 2015, ou seja, invadiram o segundo mandato!

     Defendem a tese de que a denunciada agiu com dolo, e não apenas com culpa. Dizem que reforça o entendimento de que a Presidente da República agiu com dolo o fato de ela sempre se mostrar muito consciente de todas as questões afetas ao setor de energia, bem como aquelas relacionadas à área econômica e financeira.

     Tecem considerações sobre a insatisfação popular, as manifestações e a elevada rejeição da população em relação ao Governo atual e finalizam com o argumento de que, ao contrário do que prega a denunciada e aqueles que lhe são próximos, notadamente o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o único golpe que se praticou foi a reeleição da Presidente.

     2. Em suas razões jurídicas, os denunciantes sustentam inicialmente que o processo de impeachment busca a verdade real, razão pela qual os fatos narrados não limitam a atuação do Poder Legislativo. Afirmam que as revelações já existentes são suficientes para deflagração do processo.

     Quanto ao que chamaram de desmandos na PETROBRAS, apontam que foram cometidos os crimes de responsabilidade previstos nos itens 3 e 7 do art. 9º da Lei 1.079/50.

     Segundo os denunciantes, a denunciada não tornou efetiva a responsabilidade de seus subordinados e procedeu de modo incompatível com a dignidade, honra e decoro do cargo que exerce ao não afastar, mesmo preventivamente, diversos agentes públicos e políticos próximos a ela acusados de atos de corrupção, o que permitiria a conclusão de que estava a participar dos conluios necessários ao sucesso dos esquemas, ainda que seu papel fosse o de se omitir, sendo conivente com a malversação de recursos públicos.

     Outro indício apontado pelos denunciantes de que a denunciada tinha ciência dos diversos esquemas de corrupção é a insistência em manter sigilosos os empréstimos do BNDES a países como Cuba e Angola, que não são exatamente conhecidos como bons pagadores ou exemplos de regimes democráticos e transparentes.

     3. Sob outra vertente, apontam os denunciantes que a Presidente da República também cometeu o crime previsto no art. 10, itens 4 e 6, da Lei nº 1.079/50, ao editar, nos anos de 2014 e 2015, uma série de decretos sem números que resultaram na abertura de créditos suplementares, de valores muito elevados, sem autorização do Congresso Nacional. Dizem que esses decretos foram publicados após a constatação, pelo Tesouro Nacional, de que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual não haviam sido cumpridas, como revelado pelo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5º Bimestre de 2014 do Tesouro Nacional.

     Registram que o resultado das metas estabelecidas pela LDO (resultado primário) não estava sendo cumprido pelo Governo Federal, tanto que esse resultado foi alterado pelo PLN 36/2014, transformado na Lei nº 13.053/2014. A partir da aprovação dessa lei, a meta fiscal foi reduzida em até R$ 67 bilhões. Ou seja, segundo os denunciantes, resta comprovado que a denunciada, desde o dia 5 de novembro de 2014, pelo menos, já tinha conhecimento de que a meta de superávit primário prevista na LDO não estava sendo cumprida, e que não seria cumprida, pois apresentado projeto de lei para a alteração da meta do resultado primário. Vale dizer, mesmo conhecendo a impossibilidade de cumprir a meta fiscal, a denunciada, após a tal data, expediu os decretos com a aberturas de créditos suplementares, o que ensejou a violação do art. 167, V, da CF e art. 4º da Lei Orçamentária Anual (Lei nº 12.952/2014).

     Acrescentam que a denunciada agiu da mesma forma em 2015, ao editar decretos também sem números com base em um suposto superávit primário e excesso de arrecadação na ordem de R$ 2,5 bilhões. Contudo, segundo os denunciantes, esses superávit e excesso de arrecadação são artificiais, conforme se pode verificar a partir do PLN nº 5/2015, encaminhado ao Congresso Nacional em 22 de julho de 2015, o Poder Executivo já reconhecera que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei n. 13.080/2015, não seriam cumpridas.

     Citam decisão do TCU que teria reconhecido essa prática como ilegal e finalizam seu raciocínio dizendo que a mensagem do Poder Executivo confirma que a frustração nas expectativas de arrecadação e o aumento de despesas impediram o cumprimento das metas e a denunciada criou e continua criando despesas suplementares enquanto as metas vigentes estão comprovadamente desatendidas, o que infringe os artigos 167, V, da CF, art. 4º da LOA/2015 e art. 9º da Lei Complementar 101/2000.

     4. Ainda, argumentam os denunciantes que a contabilidade da União não espelha a realidade das contas públicas, em razão da prática de diversas maquiagens contábeis que ficaram conhecidas como pedaladas fiscais.

     Segundo os denunciantes, essas operações ilegais caracterizam crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11, itens 2 e 3, da Lei nº 1.079/50.

     A União teria realizado operações de crédito ilegais a partir do não repasse de recursos a entidades do sistema financeiro nacional controladas pela própria União. Tal prática teria ocorrido a partir de adiantamentos realizados pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil, em diversos programas federais de responsabilidade do Governo Federal, sendo que essas entidades do sistema financeiro estavam autorizadas a funcionar apenas como operadores do programa, não como agente financiador. Esses adiantamentos configuram mútuo, ou operação assemelhada, sabido, no entanto, que o art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe a realização de operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controla, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

     Dizem que essa prática foi considerada ilegal pelo TCU, quando da rejeição das contas do Governo no ano de 2014, mas que essa prática voltou a ser usada no ano de 2015, como se vê das demonstrações contábeis do Banco do Brasil no primeiro semestre de 2015, especialmente quanto ao Plano Safra.

     Ainda no ponto, defendem os denunciantes que a denunciada teria cometido crime de responsabilidade contra a Lei Orçamentária nesse episódio das pedaladas fiscais, diante do disposto no art. 85, V e VI, da Constituição Federal e arts. 4º, V e VI, e 10º, 6, 7, 8 e 9, da Lei nº 1.079/50.

     Asseveram os denunciantes que a conduta da denunciada seria de natureza comissiva, pois se reunia, diariamente, com o Secretário do Tesouro Nacional à época dos fatos, sem contar que, durante o pleito eleitoral, assegurou que tais contas estavam hígidas. Mas, ainda que a Presidente não estivesse ativamente envolvida nesta situação, restaria sua responsabilidade omissiva, pois descumpriu seu dever de gestão da administração púbica federal, conforme art. 84, II, da Constituição Federal.

     5. Defendem os denunciantes a ocorrência de outro crime de responsabilidade por parte da denunciada, decorrente da falta de registro dos passivos decorrentes das operações de crédito realizadas nas chamadas pedaladas fiscais no rol das dívidas de Passivos da Dívida Liquida do Setor Público. Dizem que tal ato afronta a Lei Orçamentária Anual - LOA, na medida em que impede o efetivo acompanhamento das contas do Governo, pois parte expressiva do passivo deixa de ser registrada, com o que acompanhamento das metas de superávit primário passa a ser uma ficção.

     Em relação a esse aspecto, ao desrespeitar a Lei Orçamentária Anual de forma deliberada (...) mascarando o Orçamento para dele fazer constar informações incorretas, com apresentação de um resultado fiscal, ao final de cada mês, superior ao que efetivamente seria adequado, mais uma vez, a denunciada incorreu em crime de responsabilidade, nos termos do art. 10, 4, da Lei nº 1.079/50, segundo o qual são crimes de responsabilidade contra a Lei Orçamentária infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da Lei Orçamentária.

     6. Por fim, os denunciantes tecem considerações sobre a responsabilidade da denunciada, por omissão dolosa, fazendo comentários sobre o episódio das pedaladas fiscais e da corrupção na PETROBRAS. Defendem que a omissão é hipótese caracterizadora de crime de responsabilidade e, portanto, fundamento para o impeachment, como, aliás, ocorreu com o ex-Presidente Fernando Collor de Mello.

     Sustentam, ainda, a possibilidade de a denunciada responder por atos praticados em mandato anterior, ao fundamento central de que a reeleição é, em verdade, uma continuidade administrativa, mantendo-se o vínculo entre as legislaturas. Acrescentam que entender diversamente seria o mesmo que admitir que a reeleição constituiria verdadeira anistia aos crimes perpetrados no primeiro mandato.

     7. Em conclusão, além de pedirem para que a Câmara dos Deputados autorize a instauração de processo por crime de responsabilidade contra a denunciada, os denunciantes arrolaram testemunhas, juntaram documentos e solicitaram a notificação dos órgãos judiciais e administrativos em que estão sendo apurados os diversos escândalos por eles apontados para que forneçam cópia dos respectivos processos.

     Relatados, passo a decidir.

     8. Inicialmente, registro que as liminares concedidas pelo STF, monocraticamente, pelos Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, nos autos dos processos MS 33.837-DF, MS 33.838-DF e RCL 22.124-DF, apenas suspenderam a prática de qualquer ato que tenha sido disciplinado na Questão de Ordem nº 105/2015 desta Presidência.

     Esse ato, no entanto, já foi revogado, o que ensejará a perda de objeto dos referidos processos.

     De qualquer forma, certo é que o recebimento de denúncia contra o Presidente da República está previsto nos arts. 14 e 19 da Lei nº 1.079/50 e 218, § 2º, do RICD, sendo igualmente certo, por óbvio, que naquelas decisões liminares não houve a suspensão em si desses dispositivos legais ou mesmo das prerrogativas da Presidência da Câmara dos Deputados.

     Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal tem orientação reiterada no sentido de que a competência para análise da denúncia contra Presidente da República, por crime de responsabilidade, é do Presidente da Câmara dos Deputados, de que é exemplo, entre outros, o que restou decidido no Agravo Regimental no MS nº 30.672, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe 18/10/2011, com esta ementa:

     "Agravo regimental. Mandado de segurança. Constitucional. Impeachment. Ministro do Supremo Tribunal Federal. Recebimento de denúncia. Mesa do Senado Federal. Competência.

     I - Na linha da jurisprudência firmada pelo Plenário desta Corte, a competência do Presidente da Câmara dos Deputados e da Mesa do Senado Federal para recebimento, ou não, de denúncia no processo de impeachment não se restringe a uma admissão meramente burocrática, cabendo-lhes, inclusive, a faculdade de rejeitá-la, de plano, acaso entendam ser patentemente inepta ou despida de justa causa.
     II - Previsão que guarda consonância com as disposições previstas tanto nos Regimentos Internos de ambas as Casas Legislativas, quanto na Lei 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.
     III - O direito a ser amparado pela via mandamental diz respeito à observância do regular processamento legal da denúncia.
     IV - Questões referentes à sua conveniência ou ao seu mérito não competem ao Poder Judiciário, sob pena de substituir-se ao Legislativo na análise eminentemente política que envolvem essas controvérsias.
     V - Agravo regimental desprovido."

     No mesmo sentido, o MS nº 23.885, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 20/9/2002, com esta ementa:

     "Constitucional. Impeachment: Presidente da República: denúncia: Câmara dos Deputados. Presidente da Câmara: competência.

     I - Impeachment do Presidente da República: apresentação da denúncia à Câmara dos Deputados: competência do Presidente desta para o exame liminar da idoneidade da denúncia popular, "que não se reduz à verificação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciantes e denunciados, mas se pode estender (...) à rejeição imediata da acusação patentemente inepta ou despida de justa causa, sujeitando-se ao controle do Plenário da Casa, mediante recurso (...)". MS 20.941-DF, Sepúlveda Pertence, "DJ" de 31.08.92.
     II - M. S. indeferido."  

     É induvidosa, portanto, a competência do Presidente da Câmara dos Deputados para determinar se as denúncias pela prática de crime de responsabilidade cumprem os requisitos legais, aí incluída a imputação de conduta tipificada pela Lei dos Crimes de Responsabilidade e a existência de indícios mínimos de autoria e materialidade.

     9. O momento político atual é notoriamente grave. Nunca, na história da República, houve tantos pedidos de impeachment contra Presidente da República. A economia não vai bem e a desconfiança em relação ao país já atravessou as fronteiras. Sem contar o parecer do Tribunal de Contas da União que, a unanimidade, recomenda a rejeição das contas do Governo.

     Mesmo diante do cenário descrito, indubitável que o exame desta denúncia deve ser imparcial e objetivo, como ocorreu em todas as outras denúncias já despachadas por esta Presidência.

     Com efeito, tenho defendido que, a despeito da crise moral, política e econômica que assola o Brasil, a gravidade institucional que representa o início de um processo por crime de responsabilidade demanda o apontamento de um ou mais fatos concretos, uma ou mais condutas específicas da Presidente da República que, ao menos em tese, configure um ou mais tipos penais previstos na Lei nº 1.079/50.

     10. Não há dúvida de que todas as acusações formuladas pelos denunciantes são gravíssimas, mas, por outro lado, é igualmente certo também que muitas delas estão embasadas praticamente em ilações e suposições, especialmente quando os denunciantes falam da corrupção na PETROBRAS, dos empréstimos do BNDES e do suposto lobby do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

     Não se pode permitir a abertura de um processo tão grave, como é o processo de impeachment, com base em mera suposição de que a Presidente da República tenha sido conivente com atos de corrupção.

     11. Quanto aos crimes eventualmente praticados pela denunciada contra a Lei Orçamentária, sobre os quais os denunciantes fazem remissão reiterada ao recente julgamento das contas de 2014 do governo pelo Tribunal de Contas da União, é de se notar que a decisão acerca da aprovação ou não dessas contas cabe exclusivamente ao Congresso Nacional, tendo a Corte de Contas apenas emitido parecer prévio, a ser submetido ao crivo do Congresso Nacional, a quem cabe acolhê-lo ou rejeitá-lo.

     Além disso, os fatos e atos supostamente praticados pela denunciada em relação a essa questão são anteriores ao atual mandato. Assim, com todo respeito às muitas opiniões em sentido contrário, considero inafastável a aplicação do § 4º do artigo 86 da Constituição Federal, o qual estabelece não ser possível a responsabilização da Presidente da República por atos anteriores ao mandato vigente.

     Deixei claro em decisões anteriores que não ignoro a existência de entendimento contrário, especialmente em razão de o dispositivo citado ser anterior à emenda constitucional que permitiu a reeleição para os cargos do Poder Executivo. Porém, não se pode simplesmente ignorar que o constituinte reformador teve a oportunidade de revogar ou alterar o § 4º do artigo 86 e não o fez, estando mantida, portanto, a sua vigência.

     12. Sob outra perspectiva, contudo, a denúncia merece admissão.

     Como anteriormente consignado, além dos requisitos formais estabelecidos na legislação, devidamente preenchidos na espécie, cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados, nessa fase de admissibilidade ou delibação da denúncia, verificar a presença dos requisitos materiais para o seu recebimento.

     Dentre esses requisitos materiais, estão o apontamento de uma ou mais condutas da denunciada tipificada(s) como crime de responsabilidade e a indicação da participação direta dela no(s) ato(s), em tese, praticado em desconformidade com as normas previstas na lei específica.

     Nesse particular, entendo que a denúncia oferecida atende aos requisitos mínimos necessários, eis que indicou ao menos seis Decretos assinados pela denunciada no exercício financeiro de 2015 em desacordo com a LDO e, portanto, sem autorização do Congresso Nacional.

     A edição desses Decretos não numerados, os quais supostamente abriram créditos suplementares em desacordo com a Lei Orçamentária, configura, em abstrato, os tipos penais previstos nos itens 4 e 6 do art. 10 da Lei nº 1.079/50, cujas redações são as seguintes:

     "Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

     (...)

     4 - Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.

     (...)

     6 - ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000) (...)"  

     Importante destacar que os seis decretos apontados no quadro aposto na página 18 da denúncia foram assinados pela denunciada, o que significa dizer que há indícios suficientes da sua participação direta nessa conduta que, em tese, importa em crime de responsabilidade.

     O eventual crime de responsabilidade, como sustentam os denunciantes, pode ser configurado também pelo descumprimento do art. 4º da Lei 12.952, de 2014 (Lei Orçamentária Anual LOA), que determinou que a abertura de créditos suplementares (ou adicionais) estava condicionada ao alcance da meta de resultado primário (poupança) estabelecida.

     Segundo esse dispositivo legal, "fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais, desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2014".

     Também não ignoro ter o Poder Executivo enviado ao Congresso Nacional projeto de lei alterando a meta fiscal de 2015 (PLN n° 5/2015), porém, além de pendente de apreciação, mesmo se for aprovado, não altera a realidade dos fatos: até o presente momento, o Poder Executivo, comandado pela denunciada, administrou o orçamento de 2015 como se a situação fosse superavitária, quando o déficit estimado pode chegar a R$100.000.000.000,00 (cem bilhões de reais).

     Em outras palavras, o PLN nº 5/2015, ainda que aprovado, não retira a tipicidade hipotética da conduta da denunciada nesse particular, já que os créditos orçamentários eram irregulares à época em que os seis Decretos não numerados apontados pelos denunciantes foram por ela assinados.

     São igualmente relevantes as demais questões que dizem respeito à Lei Orçamentária deste ano, especialmente a alegação da reiteração da prática das chamadas pedaladas fiscais, o que, também em tese, pode configurar crime de responsabilidade contra a Lei Orçamentária (art. 85, VI, CF).

     13.Por tudo isso, ciente da relevância de que esse ato significa, considero que a denúncia preenche os requisitos mínimos para seu recebimento.

     De fato, merecem análise exauriente as alegações dos denunciantes quanto à abertura de crédito suplementar mesmo diante do cenário econômico daquele momento, quando já era sabido que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei nº 13.080/2015, não seriam cumpridas, o que pode ensejar o cometimento de crime de responsabilidade contra a Lei Orçamentária.

     E também merecem melhor aprofundamento as razões que levaram o Governo a adotar essa prática das chamadas pedaladas fiscais também neste ano de 2015.

     Há, portanto, justa causa a justificar o recebimento desta denúncia. E também há indícios de autoria, considerando a responsabilidade da Presidente da República pela Lei Orçamentária. A denunciada terá oportunidade de se manifestar expressamente sobre todas as acusações, exercendo o direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório.

     14. Não há dúvida de que o recebimento da denúncia pode acarretar graves danos institucionais. Mas é igualmente certo também que as instituições brasileiras são sólidas e estão preparadas para esse julgamento.

     É importante registrar que, neste juízo prévio de admissibilidade, não se examina a procedência ou não da denúncia, mas sim a existência de requisitos mínimos, formais e materiais e indícios de materialidade e autoria. Não há qualquer condenação prévia.

     Como dito, a denunciada, em observância aos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, terá oportunidade para esclarecer e afastar as questões postas pelos denunciantes.

     Assim, recebo a denúncia e determino sua leitura no expediente da sessão seguinte à publicação desta decisão com consequente remessa à Comissão Especial a que aludem os artigos 19 da Lei nº 1.079/50 e 218, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

     Publique-se.

     Brasília, 2 de dezembro de 2015.

Eduardo Cunha, Presidente".


Este texto não substitui o original publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 04/12/2015


Publicação:
  • Diário da Câmara dos Deputados - 4/12/2015, Página 42 (Publicação Original)