Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO Nº 1, DE 1990-CN - Publicação Original

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RESOLUÇÃO Nº 1, DE 1990-CN

Requerer, na forma do art. 58, § 3º, da Constituição Federal, a criação de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a investigar o Programa Autônomo de Energia Nuclear, mais conhecido por Programa Paralelo, composta de 11 Deputados e 11 Senadores, com duração de 180 (cento e oitenta) dias para conclusão de seus trabalhos.

     Requeremos, na forma do art. 58, § 3º, da Constituição Federal, a criação de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a investigar o Programa Autônomo de Energia Nuclear, mais conhecido por Programa Paralelo, composta de 11 Deputados e 11 Senadores, com duração de 180 (cento e oitenta) dias para conclusão de seus trabalhos.

Justificação

     Os esforços desenvolvidos para que o Brasil dominasse a Energia Nuclear datam do início da década de 50, através de iniciativa pioneira do Almirante Álvaro Alberto. Seu objetivo era que o Brasil pudesse utilizar a Energia Nuclear como instrumento de seu ingresso no rol de nações avançadas, por meio do desenvolvimento científico e tecnológico.

     Distinguiu ele a espicificidade do trabalho a ser realizado, de modo a que tais atividades, civis em sua essência, não ficassem enclausuradas no Ministério da Marinha, mas, pelo contrário, procurou abrigar no Conselho Nacional de Pesquisas o embrião daquela iniciativa, que, em seguida, desaguaria na criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

     Esse esforço do Almirante Álvaro Alberto, contudo, acabou sendo direcionado em sentido oposto - o Programa Paralelo, a cargo do Ministério da Marinha, exibe hoje grande desenvoltura e se expande ao arrepio das normas econômicas e vai, mesmo, de encontro ao texto constitucional (art. 49, XIV), que, sobre a matéria, dispõe claramente: "É da competência exclusiva do Congresso Nacional... aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares".

     No ano de 1974 assinou o Brasil um acordo nuclear com a Alemanha pelo qual esse País transferia a seu contratante tecnologias de projetos e construção de usinas nucleolétricas; de projetos e fabricação de componentes para essas usinas; de fabricação do combustível nuclear, bem como as tecnologias chamadas sensíveis, de enriquecimento isotópico de urânio e de reprocessamento de combustível irradiado. Para o desenvolvimento desse acordo, o Brasil assinou com a Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA um acordo de salvaguardas, pelos qual se compromete a usar essas tecnologias unicamente para fins pacíficos, utilização, aliás, que se acha inscrita na Constituição Federal de 1988.

     O intenso esforço dos técnicos encarregados de receber e fixar a tecnologia transferida acabou por revelar alguns pontos vulneráveis no estabelecimento de uma indústria nuclear no Brasil, os quais não se inseriam no real escopo da tecnologia nuclear, propriamente dita, por abranger aspectos de caráter mais geral, mas que, ao mesmo tempo,não permitiriam o desenvolvimento da indústria. O Brasil não detinha essa tecnologia, compreendendo ligas metálicas especiais, compostos químicos e sofisticados componentes eletrônicos que constavam das listas de restrições à exportação dos países desenvolvidos.

     Para contornar tais vulnerabilidade e obter conhecimento tecnólogico, mas não para produzir tais itens, uma vez que em sua maioria, não haveria escala econômica para justificar sua produção, foi criado o Programa Autônomo de Tecnologia Nuclear (PATN). Quebrar-se-ia, assim, a resistência de países exportadores, pois a tecnologia estaria dominada. Por razões políticas - e lisuras no cumprimento do acordo sobre as salvaguardas - tal programa foi alocado à CNEN, ficando a Nuclebrás encarregada da transfêrencia da tecnologia.

     No entanto, o que se viu ao longo do tempo foi uma radical inversão de papéis: o Programa Paralelo, marginal (strictu sensu), passou a ser oficial, sem se oficializar, e o programa oficial passou a ser paralelo, marginal, no sentido pejorativo da expressão.

     Nessa questão, interesses escusos e duvidosos passaram a ser levados em conta nas decisões, fazendo com que fosse levantada uma série de questões. Por exemplo: por que foram paralisadas as obras de Angra 2 e Angra 3, depois de efetivados 75% dos custos da primeira e 50% dos custos da segunda? Por que estão sendo sucateados os equipamentos que seriam utilizados nas usinas de Peruíbe, São Paulo, semi-acabados na Nuclep, que se dedica hoje exclusivamente à fabricação de submarinos? Por que os planos da Eletrobrás inssistem em programar a inauguração da Amazônia - uma afronta à consciência ecológica e um delicadíssimo aspecto da própria política externa do País - com a construção de usinas maiores que Itaipu, cujos custos, sem incluir as caríssimas linhas de transmissão, superam, ou, no mínimo, se igualam aos das nucleares?

     Por que, com o peso e o respeito da Marinha de Guerra, veicula-se através de entrevistas e de artigos em jornais, de maneira falaciosa e ingênua, a promessa de dar ao Brasil, em quatro anos, a tecnologia que países mais desenvolvidos, dotados de vultosos recursos financeiros, levaram muito mais tempo para conseguir?

     Além dessas questões mencionadas, algumas mais objetivas podem ser colocadas:

     a) Quais os planos e programas do "Programa Autônomo de Tecnologia Nuclear", o programa paralelo que deixou de sê-lo, tornando-se oficial?
     b) Qual fica sendo o status do Programa Nuclear Brasileiro, decorrente do Acordo assinado com a República Federal da Alemanha, portanto, legal e sob controle da sociedade, via aprovação do Congresso Nacional? Torna-se letra morta, sobrepujado por programas que vicejam à margem da fiscalização da Nação?
     c) Por que a sua existência durante muito tempo em absoluto segredo, competindo com o programa energético oficial, do qual deveria ser, se tanto, um complemento?
     d) De onde se originam os recursos? quais as rubricas do Orçamento da União que permitiram a alocação desses recursos?
     e) Que verbas consumiu até agora esse programa?
     f) Foram, na verdade, utilizadas verbas secretas? Em que montante? Quais os titulares da famosa Conta Delta?
     g) Quem fiscaliza os riscos de danos nucleares, os riscos ao meio ambiente? Se é a CNEN que deveria exercer essa fiscalização quem patrocina e encobre as atividades desse programa quase clandestino?
     h) Como fica o Acordo de Salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica com as seguidas transferências de equipamentos e informações do Acordo Nuclear para o Programa Paralelo? Que tipo de aproveitamento se faz dos técnicos formados no exterior e também transferido para esse programa?

     O Brasil vive hoje uma democracia, um estado de direito. Dispensa a tutela de qualquer classe ou segmento da sociedade. É o povo, através de seus legítimos representantes, deputados e senadores, no Congresso Nacional, que deve decidir os destinos da Nação. A Constituição, em seu art. 21, inciso XXIII, diz, expressamente, que é princípio e condição para utilização da energia nuclear a sua destinação pacífica. Um submarino da Marinha de Guerra só tem uma destinação: a defesa militar de nossas águas, de nossa navegação, de nossa soberania. Haverá necessidade, por fatos supervenientes, de se construir uma força nuclear? Não se pode, a priori, negar essa necessidade, mas temos de fazer valer a autoridade constitucional, revendo após ampla discussão com as forças vivas da Nação - das quais a nossa gloriosa Marinha é parte integrante e exponencial - se for o caso, o texto constitucional, para legitimar a existência da força naval nuclear. Antes, não; seria descumprir de forma acintosa o caminho que o povo, através de seus constituintes, escolheu.

     No caso desse programa nuclear paralelo, verifica-se, com cristalina nitidez, que a soberania e a autoridade do Legislativo vêm sendo arranhadas. O art. 21, inciso XXIII, determina, como "princípio e condição" que só será admitida a atividade nuclear "mediante aprovação do Congresso Nacional". E o art. 49, inciso XIV, dá competência exclusiva ao Congresso Nacional para "aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares". Esses dois dispositivos constitucionais impõem ao Congresso Nacional o dever de se manifestar a respeito, pois as atividades nucleares existentes antes da vigência da atual Constituição, que continuariam a existir em razão do princípio do fato consumado e do direito adquirido, estão sendo ampliadas, em flagrante e acintoso desafio ao texto constitucional e às atribuições do Congresso Nacional. Mais ainda, o Programa Paralelo está construindo reatores e até se propõe a dotar o Brasil de nova tecnologia de reatores e construí-los, intenção louvável. Ocorre, apenas, que tudo isso se dá sem  observância do disposto no § 6 do art. 225 da Constituição, que obriga a existência de lei específica autorizando a localização de reatores.

     Em síntese, estamos falando não de boas intenções, mas de aberto desrespeito, não a uma lei comum, mas à própria Constituição, conquista fundamental da sociedade, em três dispositivos distintos. 

     O Congresso Nacional tem a obrigação de investigar essas questões em profunidade e o instrumento próprio é uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

     Sala das Sessões, 19 de abril de 1990

DEPUTADOS

     Anna Maria Rattes - José Luiz Maia - Roberto Freire - Augusto Carvalho - Márcio Braga - Gilberto Carvalho - Sotero Cunha - Marcos Queiroz - José Carlos Grecco - Naphitali Alves de Souza - Alexandre Puzyna - Murilo Leite - Sérgio Spada - Jesualdo Cavalcanti - José Tavares - Antonio Carlos Konder Reis - Eliel Rodrigues - Ronaldo Carvalho - Bezerra de Mello - Paulo Paim - Raimundo Bezema - Antonio Marangon - Carlos Cardinal - Gandi Jamil - Ubiratan Spinelli - Carlos Cotta - Nelson Jobim - José Costa - Elias Murad - Roberto Rollemberg - Lucia Vania - Jorge Hage - Doutel de Andrade - Luiz Salomão - Leomar Quintanilha - Osmundo Rebouças - Ivo Vanderlinde - Amaury Muller - José Gomes - Renato Bernardi - Manguito Vilela - Rose de Freitas - José Natal - Robson Marinho - Renato Vianna - Fernando Gasparian - Jorge Leite - Miraldo Gomes - Paulo Sidnei - Fernando Cunha - Nelton Friedrich - Aldo Arantes - Mauoro Campos - Luiz Marques - Átila Lira - Raquel Candido - Mauro Sampaio - Acival Gomes - Nestor Duarte - Joaquim Sucena - Virgildasio de Senna - Paulo Roberto - Marcos Formiga - Agassiz Almeida - Milton Barbosa - Sergio Brito - Jales Fontoura - Joaquim Haickel - Eduardo Moreira - Ruberval Pilloto - Moema São Thiago - Maurício Fruet - Fausto Fernandes - Gonzaga Patriota - Carlos Vinagre - Nelson Seixas - Walmor de Lucca - Fernando Vellasco - Carrel Benevides - Ottomar Pinto - Tadeu França - José Dutra - Victor Faccioni - Oscar Correa Júnior - Ibere Ferreira - Saulo Coelho - Antonio Perosa - Pedro Canedo - Geraldo Alckmin Filho - Cristina Tavares - Nelson Sabra - Helio Duque - Irajá Rodrigues - Lídice da Mata - Flavio Palmier da Veiga - Salatiel Carvalho - Nelson Sguarezi - Claudio Avila - Farabulini Junior - Ubiratan Aguiar - Bete Mendes - Jorge Gama - Sigmaringa Seixas - Raul Ferraz - Raquel Capiberibe - Vinicius Cansação - Manuel Domingos - Sarney Filho - Freire Junior - Gonzaga Patriota - João Machado Rollemberg - Paulo Marques - Jayme Campos - Carlos Alberto Caó - Mílton Lima - Amaury Múller - Geraldo Campos - Doreto Campanari - Mello Reis - Ervin Bonkoski - Paulo Ramos - José Tinoco - Helio Manhães - Acival Gomes - Antonio Mariz - Edmilson Valentim - José Mauricio - Antonio Augusto - Gerson Marcondes - Valter Pereira - Edmundo Galdino - Mario Lima - Aécio Neves - Manoel Viana - Mendes Botelho - José Guedes - Gabriel Guerreiro - Ziza Valadares - Edesio Frias - Chico Humberto - Eunice Michiles - Maluly Neto - Cesar Cals Neto - Ronaldo Cezar Coelho - Haroldo Lima - Leopoldo Souza - Luiz Eduardo Grenhalgh - Aloísio Vasconcelos - Jaime Paliarin - Adylson Motta Lucia Braga - Beth Azize - Paulo Macarini - Rosario Congro Neto - João Cunha - Waldyr Pugliesi - Vilson Sousa - Adroaldo Streck - Luiz Salomão - Fernando Santana - Etevaldo Nogueira - Geovani Borges - José Moura - João de Deus - Santinho Furtado - Jovanni Masini - José Freire - Plínio de Arruda Sampaio - Luiz Gushiken - Luiz Inacio Lula da Silva - Benedita da Silva - João Paulo - Eduardo Jorge - Antero de Barros - Ruy Nedel - Benedicto Monteiro - Gerson Peres - Antonio Câmara - Alcides Lima - José Genoíno - Jesus Tajra - Julio Campos - Manoel Moreira - Cesar Maia - Eraldo Tinoco - Marcelo Cordeiro.

SENADORES

     Maurício Corrêa - Jamil Haddad - José Paulo Bisol - Mansueto de Lavor - Márcio Lacerda - Mário Covas - Mendes Canale - Mauro Borges - João Castelo - Aluizio Bezerra - Nabor Junior - Chagas Rodrigues - Moises Abrão - Pompeu de Sousa - Mauro Benevides - Mario Maia - Ronaldo Aragão - Carlos Patrocínio - Edison Lobão - Wilson Martins - Meira Filho - Divaldo Suruagy - Leopoldo Peres - Jarbas Pasarinho - Teotônio Vilela Filho - Gerson Camata.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional de 20/04/1990