Legislação Informatizada - MEDIDA PROVISÓRIA Nº 930, DE 30 DE MARÇO DE 2020 - Exposição de Motivos

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 930, DE 30 DE MARÇO DE 2020

Dispõe sobre o tratamento tributário incidente sobre a variação cambial do valor de investimentos realizados por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil em sociedade controlada domiciliada no exterior e sobre a proteção legal oferecida aos integrantes do Banco Central do Brasil no exercício de suas atribuições e altera a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, que dispõe, dentre outras matérias, sobre os arranjos de pagamento e sobre as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro.

EM nº 00007/2020 BACEN

Brasília, 27 de Março de 2020

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     Submeto à consideração de Vossa Excelência a anexa minuta de Medida Provisória, que visa a alterar a legislação para aperfeiçoar o funcionamento do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e tornar mais eficientes a atuação do Banco Central do Brasil (BCB) e a tributação de instituições financeiras e demais instituições supervisionadas pelo BCB. As medidas contidas na proposta buscam, em especial: i) diminuir as distorções resultantes da assimetria de tratamento tributário entre as variações cambiais dos investimentos realizados por instituições financeiras e demais instituições supervisionadas pelo BCB em sociedade controlada estabelecida no exterior e sua respectiva proteção cambial; ii) conferir a necessária proteção legal aos integrantes da Diretoria Colegiada e aos membros das carreiras do BCB para exercício de suas atribuições; iii) promover aprimoramentos na legislação relativa à prestação de serviços de pagamento, no âmbito de arranjos de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB); e iv) promover ajuste na disciplina legal da letra financeira.

     2. Sobre a primeira medida, consistente na redução de distorções tributárias, cumpre esclarecer incialmente o contexto das operações que serão alcançadas pela alteração normativa. As instituições financeiras e demais instituições supervisionadas pelo BCB com investimento em sociedade controlada no exterior realizam operação, no Brasil, para cobertura do risco (hedge) relativo a essa posição cambial, de modo a neutralizar os efeitos da variação cambial no seu Patrimônio. Mas além desse hedge, é necessária, ainda, a contratação de proteção excedente a esse valor, devido à assimetria de tratamento tributário entre os resultados da variação cambial do investimento no exterior, que não afetam a tributação pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), e o resultado do hedge que compõe a base de cálculo desses tributos. Sem essa proteção, o resultado conjunto das duas posições, quando líquidos de tributos, não se compensam.

     3. Essa assimetria de tratamento tributário produz diversos efeitos indesejados, com aumento dos custos de transação e impacto na arrecadação tributária, e esses efeitos se acentuam em momentos de maior volatilidade no mercado cambial, como no cenário atual. A necessidade de realizar proteção excedente ao valor do investimento gera ineficiência operacional, pois aumenta os custos operacionais do hedge, que podem ser repassados aos demais agentes da economia. Por outro lado, a volatilidade cambial tende a gerar movimentos de incremento e de redução da base tributária, contaminando a arrecadação, o que dificulta a gestão orçamentária dos recursos da União.

     4. Nesse cenário, o risco de liquidez das instituições em questão é potencializado. Normalmente, as operações de proteção são realizadas por meio de contratos futuros de dólar e de cupom cambial em bolsas de valores, que exigem depósitos de margem comensuráveis ao risco das operações. Em momentos de maior volatilidade cambial, é esperado ainda que as instituições sejam chamadas a recompor essa margem. Dessa forma, em situações de liquidez desfavoráveis, as perdas com as operações de proteção não podem ser prontamente compensadas com a realização de ganhos na valorização dos investimentos no exterior.

     5. Além disso, o risco de liquidez apontado acima pode retroalimentar a volatilidade do mercado de câmbio, tendo em vista que, na hipótese de as instituições, sob influência dessa volatilidade, decidirem se desfazer dos seus investimentos no exterior, haverá pressão de desmonte da proteção cambial.

     6. Diante disso, através da presente minuta de Medida Provisória, propõe-se igualar, em 2022, a tributação sobre a variação cambial da parcela do valor do investimento coberta pelo hedge, com o da variação cambial do respectivo hedge, eliminando assim a necessidade de proteção excedente ao valor do investimento. De acordo com a proposta, a implementação deste novo tratamento ocorreria ao longo de dois anos, iniciando no exercício de 2021, na proporção de 50%, e passando para 100% no exercício de 2022.

     7. Complementarmente, durante esse período de transição, é importante que os créditos gerados em função das operações de hedge possam ser aproveitados no caso de ser verificada a falência ou a liquidação extrajudicial das instituições, de modo semelhante ao previsto para os créditos de diferença temporária decorrentes das operações de crédito de liquidação duvidosa, nos termos da Lei nº 12.838, 9 de julho de 2013. Dessa forma, propõe-se aplicar, a partir de 2018 e até a vigência plena da nova regra tributária, o disposto nos arts. 3º a 9º da Lei nº 12.838, de 2013, ao saldo de créditos tributários de prejuízo fiscal decorrentes das operações de proteção cambial do investimento no exterior, originados a partir de 1º de janeiro de 2018.

     8. A urgência e a relevância da medida são incontestes, visto que o mercado de câmbio se encontra em estado de elevada volatilidade por conta dos efeitos do novo Coronavírus (Covid-19), classificado como pandemia, dependendo, assim, do aperfeiçoamento de suas regras. Dessa forma, considerando-se que todos os efeitos prejudiciais, destacados acima, encontram-se exacerbados, mostra-se urgente a ação tempestiva para eliminar a assimetria tributária e fazer cessar esses efeitos.

     9. A segunda medida aqui proposta visa a dispor sobre a não-responsabilização de dirigentes e servidores do BCB quanto aos atos praticados de boa fé no cumprimento de seus deveres constitucionais, legais e regulamentares. Com isso, evita-se que esses agentes estatais, responsáveis pela execução de relevantes políticas públicas, que invariavelmente demandam certo nível de intervenção na economia, respondam judicial ou extrajudicialmente por terem adotado as medidas exigidas pela legislação ou necessárias de acordo com juízo de discricionariedade técnica fundamentado, admitindo-se a responsabilização apenas nos casos de dolo ou fraude.

     10. Ao BCB tem-se reconhecido a autonomia operacional necessária, sendo sua atuação pautada pelo estrito cumprimento da legislação e por avaliações de natureza estritamente técnica, com vistas ao cumprimento dos objetivos mencionados. É necessário, contudo, que os integrantes da Diretoria Colegiada e os membros das carreiras do BCB, quando atuem no exercício de suas atribuições legais, possam dispor de serenidade para adotar medidas tecnicamente apropriadas às diferentes conjunturas, em especial em cenários de crise, que demandam atuações firmes e tempestivas. Ainda hoje correm no Poder Judiciário e em órgãos de controle ações buscando a responsabilização de dirigentes do BCB por medidas adotadas na década de 1990 que garantiram a estabilização monetária, o saneamento do SFN e o controle do mercado de câmbio. A possibilidade de questionamentos futuros por atos praticados de boa-fé, podendo conduzir a demandas judiciais ou junto a órgãos de controle que demoram anos ou mesmo décadas para se concluírem, pode trazer desnecessária pressão sobre agentes públicos que, ao revés, necessitam de tranquilidade para adotar decisões que, conquanto duras, sejam necessárias em cada situação.

     11. Para evitar essas distorções e garantir a atuação autônoma e técnica do BCB, é preciso que seus dirigentes e servidores contem com proteção legal adequada, ficando sujeitos a responsabilização apenas se agirem fora dos contornos legais, isto é, com dolo ou fraude, preservando-os de investidas quanto aos atos praticados de boa-fé no exercício de suas atribuições, durante o período em que perdurarem os efeitos das ações, linhas de assistência e programas adotados pelo Banco Central do Brasil em resposta à crise do coronavírus (Covid-19).

     12. A presente proposta, além de encontrar paralelo com o regime aplicável a outros agentes públicos no Brasil, como visto, encontra-se alinhada às recomendações internacionais atinentes a bancos centrais, a exemplo dos Atributos-Chave para Resolução de Instituições Financeiras, definidos pelo Comitê de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês)(1), e dos Princípios Fundamentais para Supervisão Bancária, expedidos pelo Comitê de Supervisão Bancária de Basileia (BCBS, na sigla em inglês)(2). Também o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem recomendado, em suas avaliações, ao menos desde 2012, o fortalecimento da proteção aos dirigentes do BCB contra eventuais ações judiciais relacionadas ao exercício legítimo de suas competências regulatórias e à prestação de assistência financeira de liquidez.

     13. A relevância da presente medida é inconteste, uma vez que aprimora o regime de proteção legal aplicável a agentes estatais responsáveis pela execução de políticas públicas essenciais, a serem desenvolvidas com a necessária autonomia técnica e operacional, e sem limitações ou ameaças indevidas. A proposição, ademais, assegura a aderência do Brasil a padrões internacionais de atuação de bancos centrais, contribuindo para fortalecer e modernizar o SFN.

     14. Ressalte-se ainda que a proposta se afigura urgente em razão do momento por que passa o País, em que a situação de risco à saúde pública decorrente do novo Coronavírus (Covid-19), classificado como pandemia, tem provocado impactos severos na economia nacional e elevada volatidade ao SFN, exigindo intervenções diversas nos mercados aberto e de câmbio e adoção imediata de outras ações a cargo da Autoridade Monetária, impondo-se garantir a necessária autonomia operacional à atuação dos integrantes da Diretoria Colegiada e dos membros das carreiras do Banco Central do Brasil.

     15. A terceira medida visa a promover aprimoramentos na legislação relativa à prestação de serviços de pagamento, no âmbito de arranjos de pagamento integrantes do SPB, que estão disciplinados na Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013.

     16. No decorrer da atuação do BCB no âmbito dos arranjos de pagamento, um dos aspectos que se têm mostrado mais críticos são os modelos de gerenciamento de riscos desses arranjos. O mercado brasileiro comporta algumas particularidades, especialmente nos arranjos de cartão de crédito, em função, inclusive, do contexto em que esse instrumento surgiu no Brasil, de substituição do cheque e de períodos de inflação muito elevada. Esse contexto suscitou a incorporação de algumas práticas que se consolidaram ao longo do tempo, tais como os prazos de pagamento aos lojistas mais extensos que a média internacional e a existência de um grande volume financeiro em transações parceladas pelos próprios estabelecimentos. Essas particularidades trazem como consequência a existência de relevante exposição a risco entre os participantes da cadeia de obrigações dos arranjos.

     17. Diante desse cenário, a melhor alternativa que se apresenta é a sistemática conhecida pelo mercado como "repasse". O repasse consiste em garantir que o fluxo de pagamentos na cadeia de obrigações do arranjo de pagamento seja mantido, mesmo que determinado participante do arranjo paralise suas atividades por problemas de solvência(3), assegurando, assim, que o dinheiro entregue pelo portador do cartão com a finalidade de honrar seus pagamentos continue chegando aos lojistas. Ao proteger esse fluxo de pagamentos, reduz substancialmente a exposição entre os participantes do arranjo, sem agregar custos, sem impactar os aspectos concorrenciais, à medida que visa a conferir o mesmo tratamento a qualquer participante, independentemente de seu porte.

     18. Para viabilizar a utilização desse mecanismo, é necessário que se estabeleça, do ponto de vista legal, que esse fluxo de pagamentos não pode ser objeto de constrição judicial, nem se sujeitar à arrecadação em regimes concursais, visto que tem como legítimo destinatário o usuário final recebedor dessas transações, o lojista, e não a instituição participante do arranjo. Uma vez que a disciplina legal confira maior clareza a essa proteção, os riscos a serem gerenciados no âmbito do arranjo passarão a ser significativamente menores(4), refletindo em menor necessidade de aporte de garantias, com incremento na proteção dos usuários envolvidos.

     19. Quanto à necessidade de aporte de garantias, ela está relacionada à hipótese de inadimplência dos usuários finais, que, tipicamente, representa uma pequena fração dos pagamentos. Propõe-se, assim, acrescentar dispositivo que também confira proteção para os bens e os direitos alocados a título de garantia, seja pelo instituidor do arranjo, seja pelo participante, com vistas a, novamente, assegurar o cumprimento das obrigações, no âmbito dos arranjos. Trata-se de mais uma importante medida de gerenciamento de riscos, que garantirá uma adequada tutela a um patrimônio que se destina à higidez e solidez dos arranjos de pagamento.

     20. Ainda, considerando a necessidade de se resguardar a economia popular, propõe-se estender o alcance dos dispositivos que tratam da proteção dos recursos mantidos em conta de pagamento e do fluxo de pagamentos entre os participantes na cadeia de obrigações do arranjo aos participantes e aos instituidores de arranjos de pagamento, ainda que esses atores e respectivos arranjos não integrem o SPB.

     21. Assim, demonstrada a relevância das medidas apresentadas, a urgência da matéria se justifica pela necessidade imediata de prover condições ao mercado para dar tratamento adequado ao risco financeiro nos arranjos de pagamento, garantindo efetiva proteção dos pagamentos aos lojistas, sem inviabilizar ou tornar demasiadamente oneroso o uso de cartão de crédito no Brasil.

     22. As incertezas quanto aos efeitos do novo Coronavírus (Covid-19), classificado como pandemia, sobre a economia nacional e internacional tornam ainda mais urgente a adoção de medidas que garantam maior segurança na cadeia de obrigações de arranjos de pagamento e permitam que lojistas, por exemplo, possam fazer uso de recebíveis de maneira mais segura e a um menor custo. Ao mesmo tempo, é preciso ter à disposição instrumentos para lidar com situações de risco relevante para o SPB, de forma a assegurar a solidez de arranjos e instituições de pagamento e evitar prejuízos à população.

     23. Por fim, propõe-se pequeno ajuste na Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, para conferir autorização ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre a emissão de Letra Financeira com prazo de vencimento inferior ao mínimo hoje previsto na legislação, para fins de acesso da instituição emitente a operações de redesconto e empréstimo realizadas com o Banco Central do Brasil. Essa alteração faz-se necessária em razão de o prazo legal máximo para as operações de redesconto e empréstimo realizadas pela Autarquia (359 dias, consoante o art. 28, § 2º, da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000) ser inferior ao prazo mínimo de vencimento da Letra Financeira (um ano). A referida alteração legal mostra-se urgente para que se possa utilizar o referido instrumento para prover liquidez ao mercado em níveis adequados, frente à pandemia em curso.

     24. Pelas razões mencionadas e pela convicção de que as todas as medidas propostas tendem a produzir efeitos imediatos positivos sobre a economia, recomenda-se que a inovação legislativa seja veiculada em Medida Provisória.

     25. São essas, Senhor Presidente, as razões para propor a edição da Medida Provisória que ora submeto à sua apreciação.

     (1) "2. Resolution authority

     [...]

     2.6 The resolution authority and its staff should be protected against liability for actions taken and omissions made while discharging their duties in the exercise of resolution powers in good faith, including actions in support of foreign resolution proceedings.

     [...]

     4. Transfer powers in relation to client assets (KA 3.2(vi) and (vii) and KA 3.3)

     [...]

     4. 4 The exercise of powers to transfer or achieve a rapid return of client assets should be supported, to the extent consistent with the national legal framework, by:

     [...]

     (ii) protection in law for resolution authorities, their employees or appointed administrators against liability for actions taken and omissions made while acting within their legal powers and discharging their duties in good faith; [...]"

     (2) "Principle 2: Independence, accountability, resourcing and legal protection for Supervisors

     [...]

     Essential criteria

     9. Laws provide protection to the supervisor and its staff against lawsuits for actions taken and/or omissions made while discharging their duties in good faith. The supervisor and its staff are adequately protected against the costs of defending their actions and/or omissions made while discharging their duties in good faith."

     (3) Sejam submetidos a regimes de recuperação judicial ou extrajudicial, falência, de intervenção, de liquidação judicial ou extrajudicial, ou em qualquer outro regime de dissolução que comprometa a continuidade operacional do participante pelo qual transite o referido fluxo.

     (4) A exemplo do risco de inadimplência do portador do cartão e das transações canceladas ou reclamadas (chargeback).

     Respeitosamente,

ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS NETO


Este texto não substitui o original publicado no Portal da Presidência da República de 30/03/2020


Publicação:
  • Portal da Presidência da República - 30/3/2020 (Exposição de Motivos)