Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO Nº 3, DE 1979 - Publicação Original

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RESOLUÇÃO Nº 3, DE 1979

Requer, com fundamento no art. 37 da Constituição, na Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, e no Regimento Interno do Senado, a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, com o objetivo de apurar a devastação da floresta amazônica e suas implicações.

SENHOR PRESIDENTE :

Com fundamento no art. 37 da Constituição; na Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952 e nos arts. 168 a 178 do Regimento Interno do Senado Federal, que disciplinam a instituição e processamento das Comissões Parlamentares de Inquérito, vimos perante Vossa Excelência requerer seja criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a devastação da Floresta Amazônica e suas implicações.

A Comissão será constituída de 9 (nove) membros, com o prazo de 120 (cento e vinte) dias, prorrogáveis, se necessário, até a competente apuração dos fatos. 

                                                                              Justificação

Enquanto não se regulamenta o art. 45 da Constituição, a fiscalização direta, pelo Congresso Nacional, dos atos do Executivo se faz mediante requerimentos de informações, convocação de Ministros ou, mais eficientemente, por meio de comissões parlamentares de inquérito, mais próprias aos assuntos de mais amplo interesse nacional.

É o caso do presente requerimento.

Ninguém ignora, mesmo que apenas perfunctoriamente haja estudado os aspectos fundamentais da biogeografia, que a vida, em nosso Planeta, é uma dádiva da fotossíntese, ou seja, dos efeitos da energia solar no que tange à fixação, pelos vegetais, do nitrogênio e liberação do oxigênio. Há milhões de anos, a atmosfera terrestre se constituía, predominantemente, de azoto, mas, na medida em que apareceram os primeiros seres vegetais, foi crescendo a proporção do oxigênio na biosfera, até que a evolução das trocas bióticas resultou no aparecimento dos vertebrados superiores, dos grandes símios, dos hominídeos e, finalmente, do homo sapiens .

Sabe-se, igualmente, que a redução da fitomassa na superfície terrestre implica na diminuição do teor de oxigênio na atmosfera, com aumento do monóxido de carbono, tendo concluído pesquisas científicas dos ecologistas que, nos últimos cem anos, ocorreu uma redução de dez por cento do teor de oxigênio em nosso Planeta.

Não se conhece (afora processos químicos artificiais) outro elemento, além dos vegetais na biosfera capaz de fixar o carbono da atmosfera e liberar o oxigênio. Como se sabe a diminuição do teor deste último elemento reduz inelutavelmente as possibilidades de sobrevivência do homem no Planeta.

Assim quando se diz que a floresta amazônica a maior mata tropical do mundo se constituiu num importante "filtro da humanidade" não se faz retórica mas proclama-se uma verdade científica.

Preservá-la portanto é um serviço à humanidade como um todo incluindo decerto aqueles países que como o nosso têm território na Panamazônica esse subcontinente com sete milhões de quilômetros quadrados.

É que as perturbações telúricas, embora possam ter efeitos específicos, conforme a latitude e a longitude, principalmente em se processando na atmosfera e na hidrosfera, repercutem em toda a biosfera. Assim, o desmatamento da Amazônia pode, em primeiro lugar, perturbar o equilíbrio biótico da região, mas os efeitos desse atentado irão estender-se, rapidamente, às regiões vizinhas, até dominar toda a superfície terrestre.

Daí a preocupação dos cientistas, no Brasil e no Mundo, com a indeclinável preservação do espaço amazônico, principalmente da sua biomassa, que tem assento naquele revestimento florístico multimilenar e insubstituível, porque se começou a formar sobre o arenito de um golfão, milhões de anos antes do aparecimento do homem na face da terra.

Nos últimos dez anos, tem se multiplicado o interesse universal em torno do problema e, em recente acordo firmado pelos países que compõem a Panamazônia, nós nos comprometemos a não tomar, sem consulta prévia aos demais, qualquer medida capaz de alterar o equilíbrio biótico naquela selva.

Eis senão quanto, autoridades federais responsáveis anunciam a intenção governamental de lotear a selva amazônica, mediante contratos de risco com empresas nacionais, estrangeiras e multinacionais, a fim de, com os recursos auferidos, solvermos nossas dívidas externas.

O assunto foi largamente debatido na imprensa, durante o último recesso parlamentar, surgindo protestos de todos os quadrantes do País, nos meios científicos e universitários, na Igreja, em todos dos estamentos sociais.

Denunciou-se o conluio de empresas multinacionais, na sustentação dessa tese ameaçadora, não muito difícil de demonstrar que realizariam um grande negócio, primeiro em prejuízo irreparável da região, depois em detrimento do País e da própria humanidade.

Ressalte-se, no patriótico movimento de repulsa contra essa venda do nosso próprio futuro, a destemida posição assumida pela Igreja Católica, tomando, como inspiração da Campanha da Fraternidade, este ano, a preservação do meio ambiente, pelo aproveitamento racional dos recursos da natureza, nem sempre renováveis, como se pensa.

Tudo começou com um plano de IBDF, por intermédio do Projeto de Pesquisa Florestal, sob o título de "Contratos de Utilização Florestal com referência especial à Amazônia brasileira", de autoria de F. Schmithüsen, ao que parece resultante de convênio daquele instituto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Organização para a Alimentação e Agricultura e o Ministério da Agricultura.

Depois de assinalar a crise mundial do comércio de madeira, mostrando as potencialidades da Amazônia, onde noventa por cento da floresta se situam em terras públicas, sustenta que "a concessão florestal", proposta no plano, "constitui basicamente um contrato de risco entre o Governo e o setor privado, no qual o interesse de ambas as partes devem ser mutuamente acordados", à semelhança do que tem ocorrido em alguns países com grandes florestas formadas de coníferas, como o México e o Canadá.

Logo em seguida, salienta que "a compra das terras florestais ao Governo é, no momento, a maneira mais comum para o acesso aos recursos florestais", enquanto o limite constitucional de três mil hectares, para tal concessão, "não seria suficiente para este fim". Felizmente, o relatório adverte que "a venda permanente de grandes faixas de florestas para a exploração madeireira poderia provocar também a formação de monopólios de terras em certas regiões, os quais poderiam, subseqüentemente, criar problemas sócio-econômicos".

Sugere, finalmente, o relatório, "que sejam tomadas medidas pelo órgão florestal competente, capazes de modificar o modelo institucional e organizacional de alocação madeireira, e que o Governo Federal considere a criação de um sistema de contratos de utilização a longo prazo da Região Amazônica".

Tal sugestão deflui da constatação do esgotamento das fontes tradicionalmente produtoras de madeiras tropicais, enquanto a Amazônia aparece como mercado fornecedor, com seus cinco milhões de quilômetros quadrados no território brasileiro.

Em nosso País, a mata atlântica se esgotou, como, de resto, ao longo dos grandes rios da bacia leste e da bacia platina, desapareceu, praticamente, a mata ciliar, só permanecem nas áreas de cerrado, da Amazônia Legal, campos naturais e vegetações florestais de menor porte, sem expressão madeireira.

Daí porque o problema da exploração dos recursos florestais da selva amazônica deve ser tratado com o máximo cuidado, a fim de evitarmos um desastre ecológico.

Entretanto, o ponto crucial da proposição entregue ao Governo pelo IBDF está na prática sugestão de recursos públicos para empresas estrangeiras, como tem ocorrido na área da SUDAM, produzindo um processo de internacionalização da posse da terra, tantas vezes, denunciado na tribuna do Congresso Nacional.

Além disso, vem ocorrendo, ali, uma exploração predatória: cinco empreendimentos, aprovados pela SUDAM, somente em 1966, produziram mais de quarenta mil metros cúbicos de cerrados e cerca de cem mil metros cúbicos de compensados, consumindo mais de trezentos e vinte mil metros cúbicos de toras. Em 1976, foram consumidos quatro milhões de metros cúbicos de toras, num acréscimo superior a mil por cento, sem se computar o consumo de mais de trezentas serrarias no interior da região.

Por outro lado, ninguém se opõe à organização da silvicultura na Amazônia, onde caibam florestas homogêneas, e mesmo a utilização, com replantio, em certos casos, de árvores desvitalizadas. Mas o problema deve ser estudado com a participação de todos os nossos cientistas vinculados ao problema, certo de que se exige a abordagem do problema do desenvolvimento da região em sua totalidade, impondo-se uma solução seletiva, integrada e concentrada, para maior aproveitamento dos recursos e o máximo de preservação ecológica.

Já no dia 3 de dezembro, a Folha de S. Paulo divulgava a entrega, ao Presidente da República, do plano do IBDF, prevendo, com a exploração da floresta amazônica, uma receita de nove bilhões de dólares, permitida a exploração da madeira por empresas estrangeiras, que escolheriam suas fatias nos trezentos e vinte milhões de hectares da selva densa.

Divulgou-se inclusive, a advertência do representante da FAO, assim concebida:

"Concedendo tais contratos, qualquer governo corre o risco de a empresa exploradora pôr em perigo os recursos naturais."

Fatos anteriores precisam ser meditados: ninguém conseguiu, até hoje, substituir a mata originária da Bragantina, no Pará, devastada a partir de meados do século passado, transformada a região num semideserto; também foi desastrosa a experiência da "Ford Foundation", pretendendo criar matas homogêneas na Amazônia.

Cumpre-nos apurar essas denúncias gravíssimas, veiculadas pela imprensa, lançando as luzes da investigação sobre fatos já do conhecimento público, no que tange à ocupação indiscriminada do espaço amazônico, principalmente por empresas multinacionais que, com os seus projetos mirabolantes, vão destruindo a floresta insubstituível, a ponto de satélites artificiais norte-americanos terem identificado, há mais de dois anos, as cicatrizes das voçorocas no meio da grande mata tropical.

Daí a necessidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, em que o Senado investigue a extensão dos danos já produzidos e indique medidas capazes de evitar a prossecução de um atentado ao nosso futuro e ao da própria humanidade.

Sala das Sessões, 4 de março de 1979.

EVANDRO CARREIRA
Paulo Brossard
Franco Montoro
Lázaro Barboza
Cunha Lima
Henrique Santillo
Adalberto Sena
Evelásio Vieira
Aloysio Chaves
João Bosco
Pedro Simon
Jorge Kalume
Mendes Canale
Hugo Ramos
Orestes Quércia
Humberto Lucena
Tancredo Neves
Pedro Pedrossian
Roberto Saturnino
Jaison Barreto
Agenor Maria
Mauro Benevides
José Richa
Gilvan Rocha
Marco Freire
Teotônio Vilela


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 2 de 05/04/1979


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 2 - 5/4/1979, Página 648 (Publicação Original)