Legislação Informatizada - MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.140, DE 27 DE OUTUBRO DE 2022 - Exposição de Motivos

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.140, DE 27 DE OUTUBRO DE 2022

Institui o Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual no âmbito dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e distrital.

EMI nº 00062/2022 MEC MMFDH

Brasília, 31 de Outubro de 2022

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     1. Submetemos à sua elevada consideração a proposta de Medida Provisória que visa à criação do Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual no âmbito do Sistema de Ensino Federal, Estadual, Municipal e Distrital.

     2. O assédio sexual é uma espécie de violência que se encontra tipificada no Código Penal Brasileiro e, de acordo com o art. 216-A do referido diploma, consuma-se quando o agente assediador constrange alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. A tipificação do crime é relativamente recente, se considerado o histórico de violência cometida nesse sentido no Brasil.

     3. A Organização Internacional do Trabalho - OIT define assédio sexual como atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir: ser uma condição clara para manter o emprego; influir nas promoções da carreira do assediado; prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima; ameaçar e fazer com que as vítimas cedam por medo de denunciar o abuso; e oferta de crescimento de vários tipos ou oferta que desfavorece as vítimas em meios acadêmicos e trabalhistas, entre outros, e que no ato possa dar algo em troca, como possibilitar a intimidade para ser favorecido no trabalho.

     4. Informa-se ainda que foi estabelecido pela jurisprudência um outro tipo de assédio sexual, "o assédio sexual pelo ambiente", que independe de posição superior hierárquica do assediador.

     5. Assédio sexual por intimidação ou ambiental ocorre quando há provocação sexual inadequada que tenha o efeito de prejudicar o desempenho de um indivíduo ou criar uma situação ofensiva, intimidadora ou humilhante.

     6. Diante disso, a jurisprudência é uníssona:

     ASSÉDIO SEXUAL POR CHANTAGEM E POR INTIMIDACAO OU AMBIENTAL. Configura-se assédio sexual por chantagem aquele praticado por superior hierárquico consubstanciado na troca de vantagens advindas do vínculo empregatício por favores de cunho sexual. O assédio ambiental ou por intimidação dá-se por uma atuação generalizada violando o direito a um meio ambiente de trabalho sexualmente sadio e concretiza-se por frases ofensivas de cunho sexista, apalpadas, gestos, criando situações humilhantes ou embaraçosas, sempre de cunho libidinoso no ambiente de trabalho. No caso sub oculi, as ações do gerente administrativo e financeiro da reclamada se caracterizam nas duas modalidades acima apontadas. Além de chantagear a obreira condicionando a percepção de aumento salarial e vantagens fornecidas pela empregadora a seus empregados, ao cumprimento de favores de natureza sexual, valendo-se da sua condição de superioridade hierárquica, tornou o ambiente de trabalho envenenado na medida em que não se acanhava em postar-se na porta para se esfregar nas trabalhadoras que ali passassem, fazendo questão de demonstrar sua devassidão perante as colegas de trabalho da obreira, quando as convocava para sua sala e em seu computador passava filmes de conteúdo pornográfico, mediante os quais exibia cenas de sexo explícito e ainda as submetia à humilhação de ter que ouvir "que era para elas aprenderem a fazer direitinho". Ditas condutas produziram constrangimento no ambiente de trabalho da obreira e transtorno em sua vida pessoal, gerando dano moral que deve ser indenizado.

     (PRIMEIRA TURMA DETRT14 n.222, de 01/12/2011 - 1/12/2011 assédio sexual; chantagem; intimidação; ambiental; RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 1063 RO XXXXX (TRT-14) DESEMBARGADOR ILSON ALVES PEQUENO JUNIOR).

     7. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça - STJ proferiu a seguinte decisão:

RECURSO ESPECIAL. ASSÉDIO SEXUAL. ART. 216-A, § 2º, DO CP. SÚMULA N. 7 DO STJ. NÃO APLICAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. HARMONIA COM DEMAIS PROVAS. RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO. INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Não se aplica o enunciado sumular n. 7 do STJ nas hipóteses em que os fatos são devidamente delineados no voto condutor do acórdão recorrido e sobre eles não há controvérsia. Na espécie, o debate se resume à aplicação jurídica do art. 216-A, § 2º, do CP aos casos de assédio sexual por parte de professor contra aluna. 2. O depoimento de vítima de crime sexual não se caracteriza como frágil, para comprovação do fato típico, porquanto, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, a palavra da ofendida, nos delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas que instruem o feito, situação que ocorreu nos autos. 3. Insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, toca partes de seu corpo (barriga e seios), por ser propósito do legislador penal punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual - dado que o docente naturalmente suscita reverência e vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal - para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida. 4. É patente a aludida "ascendência", em virtude da "função" desempenhada pelo recorrente - também elemento normativo do tipo -, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a "ascendência" constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao texto legal. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1759135/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 01/10/2019).

     8. Dessa feita, para que fique caracterizado o assédio sexual pelo ambiente não é necessário que aquele que assedia seja superior hierárquico da vítima, requisito necessário apenas a responsabilização penal, conforme explicitado nas jurisprudências acima.

     9. Dessa forma, Ilma Passos Alencastro Veiga, José Carlos Souza Araújo e Célia Kapuziniak (2005), definem que:

     [...] em relação à constituição ética inerente à atividade docente - centralmente fundada em interações -, propõe-se aqui uma distinção: a) de um lado, trata-se de refletir sobre o convívio entre os sujeitos envolvidos (professores, alunos, pais e os próprios pares - professores e gestores); b) de outro, sobre as interações de ordem socioinstitucional, o que envolve a corporação docente (uma dimensão intraprofissional), as relações com a instituição escolar a que o docente serve, bem como as relações com a sociedade a que a instituição se põe à disposição. (VEIGA, ARAÚJO, KAPUZINIAK, 2005, p. 43).

     10. Assim, a ética profissional torna-se componente primordial no que se refere à atuação de servidor público, inclusive de professor, pois, durante a interação entre as partes, podem ter ações capazes de prejudicar a imparcialidade do professor, criando, dessa forma, situações ofensivas aluno.

     11. Desse modo, convém mencionar que, no âmbito da Administração Pública, sendo o assediador um servidor público, este se encontra sujeito à punição na esfera disciplinar, além das já conhecidas punições nas searas penal e civil. Por outro lado, no âmbito das Instituições de Ensino Privadas, sendo o assediador um profissional da educação, a responsabilização pelo assédio é apurada e punida nas instâncias competentes.

     12. O tema tem ganhado a devida atenção de algumas instituições públicas/entidades que, no âmbito de seus programas de integridade, vêm estabelecendo ações para o combate e a prevenção. Citam-se, à vista disso, as ações desenvolvidas pelo Senado Federal, Controladoria-Geral da União ‒ CGU, Conselho Nacional de Justiça ‒ CNJ, Governo do Distrito Federal ‒ GDF, Ministério do Desenvolvimento Regional ‒ MDR.

     13. Sob esse aspecto, é importante assinalar que, segundo estudo temático realizado no âmbito da Controladoria-Geral da União, os casos de assédio sexual não se distribuem de maneira homogênea no âmbito da Administração Pública Federal, conforme se pode observar na tabela em anexo, extraída do referido estudo.

     14. Do precitado estudo, pode-se extrair que 42 (quarenta e dois) processos foram instaurados em unidades vinculadas ao Ministério da Educação ‒ MEC e 15 (quinze) dos 49 (quarenta e nove) casos analisados envolvem o binômio professor/aluno.

     15. O estudo mencionado teve como foco a abordagem correcional do assunto, porém a pesquisa fornece importantes indicadores para a Administração Pública Federal, sobretudo para o MEC.

     16. Diante desse contexto fático, é preciso desnaturalizar a ideia de que a prática do assédio sexual se encontra circunscrita apenas ao ambiente laboral. Observa-se de notícias veiculadas por periódicos jornalísticos, por exemplo, que: (i) o estado de São Paulo registra em média um estupro e/ou uma tentativa de estupro por dia em estabelecimentos escolares públicos e privados - incluindo berçários; (ii) no estado do Pará, é registrado um caso de violência sexual em escolas públicas toda semana; (iii) no estado do Rio de Janeiro, são registrados em média 7,3 casos por mês de violência em estabelecimentos de ensino; (iv) em Minas Gerais, são registrados em média 6 casos por mês; (v) no Paraná, 13,8 por mês.

     17. A despeito de tais notícias, a doutrina acerca do assunto não é pacífica quanto à configuração do assédio sexual na relação entre docente e discente, porém merece destaque a tese formulada por Luiz Regis Prado de que, na ascendência, elemento normativo do tipo, não se exige uma carreira funcional, mas apenas uma relação de domínio, de influência, de respeito, e até mesmo de temor reverencial como aquela estabelecida entre professor-aluno em sala de aula.

     18. Nesse contexto, a socióloga Tânia Mara Almeida coloca que:

     [...] O espaço universitário, por se constituir duplamente como crítico e pedagógico, deve incentivar a desconstrução do senso comum de mitos e preconceitos em relação à violência contra as mulheres, promovendo, através de ações contínuas e monitoradas, mudança cultural e organizacional a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito e valorização às diversidades nas suas inúmeras instâncias institucionais e inúmeras interações sociais - inter e intra docentes, servidores/as, terceirizados/as e estudantes. (ALMEIDA 2017, p. 397).

     19. O Superior Tribunal de Justiça reconhece o assédio sexual na relação docente-discente, conforme julgado, segundo o qual foi reconhecido que, no tipo penal de assédio sexual, a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, se aproxima de aluno com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, por ser propósito do legislador penal punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual ‒ dado que o docente naturalmente suscita reverência e vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal ‒ para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida.

     20. Perante o exposto, é indubitável que o assédio sexual merece a devida atenção do Ministério da Educação, pois é dever das instituições de ensino garantir a integridade física e psíquica do estudante a fim de que o Estado cumpra o seu papel constitucional de promover a educação, sobretudo considerando a solene proclamação de direitos humanos fundamentais realizada por tratados internacionais e pela Constituição Federal de 1988 no que se refere à proteção jurídica do corpo humano.

     21. Importa destacar que a proposta se encontra em conformidade com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e primeiramente pela ordem constitucional, tendo em vista que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal, estabelece privativamente ser competência da União determinar diretrizes e bases da educação nacional, devendo, portanto, zelar pelas melhores condições de aplicabilidade do preceito Constitucional.

     22. É dever do Estado, também, assegurar a saúde física e psíquica, que são bens jurídicos de todas as pessoas e acabam sendo violados de maneira extrema pela conduta criminosa do assédio sexual quando este resta impune.

     23. Ressalta-se a urgência em tornar efetivas as ações instituídas pela Medida Provisória que Institui o Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual no âmbito do Sistema de Ensino Federal, Estadual, Municipal e Distrital, sobretudo em virtude do aumento expressivo de casos no âmbito dos estabelecimentos de ensino, conforme já demonstrado nesta Exposição de Motivos.

     24. Nesse diapasão, é necessário ressaltar ainda que as consequências nefastas da prática do assédio sexual nas instituições de ensino atenta contra a integridade e a segurança dos alunos, em especial, no caso das escolas de educação básica, de crianças e adolescentes, submetendo a risco iminente o próprio direito à vida.

     25. Por esse motivo, é patente a necessidade de responder rapidamente às vicissitudes impostas por essa fatídica realidade, sendo, pois, os dados sobre a alta e crescente incidência de casos de assédio sexual nos estabelecimentos de ensino elementos bastantes para conferir, inclusive, contornos objetivos à urgência da qual se reveste a presente Medida Provisória.

     26. Por fim, esclarece-se que, nos termos da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a presente Medida Provisória não acarretará impacto orçamentário para a União, pois o que se pretende é estimular o combate ao assédio sexual no âmbito das instituições educacionais, trazendo diretrizes gerais para a formulação das políticas de integridade dos estabelecimentos de ensino.

     27. Entrementes, as ações a serem adotadas pela União, por meio do Ministério da Educação, para a implementação do Programa encontram-se no bojo da assistência técnica, em matéria educacional, já exercida pelo MEC, e consistirão, sobretudo, na disponibilização em seu sítio eletrônico, de material em formato digital com as informações instrutivas. Outras ações que possam eventualmente ser implementadas serão suportadas pelas dotações orçamentárias já existentes na Pasta.

     28. Por todas essas razões, o envio ao Congresso Nacional da Medida Provisória que ora se sugere é medida de urgência.

     Respeitosamente,

VICTOR GODOY VEIGA
CRISTIANE RODRIGUES BRITTO


Este texto não substitui o original publicado no Portal da Presidência da República de 27/10/2022


Publicação:
  • Portal da Presidência da República - 27/10/2022 (Exposição de Motivos)