Legislação Informatizada - MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.103, DE 15 DE MARÇO DE 2022 - Exposição de Motivos

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.103, DE 15 DE MARÇO DE 2022

Dispõe sobre a emissão de Letra de Risco de Seguro por meio de Sociedade Seguradora de Propósito Específico, as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis, e a flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.

EM nº 00023/2022 ME

Brasília, 4 de Fevereiro de 2022

     Senhor Presidente da República,

     1. Submeto à sua apreciação minuta de Medida Provisória que trata sobre i) a emissão de Letras de Riscos de Seguros (LRS) via Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE); ii) o Marco Legal das Companhias Securitizadoras; e iii) a flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.

     I. Emissão de Letras de Riscos de Seguros (LRS) via Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE)

     2. Senhor Presidente, essa proposta de regulamentação é inspirada nos Insurance Linked Securities (ILS), um instrumento de captação que é amplamente utilizado por seguradoras e resseguradoras no exterior. LRS são títulos vinculados a uma carteira de apólices de seguros e resseguros, que transmite aos investidores de tais valores mobiliários o risco/retorno proveniente das atividades de seguro ou resseguro.

     3. Do ponto de vista de um investidor, a LRS é um título de renda fixa, com prazos diversos cujo retorno é atrelado a fatores de risco de seguro, parametrizados, facilmente identificados, como enchentes, ventania, granizo e catástrofes climáticas em uma região prédefinida. Se durante o prazo de vigência da LRS não ocorrer o fator de risco na escala predefinida, o investidor recebe de volta o capital investido, acrescido de um retorno para compensar o risco assumido, além da remuneração do ativo investido pela companhia Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE). Caso ocorra um sinistro, o investidor não recebe esse retorno e pode perder parte do capital investido, que será utilizado pela SSPE para pagamento das correspondentes indenizações devidas.

     4. Eventos recentes que abalaram o País, tais como o rompimento de barragens e enchentes em diversos estados, demonstram a necessidade da existência de um mercado de seguros estruturado para combater o efeito de catástrofes. No mundo, o instrumento LRS é utilizado principalmente para fazer a cobertura de grandes riscos com baixa probabilidade de ocorrência.

     5. A criação e a regulamentação das LRS contribuirão para o desenvolvimento do mercado de capitais e dos mercados segurador e ressegurador brasileiros. As LRS podem aumentar a capacidade do mercado segurador na medida em que pulverizam os riscos de seguro para o mercado de capitais por intermédio das SSPE, que emitem e distribuem esses títulos, além de administrar os ativos que os garantem. A SSPE remunera os investidores com parte ou totalidade do prêmio arrecadado, e ainda complementa a remuneração dada aos investidores com a rentabilidade obtida nos ativos que garantem os títulos. Caso ocorra o sinistro, os recursos administrados pela SSPE serão utilizados para ressarcimento dos danos, objeto do contrato de cessão de riscos.

     6. A norma proposta permitirá que a SSPE tenha finalidade exclusiva e que realize operações, independentes patrimonialmente, de aceitação de riscos de seguros, de previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão, denominados como riscos de seguros e resseguros.

     7. O objetivo é baratear e simplificar as operações de riscos, trazendo recursos dos mercados de capitais para o mercado de seguros. Na outra ponta, os investidores terão mais um ativo disponível no mercado, não atrelado ao ciclo econômico.

     8. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disporá acerca de aspectos ligados à operacionalização das LRS, emissão e distribuição dos títulos, dentre outros, quando a oferta for pública. O órgão regulador de seguros, dentro de suas respectivas competências, disporá sobre os efeitos da operação na SSPE, além de determinar os tipos de riscos passíveis de serem aceitos via LRS.

     9. O Conselho Monetário Nacional (CMN) disporá acerca de quais os ativos que poderão ser adquiridos pela SSPE para serem utilizados como lastro das LRS, dentro do rol de ativos permitidos para o mercado de seguro e resseguro. Ato conjunto do CMN e do órgão regulador de mercado de seguros ainda disciplinará a atuação, os requisitos, as atribuições e responsabilidades, entre outros, do agente fiduciário nas operações de aceitação de riscos, incluindo os casos em que houver necessidade.

     10. Atualmente, os investidores que desejam investir neste tipo de produto devem recorrer ao mercado internacional. Permitir esse produto no País será também benéfico às seguradoras, entidades de previdência complementar e operadoras de saúde suplementar, e, por conseguinte, para consumidores, uma vez que concederá uma alternativa ao resseguro por meio da aceitação de risco pelo mercado.

     11. O mercado de capitais representa hoje cerca de 15% do volume total mundial de operações de transferências de riscos, antes restritas ao resseguro tradicional, com tendência de alta.

     12. A Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) nº 396/2020 permite que resseguradores locais possam se financiar por meio de dívida vinculada a riscos de resseguros, utilizando instrumentos como a LRS. Com esta proposta, por meio da SSPE, será possível ampliar de forma relevante a captação de recursos no mercado financeiro, sendo fundamental e urgente para adequação do mercado de seguros às exigências atuais.

     13. Justifica-se, assim, em síntese, a urgência da medida pela necessidade imediata de possibilitar a captação de recursos, inclusive em âmbito internacional, que possibilite o mercado segurador do País cobrir eventos de grandes riscos e de maior complexidade, hoje não cobertos de forma satisfatória pelo sistema.

     14. Destaca-se, ainda, a relevância da medida proposta em função de sua capacidade de proporcionar maior alocação de riscos entre os agentes econômicos, reduzindo a lacuna de cobertura de grandes riscos, que impede inclusive o desenvolvimento e expansão de atividades econômicas. Com a criação e a regulamentação das Letras de Riscos de Seguros (LRS), por meio de uma SSPE, espera-se que haja um aumento expressivo de captação de recursos - tanto de investidores nacionais quanto de estrangeiros - trazendo maior oferta e cobertura de grandes riscos.

     II. Criação do marco legal das companhias securitizadoras

     15. A proposta de Medida Provisória também versa sobre a criação do Marco Legal das Securitizadoras, estabelecendo as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de certificados de recebíveis. Define essas companhias securitizadoras como instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, que tem por finalidade a aquisição de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis (CR) e títulos correlatos. Trata-se de importante avanço normativo para garantir maior segurança jurídica e melhor desenvolvimento do sistema de contratos de securitização, pois atualmente os elementos constitutivos deste mercado estão regidos de modo esparso em Leis específicas.

     16. Esse marco irá disciplinar diversos aspectos relacionados às securitizadoras e ao mercado de certificados de recebíveis (CR), sobretudo: (i) definição de companhias securitizadoras e operações de securitização; (ii) competências da CVM para expedir regras sobre CR e outros valores mobiliários correlatos; (iii) caráter escritural e de livre negociação dos créditos de recebíveis; (iv) normas de direito cambial aplicadas aos CR; (v) possibilidade de emissões de séries e revolvência; vi) captação de recursos no exterior; (vii) regime fiduciário e patrimonial; (viii) situações de falência ou insolvência, bem como disciplina de forma unificada aspectos relativos aos certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e imobiliários (CRI).

     17. Dentre os potenciais benefícios para os agentes econômicos envolvidos em operações de securitização estão: (i) diversificação das fontes de financiamento; (ii) redução do custo de captação em comparação ao que poderia ser obtido no mercado bancário tradicional; (iii) menor necessidade de comprometimento de ativos em garantias; (iv) redução do endividamento (alavancagem) da empresa originadora; e (v) a transferência dos riscos relacionados aos recebíveis para investidores.

     18. Assim, a urgência da medida é justificada pela possibilidade imediata de ampliar o crédito a um custo menor, tendo em vista os benefícios citados anteriormente, aliados à maior segurança jurídica dos contratos de recebíveis e de securitização para todos os setores e agentes econômicos.

     19. Por fim, ao aperfeiçoar a regulamentação da atuação das companhias securitizadoras e de operações de securitização em Lei, a medida proposta é relevante pois possibilitará um avanço na consolidação do mercado de crédito de recebíveis, com efeitos diretos e indiretos em diversos setores da economia.

     III. Flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários

     20. Por fim, a proposta busca flexibilizar a exigência de prestação dos serviços de escrituração e custódia exclusivamente por instituições financeiras, por meio de alteração de dispositivos das Leis nº 6.404 (Lei das Sociedades por Ações), de 1976, e nº 6.385, de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários ("CVM").

     21. As atividades de custódia e de escrituração de valores mobiliários são regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários pelas Instruções CVM nº 542 e nº 543, editadas em 20 de dezembro de 2013. Ambas as atividades preveem a prestação de tais serviços no mercado de valores mobiliários exclusivamente por instituições financeiras, em observância aos comandos existentes no art. 24 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e no art. 34, § 2º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

     22. No contexto atual, a CVM vem promovendo diversas iniciativas para expandir o acesso ao mercado e acolher inovações que venham a promover ganhos de eficiência e inclusão financeira no mercado de capitais. Exemplos de tais iniciativas são as normas que regulamentam o investimento participativo ("crowdfunding de investimento" ou "crowdfunding"), regulamentado pela Instrução CVM nº 588, de 13 de julho de 2017, e o sandbox regulatório ("sandbox"), regulamentado pela Instrução CVM nº 626, de 15 de maio de 2020, destinado às empresas que busquem testar produtos e serviços inovadores em um ambiente controlado, sujeitas a menos restrições regulatórias em caráter experimental.

     23. A CVM, bem como os demais reguladores, não pode flexibilizar requisitos legais para as experiências no sandbox; apenas requisitos regulatórios de suas próprias normas. Dessa maneira, as alterações legais propostas permitiriam à CVM modular tal exigência e eventualmente afastá-la para determinados mercados, como seria, provavelmente, o caso da prestação do serviço de escrituração para o mercado de crowdfunding de investimento. A Comissão poderia, também, flexibilizar pontualmente tal exigência para algumas empresas testarem novas tecnologias, como o blockchain, no âmbito de seu sandbox.

     24. Neste contexto, em linha com os argumentos apresentados que justificam a urgência e relevância das medidas anteriores, esta medida complementa as demais, uma vez que pode incentivar o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações no mercado de capitais brasileiros, a serem desenvolvidas em ambiente controlado e supervisionado pelo regulador, de forma a mitigar os riscos associados.

     25. Em síntese, a relevância e urgência das propostas dos modelos de securitização da medida são amplos para cobrir as necessidades de recuperação econômica e para as atuais circunstâncias de riscos complexos e significativos. Em primeiro lugar, os modelos de securitização permitirão que os diversos agentes econômicos, inclusive instituições financeiras, transfiram os riscos de suas atividades e liberem recursos para novos financiamentos. Ademais, permitem que os agentes econômicos tenham maior proteção a oscilações de mercado, estabilizando potencialmente o fluxo de crédito.

     26. Por sua vez, os instrumentos criados servirão como importantes ferramentas de gestão de risco que são hoje inexistentes, permitindo às empresas alcançarem um conjunto mais diversificado de atividades econômicas. Isso tenderá a reduzir o custo de assunção de riscos e, por sua vez, este benefício deve ser repassado às famílias na forma de uma maior gama de serviços e produtos e condições mais favoráveis de crédito.

     27. Essas, Senhor Presidente, são as razões que motivam a presente proposta de Medida Provisória. Respeitosamente,

PAULO ROBERTO NUNES GUEDES


Este texto não substitui o original publicado no Portal da Presidência da República de 16/03/2022


Publicação:
  • Portal da Presidência da República - 16/3/2022 (Exposição de Motivos)