Legislação Informatizada - LEI Nº 6.649, DE 16 DE MAIO DE 1979 - Veto

LEI Nº 6.649, DE 16 DE MAIO DE 1979

MENSAGEM DE VETO Nº 50, DE 1979 - CN

(nº 135/79, na origem)

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL:

               Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que, no uso das atribuições que me conferem os artigos 59, § 1º, e 81, IV, da Constituição Federal, resolvi vetar, parcialmente, pelas razões adiante enunciadas, o Projeto de Lei nº 2.320, de 1974 (nº 01/77, no Senado Federal), do Poder Executivo, que "regula a locação predial urbana e dá outras providências".

                Incide o veto sobre:

               I - No artigo 3º, a expressão final "de dez por cento sobre o valor dos alugueres, correspondente ao tempo que faltar".

               A fixação da multa, seja qual for o caso, em percentagem previamente determinada pela lei (10%), afigura-se arbitrária, podendo ensejar injustiças de toda ordem: a) se o contrato houver sido feito a longo prazo e estiver apenas iniciado, a multa de 10% poderá ser exagerada; b) se, na mesma hipótese, estiver ele vinculado a outro negócio jurídico, poderá constituir-se em fonte de enfraquecimento ou de violação do referido negócio adjecto; c) se estiver próximo o término do contrato, e multa poderá ser irrisória.

                Preferível será, então, para evitar tais inconvenientes, não determinar a lei, em percentual fixo, o quantum da multa, e deixar a critério do juiz estavelecê-la em cada caso, em face das circunstâncias.

                II - No artigo 5º, a expressão "ressalvada a hipótese do parágrafo único deste artigo"; e, no parágrafo único do mesmo artigo 5º, a conjunção inicial "Se" e a expressão "o proprietário ou o locador não houver promovido a notificação da retomada do prédio, na forma do art. 52".

                Objetiva o veto restabelecer as normas constantes dos artigos 1.194 e 1.195 do Código Civil, no tocante às locações não residenciais, que dispensam amparo tão amplo quanto os contratos de moradia. A crise que ora atinge o País é de imóveis destinados a habitação, e não a lojas, escritórios, ou prédios comerciais e industriais.

                Esse, aliás, o pensamento do próprio Projeto, como ressalta de sua estrutura, ao fixar no Capítulo II, específico das locações residenciais, os casos de retomada (art. 52). Fora sua intenção estender a todas as locações - residenciais ou não - a restrição, em numerus clausus, dos casos de retomada e de rescisão do arrendamento, figurariam estes no Capítulo I, que trata das "Disposições Gerais", e não naquele. Não teria sentido apenas colocar no Capítulo especial, referente às locações residenciais, norma geral incidente sobre toda e qualquer locação.

                 III - No caput do artigo 8º, a expressão "mediante notificação ou aviso"; e, in totum, o seu parágrafo único.

                 Prevê o artigo a rescisão da locação feita e empregado, quando houver rompimento do contrato de trabalho e o prédio locado se destinar a moradia de empregado. A hipótese figurada pelo artigo diz respeito a situações como a das vilas operárias, situadas nas imediações das fábricas ou indústrias, construídas pelo próprio industrial, e dadas em locações aos empregados, mediante contrato autônomo, para mais fácil acesso ao local de trabalho. Em tais casos, findo o vínculo empregatício, consectário lógico é a extinção da locação, a fim de qua, desocupado o prédio, venha este a ser dado em locação a outro operário.

                  O parágrafo único, entretanto, retardaria essa substituição ao subordinar a rescisão da locação a aviso ou notificação com sessenta dias de antecedência para, só após o término desse prazo, autorizar a propositura da ação de despejo. Ficaria o ex-empregado, então a morar em prédio da empresa, obstando por meses - talvez ano - que novo empregado possa ocupá-lo com a família.

                   IV - O artigo 9º

                 O aviso ou notificação através de registrado postal, com Aviso de Recebimento, não assegura o conhecimento do conteúdo da carta e pode dar margem a fraudes.

                  Ademais, a limitação aos três casos previstos excluiria a possibilidade de outras hipóteses de comunicação, como, por exemplo, o recibo na segunda via em carta entregue pessoalmente e a notificação por meio do telégrafo.

                  V - Os artigos 16 e 17.

                 O disposto nesses artigos contraria toda a sistemática do Projeto, ao introduzir formas obsoletas e inaplicáveis de tabelamento de sublocações. Antes de considerações doutrinárias - que também recomendariam o veto - sobreleva o fato de que a experiência demonstrou a não-factibilidade do controle preconizado.

                 É de aduzir que a norma vetada dificultaria desnecessariamente o instituto da sublocação, forma de utilização de imóveis para moradia ou outros fins, muitas vezes útil.

                 VI - No parágrafo único do artigo 28, a expressão "após rescindida amigavelmente a locação.

                 Há contradição entre o disposto nesse parágrafo e o preceituado no artigo 40, quanto ao direito do sublocatário ao ensejo da rescisão amigável da locação.

                 No primeiro caso, a conseqüência prevista é a desocupação do prédio no prazo de noventa dias; no segundo, a permanência do sublocatário no imóvel. Como se vê, soluções opostas, para hipóteses idênticas.

                 Aprovado o veto, a regra geral quanto à permanência de sublocatários no prédio será a do parágrafo único do artigo 28; e a disciplina, em caso de rescisão amigável da locação, a do artigo 40.

                 VII - No § 2º do artigo 36, a expressão "salvo se justificáveis, a critério do juiz, os motivos de uma ou de outras dessas circunstâncias".

                 O Projeto inova a legislação vigente, a fim de coibir o abuso de direito do locatário renitente, de só pagar o aluguel em Juízo.

                 A faculdade que a parte final do § 2º conferiria ao juiz, pela subjetividade dos critérios, desatenderia à objetividade daquela coibição.

                 VIII - No parágrafo único do artigo 39, a expressão final "pelo processo de execução".

                 Quer o artigo 39, em seu caput, que o retomante insincero fique sujeito, nos casos ali especificados, a pagar ao locatário multa arbitrada pelo juiz, "até o máximo de vinte e quatro meses de aluguel" - depende de prévia fixação pelo juiz. Só depois de verificar, em face do caso concreto, a maior ou menor gravidade da infração, poderá ele fixar a multa aplicável.

                  Com a disposição constante da parte final do parágrafo, volta o projeto a incidir no mesmo equívoco em que incorreu o Decreto-lei nº 9.669, de 1946, em seu artigo 18, §§ 6º e 7º, alvo de muitas críticas autorizadas, em resultado das quais leis posteriores aboliram a referência à execução de sentença como via adequada para a cobrança da multa (Lei nº 1.300, de 1950, art. 15, § 4º, preferindo o procedimento ordinário; e lei nº 4.494, de 1964, art. 13, § 1º, optando pela liquidação da sentença).

                  Como quer que seja é, hoje, incompatível com o sistema do novo Código de Processo Civil a cobrança de multa "pelo processo de execução", pois este só é franqueado a quem se apresente munido de título executivo, judicial ou extrajudicial (Código de Processo Civil, art. 583). E, no caso, não sendo a dívida líquida, certa e exigível, o quantum da multa ainda demanda seu estabelecimento pelo juiz. Suprimida a referência inadequada ao "processo de execução", facultar-se-á mais adequadamente, como no regime da Lei nº1.300, de 1950, o procedimento comum, hoje ordinário ou sumaríssimo, conforme o caso (Código de Processo Civil, arts. 272, 273 e 275).

                     IX - O inciso I do artigo 51.

                    A norma constante do inciso I do artigo 51 - que autoriza a rescisão da locação "em decorrência de infração de obrigação legal ou contratual" - é a mesma consignada no inciso II do artigo 52 - que autoriza o despejo "se o locatário infringir obrigação legal ou cometer infração de obrigação contratual".

                     A superfície acarretaria perplexidade que deve ser evitada.

                     X - No inciso II do artigo 51, os ordinais "5º" e "8º".

                     O artigo 5º do Projeto não deve ser havido como caso de rescisão, pois o que nele se dispõe - reproduzindo quase in totum preceito do Código Civil, artigo 1.194 - é que a locação cessa de pleno direito, findo o prazo estipulado, ressalvada a hipótese prevista em seu parágrafo único, segundo o qual, não retomado o prédio, a locação se prorroga por tempo indeterminado.

                     A remissão imprópria ao citado artigo 5º, poderia, até, dar ensejo ao entendimento de que, findo o prazo contratual (como previsto no caput), ou prorrogado ele por tempo indeterminado (como estatuído no parágrafo único), também a locação residencial poderia ser rescindida. Tal entendimento subverteria a finalidade principal do Projeto, qual a de abolir a "denúncia vazia" no tocante às locações residenciais.

                      Quanto à remissão ao artigo 8º, a hipótese já está prevista no inciso VI do art. 52, sendo, pois, desnecessária, e possível motivadora de dúvidas, a repetição.

                       XI - No caput do artigo 52, o advérbio "somente".

                      O caput do artigo 51 e o caput do artigo 52 a rigor dizem a mesma coisa, pois tanto faz dizer "a locação somente poderá ser rescindida" quanto "o desejo somente será concedido", uma vez que este - o despejo - é conseqüência daquela - a rescisão. E nem se conceberia autorizasse a lei o desfazimento de contratos, nos casos que enumera, mas se negasse a fornecer os meio de tornar tal desfazimento efetivo, violando o princípio - inscrito no artigo 75 do Código Civil e aqui perfeitamente invocável - de que "a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura."

                       Ante a apontada dualidade, e dado que o veto de qualquer dos dois caput deixaria seus incisos sem sentido, a solução que se oferece é a supressão do vocábulo "somente" no artigo 52, abrindo, assim, ensejo ao entendimento de que a enumeração constante da citada norma não é exaustiva: além dos dez casos que aponta (incisos I a X), outros existem, no artigo 51 (incisos II e III), dando lugar, pela rescisão, à ação de despejo, única, aliás, cabível, em decorrência da norma inscrita no § 1º do artigo 4º do Projeto: "seja qual for o fundamento do término da relação de locação, a ação do locador para reaver o prédio alugado é a do despejo".

                        XII - o inciso I do artigo 54.

                        O artigo 51, inciso II, admite a rescisão da locação no caso mesmo do artigo "54', sem discriminar qualquer dos dois incisos que o compõem.

                        Evidentemente que o Projeto pretendeu restringir a possibilidade de rescisão apenas ao caso do inciso II do citado artigo 54, ou seja, o da extinção do prazo de t rês meses nas locações feitas por temporada, de prédios situados em estações climáticas ou na orla marítima.

                         Por um lapso faltou, na remissão que o artigo 51, II, faz ao artigo 54, a referência ao inciso II deste, daí resultando que a rescisão pode se dar também no caso do inciso I, ou seja, quando se tratar de locação residencial sem garantia real ou fidejussória.

                          Ora, o número de locações residenciais sem uma dessas duas garantias - principalmente as mais antigas - é sobremaneira elevado, daí resultando que do lapso havido poderia decorrer grande número de despejos. Ante essa perspectiva, a solução menos danosa será, com o veto ao inciso I, vedar ao locador o direito de cobrar o aluguel mensal adiantadamente, mesmo não estando a locação garantida por fiança ou caução. Dos males, o menor.

                           XIII - No artigo 55, a expressão "desde que haja sentença de primeira instância".

                          A expressão, in fine do artigo, faria incidir a lei nova sobre os processos em curso, em que não houvesse, ainda, sentença de primeiro grau.

                           A Constituição Federal, em seu artigo 153, § 3º, preceitua que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Por sua vez a Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 6º, § 1º, define: "Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado ao tempo em que se efetuou".

                           Já a proposta a ação quando da entrada em vigor da lei que do Projeto resulta, ter-se-á situação não mais passível de paralisação pela lei nova. Isso é o que deflui de melhor orientação doutrinária.

                            E, não há muito, o Excelso Supremo Tribunal Federal, apreciando a constitucionalidade do Decreto-lei nº 322, que mandava aplicar a norma de seu artigo 5º aos casos sub judice, salientou, pela voz do eminente Ministro Relator, que o referido Decreto-lei "não poderá projetar sombra sobre o passado, a fim de atingir os efeitos já produzidos por essas situações anteriores e definitivas. Como, então, aplicá-lo aos processos sub judice" (Ver. Trim. Jur., v. 45, p. 565).

                            XIV - O artigo 56 e seu parágrafo único.

                            O Projeto, com ose lê em sua ementa e no artigo 1º, teve por objetivo apenas disciplinar a locação de prédios urbanos.

                            O artigo 56 e seu parágrafo único, discrepando da sistemática adotada, insere regra sobre locação rural, verdadeiro corpo estranho no contexo do Projeto.

                             Essas, as razões de interesse público que me levaram a vetar, parcialmente, o Projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 16 de maio de 1979. - João B. de Figueiredo.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional de 30/05/1979