Legislação Informatizada - DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DE 07/10/2015 - Publicação Original

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DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DE 07/10/2015

Deixa de receber denúncia formulada pelo Senhor Deputado JAIR BOLSONARO, na condição de cidadão, e de emenda à representação inicial, apresentadas com amparo na Lei n. 1.079/1950, contra a Excelentíssima Senhora Presidente da República, DILMA ROUSSEFF.

     Trata-se de denúncia formulada pelo Senhor Deputado JAIR BOLSONARO, na condição de cidadão, e de emenda à representação inicial, apresentadas com amparo na Lei n. 1.079/1950, contra a Excelentíssima Senhora Presidente da República, DILMA ROUSSEFF.

     Alega, na inicial, que a denunciada:

     - cometeu crime de responsabilidade, ao permitir a prática de atos de corrupção e de malversação de recursos públicos em diversos escândalos ocorridos em sua gestão, entre os quais relaciona: compra da refinaria de Pasadena, no Texas; desvios de recursos da Petrobrás, que vem sendo investigado pela operação "Lava Jato", da Polícia Federal; contratos fraudulentos no Ministério da Saúde; empréstimos do BNDES para a construção de obras a serem executadas pela Odebrecht; repasses ao governo cubano por meio do programa "Mais Médicos"; indícios de gestão fraudulenta no Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes - DNIT;

     - obteve a maioria dos votos que necessitava de modo questionável, utilizando-se de programas sociais que escravizam e corrompem o eleitor, às custas do galopante aumento tributário;

     - foi inábil ao compor a direção da administração direta sob sua subordinação, mantendo perto de si, em funções de alta relevância da administração federal, pessoas com fortes indícios de comprometimento ético e desvios de conduta, o que corroborou para a ocorrência de tantos atos contrários à Constituição Federal;

     - usou de indevida discricionariedade na indicação de Ministros do Supremo Tribunal Federal;

     - exerceu seu mandato mediante suborno e outras formas de corrupção, com repasses periódicos de dinheiro a parlamentares e desvios bilionários em contratos de estatais;

     - conduziu de forma irresponsável os rumos da república, o que gerou recessão econômica.

     Nesse sentido, afirma o denunciante que a denunciada teria praticado os crimes de responsabilidade dos arts. 4º, V e VII, 7º, item 5, e 9º, itens 3 e 7, da Lei n. 1.079/1950.

     Instado a emendar a representação inicial, o Senhor JAIR BOLSONARO aditou-a, acrescentando os seguintes pontos para fundamentar o pedido de impeachment:

     - cometeu crime de responsabilidade, ao conduzir irresponsavelmente as contas públicas, em flagrante desrespeito às leis orçamentárias, no chamado caso das "Pedaladas Fiscais", conforme consta do relatório do Ministério Público de Contas, datado de 15 de junho de 2015;

     - incorreu em improbidade administrativa, ao indicar o Sr. Ricardo Fenelon das Neves Júnior, genro de um Senador da República, pessoa com pouca experiência e especialização, para a Diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC.

     - afrontou o Poder Legislativo, ao editar decretos para abertura de créditos que deveriam ser decorrentes de aprovação de projetos de lei pelo Congresso Nacional;

     - Opôs-se ao livre exercício do Poder Judiciário, ao declarar que não respeita delatores, bem como ao vetar o Projeto de Lei que estabelecia o Plano de Carreira dos Servidores do Poder Judiciário da União.

     Assim, teria a denunciada praticado os crimes de responsabilidade previstos nos incisos II , V, VI e VII do art. 85 da Constituição Federal, atentando contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, a probidade na administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis.

     Requer, alfim, a apreciação "da presente Denúncia por crime contra a administração pública (...), independentemente do regular curso de eventuais processos civis, penais, administrativos a que venha ser submetida, para que, obedecido o devido processo legal, possa o povo brasileiro, por meio de seus representantes eleitos, revogar o mandato concedido à DENUNCIADA".

     Na data de 30 de setembro de 2015, foi protocolizada uma petição subscrita pelo Senhor Emílio T. Alarcón e outros, contendo um abaixo-assinado com 1.879.023 rubricas (identificado como lista de signatários de petição online elaborada pele Senhor Rogério Teixeira e colocada a disposição da sociedade no site Avaaz, de propriedade da ONG Avaaz Foundation), com manifestação para que fosse "posto em votação de maneira imediata o processo de impeachment e investigação contra a Presidente Dilma Roussef, protocolado pelo Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro". O expediente foi juntado ao processado da Denúncia em 6 de outubro de 2015.

     É o relatório. Decido.

     O juízo inicial de admissibilidade da denúncia por crime de responsabilidade - a cargo desta Presidência - envolve não apenas a análise de aspectos meramente formais, mas também de questões substanciais (tipicidade e indícios mínimos de autoria e materialidade), nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental no Mandado de Segurança n. 30.672, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe 18.10.2011; Mandado de Segurança n. 23.885, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 20.9.2002; Mandado de Segurança n. 20.941, Red. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 31.8.1992).

     Fixada essa premissa, passa-se à análise da denúncia.

     Nada obstante a comprovação do exercício da cidadania e o reconhecimento da firma do denunciante por tabelionato de notas, em obediência aos arts. 14 e 16 da Lei n. 1.079/1950, a presente denúncia é substancialmente inepta, como se demonstra a seguir.

     O rol das condutas passíveis de serem enquadradas como crime de responsabilidade está disposto, como numerus clausus, na Lei n. 1.079/1950. Nesse sentido, qualquer conduta que lá não esteja devidamente prevista é considerada atípica.

     Ademais, em relação às condutas passíveis de responsabilização nos termos da Lei n. 1.079/1950, foi o denunciante inespecífico, uma vez que não descreveu qualquer ato ou fato atribuído à denunciada. Nessa esteira, seria necessário apontar de que modo a denunciada teria permitido a prática de "atos de corrupção e malversação de recursos", ou teria sido "leniente com o recorrente uso indevido do erário". Também, seria imprescindível descrever como a denunciada teria exercido "seu mandato mediante suborno ou outras formas de corrupção" ou em que medida se deu o seu "envolvimento pessoal (...) no escândalo que envolveu a compra da refinaria de Pasadena".

     Resta evidente que o denunciante não apenas omitiu-se em apontar condutas específicas, como também não demonstrou, minimamente, a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade dos crimes de responsabilidade atribuídos à denunciada. Acrescenta-se, aqui, que há jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o uso de matérias jornalísticas não é bastante para embasar a presunção do ilícito, de forma a constituir meio de prova (RE 601700 AR, de relatario do Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, D.J. 28/8/2012).

     Deve-se destacar, ainda, que o simples fato de alguém exercer posição de superioridade hierárquica na estrutura político-administrativa não o torna responsável por ilícitos praticados por seus subordinados - em especial quando esses subordinados são, também, agentes políticos, detentores de "plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica" (RE 228.977/SP, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, D.J. 12/4/2002) - ou por outros agentes públicos que integram a estrutura organizacional da administração pública direta ou indireta. Nesse sentido, é indispensável a demonstração do conhecimento dos fatos e sua participação nas condutas, o que não se verificou na inicial.

     Ressalta-se que, até o presente momento, nem os inquéritos policiais e nem as ações penais comprovaram que a denunciada tinha participação ou conhecimento dos atos ilícitos praticados por seus subordinados.

     Em relação às imputações constantes da peça apresentada em adição, melhor sorte não colhe o denunciante, porquanto não descreveu condutas típicas - a exemplo da declaração da denunciada de que não creditava valor a delatores - , tampouco demonstrou, minimamente, a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade dos crimes de responsabilidade atribuídos à denunciada.

     No que concerne às alegações de violação às leis orçamentárias, baseadas em suposto parecer do Tribunal de Contas da União - TCU, essas também carecem de comprovação. O referido parecer sequer fora exarado pela Corte de Contas, na forma do inciso I do art. 71 da Constituição Federal, de forma que não foi possível ao denunciante juntar cópia do documento. Impende elucidar também que, ainda que fosse juntada reprodução da mencionada peça opinativa, ela serviria à finalidade de instruir o Congresso Nacional para exercer sua prerrogativa privativa de julgar as contas da Presidente, nos termos do art. 49, IX, da Constituição. Ademais, caberia ao representante demonstrar de que modo a Presidente da República contribuiu para o descumprimento às leis orçamentárias.

     Quanto à indicação de pessoa aparentemente desqualificada para ocupar cargo na administração pública, tal fato, por si, não tipifica crime de responsabilidade. Mister apontar, ainda, que tanto a indicação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, quando do Senhor Ricardo Fenelon das Neves Júnior ao cargo de direção da ANAC, foram posteriormente submetidos à aprovação pelo Senado Federal, na forma do art. 52, III, f, e do art. 101, parágrafo único, ambos da Constituição Federal.

     Por fim, a Constituição Federal, no art. 66, § 1º, confere ao Presidente da República o poder de vetar projetos que, ao seu juízo, sejam inconstitucionais ou contrários ao interesse público. Assim, o veto aposto ao plano de carreira do Judiciário não constituiu ato atentatório ao livre exercício do Poder Judiciário, sendo uma válida manifestação do sistema constitucional de freios e contrapesos, que possibilita a influência mútua e o controle recíproco entre os Poderes da República.

     Assim, evidenciada a inépcia da denúncia, bem como de sua complementação, deixo de recebê-la.

     Publique-se. Arquive-se. Oficie-se.

     Brasília, em 7 de outubro de 2015.

EDUARDO CUNHA
Presidente


Este texto não substitui o original publicado no Diário da Câmara dos Deputados - Suplemento de 08/10/2015


Publicação:
  • Diário da Câmara dos Deputados - Suplemento - 8/10/2015, Página 36 (Publicação Original)