Legislação Informatizada - LEI Nº 11.382, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2006 - Exposição de Motivos

LEI Nº 11.382, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2006

Altera dispositivos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução e a outros assuntos.

EM Nº 120 - MJ

Brasília, 26 de agosto de 2004

 

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     Na Exposição de Motivos do vigente Código de Processo Civil, o eminente professor Alfredo Buzaid expôs os motivos pelos quais, na trilha de modelos europeus, propugnava pela unificação das execuções da sentença condenatória e dos títulos extrajudiciais, ficando destarte suprimidos do CPC de 1973 a antiga 'ação executiva' do diploma processual de 1939 ( com base em título extrajudicial) e o executivo fiscal "como ação autônoma" (o executivo fiscal, diga-se, retornou à sua 'autonomia' com a Lei nº 6.830, de 22.09.1980).

     2. Como magnífica obra de 'arquitetura jurídica', o atual Código pouco terá deixado a desejar. A prestação jurisdicional, no entanto, tornou-se mais célere e eficiente? Barbosa Moreira, escrevendo sobre as atuais tendências do direito processual civil, a esse respeito referiu que:

     "O trabalho empreendido por espíritos agudíssimo levou a requintes de refinamento a técnica do direito processual e executou sobre fundações sólidas projetos arquitetônicos de impressionante majestade. Nem sempre conjurou, todavia, o risco inerente a todo labor do gênero, o deixar-se aprisionar na teia das abstrações e perder o contato com a realidade cotidiana........(......).......Sente-se, porém, a necessidade de aplicar com maior eficácia à modelagem do real as ferramentas pacientemente temperadas a polidas pelo engenho dos estudiosos" ('RePro', 31/199).

     3. As reformas setoriais efetivas no CPC sob iniciativa da Escola Nacional da Magistratura, então orientada pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, presidido pela ilustre professora Alda Pellegrini Grinover, sempre com a colaboração de ilustres processualistas, já lograram, em termos gerais, excelentes resultados. Basta, por exemplo, considerar o progresso, não só pragmático mas também em nível teórico, trazido pelo instituto da antecipação dos efeitos da tutela ('novo' apenas em termos de sua generalização ), pela célere sistemática do agravo de instrumento (que inclusive reduziu o uso anômalo e atécnico do mandado de segurança), pela maior eficiência dada à ação de consignação em pagamento, pela introdução da ação monitória, pela ampliação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais, pela eficácia potencializada das sentenças voltadas ao cumprimento das obrigações de fazer e também das obrigações de entregar coisa, e assim por diante.

     4. Além disso, três novos projetos, após anos de debates e de análise de sugestões vieram a ser aprovados e sancionados, dando origem às leis n 10.352, de 26.12.2001, nº 10.358, de 27.12.2001 e nº 10.444, de 07.05.2002. Entre os pontos mais relevantes, foram limitados os casos de reexame necessário, permitida a fungibilidade entre as providências antecipatórias e as medidas cautelares incidentais, reforçada a execução provisória com a permissão de alienação de bens sob caução adequada, atribuída força executiva iato senso à sentença condenatória à entrega de bens, permitido que o relator proceda à conversão do agravo de instrumento em agravo retido, limitados os casos de cabimento do recurso de embargos infringentes, melhor disciplinada a audiência preliminar, instituída multa ao responsável (pessoa física) pelo descumprimento de decisões judiciais etc.

     5. Tornou-se necessário, já agora, passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o 'calcanhar de Aquiles' do processo. Nada mais difícil, com frequência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.

     6. Ponderando, inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõem-se buscar maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há), ainda que devemos em certas matérias (e por quê não?), retornar por vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimento do agravo, em sua atual técnica, versão atualizada das antigas 'cartas diretas' ...), ainda que expungidos rituais e formalismos anacrônicos.

     7. Na Exposição de Motivos ao PL 3.253/2004, relativo ao 'cumprimento das sentenças', é mencionado o magistério de ALCALÁ - ZAMORA, que sempre combateu o tecnicismo da dualidade, artificialmente criada no direito processual, entre processo de conhecimento e processo de execução, sustentando ser mais exato falar apenas de fase processual de conhecimento e de fase processual de execução. Isso porque "a unidade de relação jurídica e da função processual se estende ao longo de todo o procedimento, em vez de romper-se em um dado momento" (Processo, autocomposición y autodefesa, UNAM, 2º ed., 1970, nº 81, p. 149).

     8. Com efeito, as teorias são importantes, mas não podem transformar-se em um embaraço a que se atendam as exigências naturais relativas aos objetivos do processo, isso só por apego a tecnicismos formais. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução - proclamou COUTURE, é 'academia' e não processo (apud Humberto Theodoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Ed. Aide, 1987, p. 74).

     9. Foi lembrada, outrossim, a advertência de Humberto Theodoro Jr., de que a atual 'dicotomia' importa a paralisação da prestação jurisdicional logo após a sentença e a complicada instauração de um novo procedimento, para que o vencedor possa finalmente tentar impo ao vencido o comando soberano contido no decisório judicial. Há, destarte, um longo intervalo entre a definição do direito subjetivo lesado e sua necessária restauração, isso por pura imposição do sistema procedimental, sem nenhuma justificativa que de ordem lógica, quer teórica, quer de ordem prática (ob. cit., p. 149 e passim).

     10. ASSIM, o mencionado Projeto de Lei foi pelo Ministério da Justiça encaminhado ao Congresso Nacional, no sentido preconizado pela boa doutrina e com o objetivo de obter maior celeridade e eficiência na etapa do 'cumprimento' da sentença (PL nº 3.253/2004).

     11. Cumpre, portanto, apresentar agora ao Congresso Nacional o segundo projeto de lei, neste ponto mantida a autonomia do Processo de Execução, com a adaptação, nos limites do necessário, das normas constantes do atual Livro II do Código de Processo Civil.

     12. Com o objetivo de propiciar o mais amplo debate no concernente que as normas a seguir expostas foram durante dois anos debatidas no Instituto Brasileiro de Direito Processual, e posteriormente no Ministério da Justiça, bem como submetidas à crítica dos processualistas e dos operadores do processo; assim, foram bem cumpridas as etapas de reflexão e crítica necessárias a uma tomada de posição sobre assunto de tanto interesse, principalmente interesse prático, na defesa dos direitos invocados em juízo.

     13. Este segundo projeto, que buscou inspiração em críticas construtivas formuladas em sede doutrinária e também nas experiências reveladas em sede jurisprudencial, parte das seguintes posições fundamentais:

a) na esteira das precedentes reformas, os artigos do CPC em princípio mantêm sua numeração, sendo os artigos em acréscimo identificados por letras;
b) o Livro II passa a regrar somente as execuções por título extrajudicial, cujas normas, todavia, aplicar-se-ão subsidiariamente ao procedimento de 'cumprimento' da sentença, conforme regra constante do primeiro projeto já em tramitação na Câmara dos Deputados;
c) nas execuções por título extrajudicial teremos, após a citação para pagamento em três dias - e não sendo tal pagamento efetuado -, a realização (pelo oficial de justiça) da penhora e da avaliação em uma mesma oportunidade, podendo o credor indicar, na inicial da execução, os bens a serem preferencialmente penhorados (aliás, conforme recentes alterações, o CPC de Portugal, manda que o exequente, na inicial executiva, indique tais bens - art. 810º, nº 5);
d) nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado - que não mais dependerá da 'segurança do juízo', far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subsequentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com tal sistema, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui impropriamente) 'exceção de pré-executividade', de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções;
e) é prevista a possibilidade de o executado requerer, no prazo para embargos (com o reconhecimento da dívida e a renúncia ao embargos), o pagamento em até seis parcelas mensais, com o depósito inicial de trinta por cento do valor do débito;
f) quanto aos meios executórios, são sugeridas relevantíssimas mudanças. A alienação em hasta pública, de todo anacrônica e formalista, além de onerosa e demorada, apresenta-se sabidamente como a maneira menos eficaz de alcançar um justo preço para o bem expropriado. Propõe-se, assim, como meio expropriatório preferencial, a adjudicação pelo próprio credor, por preço não inferior ao da avaliação;
g) não pretendendo adjudicar o bem penhorado, o credor poderá solicitar sua alienação por iniciativa particular ou através agentes credenciados, sob a supervisão do juiz;
h) somente em último caso far-se-á a alienação em hasta pública, simplificados seus trâmites (prevendo-se até o uso de meios eletrônicos) e permitido ao arrematante o pagamento parcelado do preço do bom imóvel, mediante garantia hipotecária;
i) é abolido o instituto da 'remição', que teve razão de ser em tempos idos, sob diferentes condições econômicas e sociais, atualmente de limitadíssimo uso. Ao cônjuge e aos ascendentes e descendentes do executado será lícito, isto sim, exercer a faculdade de adjudicação, em concorrência com o exequente;
j) são sugeridas muitas alterações no sentido de propiciar maior efetividade à execução, pela adoção de condutas preconizadas pela doutrina e pelos tribunais ou sugeridas pela dinâmica das atuais relações econômicas, inclusive com o apelo aos meios eletrônicos, limitando-se o formalismo ao estritamente necessário;
l) as regras relativas à penhorabilidade e impenhorabilidade de bens (atualmente eivadas de anacronismo evidente) são atualizadas, máxime no relativo à penhora de dinheiro;
m) quanto à execução contra a Fazenda Pública, as propostas serão objeto, posteriormente, de outro projeto de lei, e assim também será objeto de projeto em separado a execução fiscal, que igualmente merece atualização.

     Esperemos que o presente projeto, de iniciativa original do Instituto Brasileiro de Direito Processual, sob a coordenação final dos processualistas Athos Gusmão Carneiro (STJ), Sálvio de Figueiredo Teixeira (STJ) e Petrônio Calmon Filho (Proc. Just. Do DF), possa conduzir a um processo de execução mais adequado à nossa realidade e às nossas necessidades, em um renovado e eficiente processo civil.

     Respeitosamente, - Marcio Thomaz Bastos.


Este texto não substitui o original publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 01/12/2004


Publicação:
  • Diário da Câmara dos Deputados - 1/12/2004, Página 51763 (Exposição de Motivos)