Legislação Informatizada - LEI Nº 1.310, DE 15 DE JANEIRO DE 1951 - Exposição de Motivos

LEI Nº 1.310, DE 15 DE JANEIRO DE 1951

Cria o Conselho Nacional de Pesquisas e dá outras providências.

EXPOSIÇÃO

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República:

     A Comissão incumbida, em virtude de ato de 12 de abril do corrente ano de elaborar um anteprojeto de estruturação do Conselho Nacional de Pesquisas, tem a subida honra de vir à alta presença de Vossa Excelência submeter ao seu julgamento o esbôço de um projeto de lei, consubstanciando as medidas que se afiguram necessárias à realização daquela iniciativa de Vossa Excelência.

     2. Em nome dos homens de ciência e tecnologistas, em perfeita comunhão de vistas com as demais entidades convocadas representativas do engrandecimento econômico, de segurança da administração pública e das relações do Brasil com as outras Nações cultas, a Comissão vem afirmar a Vossa Excelência que a criação do novo órgão corresponde a urgente imperativo da nossa evolução histórica, que terá no Brasil o mesmo salutar efeito verificado em outros países, contribuindo, decisivamente - se lhe não faltarem os indispensáveis recursos - para o aproveitamento das riquezas potenciais, o alevantamento do padrão de vida-das populações e o fortalecimento da integridade da Pátria Brasileira, ao mesmo tempo que virá realçar nossa contribuição para o bem estar humano.

     3. Todos os países vanguardeiros da civilização procuram dar o Máximo desenvolvimento à cultura, incrementando a Ciência, a Técnica e a Indústria, como bases de seu progresso e de seu prestígio. Para comprová-lo bastaria um simples relance de olhos sôbre o que se tem registrado mormente sob o aguilhão da guerra, em tôdas as épocas e em tôdas as Nações cultas.

     4. Dispomos no Rio, em São Paulo e em outros centros de investimentos, de notáveis cultores da ciência e da tecnologia. É premente, porém aperfeiçoar e ampliar os conhecimentos no maior número possível de cientistas e técnicos, em todos os setores do conhecimento.

     5. A fundação da indústria da energia atômica avulta entre os objetivos colimados. Indústrias subsidiárias, já existem algumas, e outras dependem da formação de técnicos e das possibilidades econômico-financeiras.

     6. O primeiro problema é o da formação de cientistas e técnicos, em número suficiente. A vinda de mestres estrangeiros será muito interessante, como interessante será enviar homens de cultura para aprimorá-lo nos centros mais adiantados, onde existam grandes laboratórios e largos meios de pesquisas. Formar técnicos porém, sem um órgão central de coordenação, seria como aprestar uma formação militar sem um Estado Maior.

     7. Assim, um empreendimento de tal magnitude está a exigir a instituição de um Estado Maior da Ciência, da Técnica e da Indústria, que lhes trace seguros rumos e lhes fomente e coordene as atividades. Daí a necessidade de um órgão semelhante aos Conselhos Nacionais de Pesquisas, existentes em tantos países.

     8. Não se trata de interferir na vida das Universidades, Institutos, Comissões, Laboratórios ou Indústrias existentes ou por existir. Cogita-se, diversamente de evitar a dispersão de esforços, de suscitá-los e ampará-los, tendo em vista o progresso da ciência o engradecimento e a segurança do Brasil.

     9. Todos os gêneros de pesquisas importam à cultura e ao bom nome de nossa pátria; mas, ao atual momento histórico é esencial polarizar nosas vistas no setor daqueles cuja significação não é excedida pela de quaisquer outros problemas técnico-industriais, concerentne ao futuro da nacionalidade, Que o exemplo de outros sirva para nos esclarecer.

     10. No decurso da primeira guerra mundial, o Canadá, a Inglaterra e os Estados Unidos tiveram que fundar os seus Conselhos Nacionais de Pesquisas, como orientadores da Produção - que foi a chave da vitória - tal como se verificou, ainda melhor, na decisão da última guerra e cada vez mais acontecerá nos prélios futuros.

     11. O próprio "Canadian Information Service" esclarece oficialmente:

     " Foi em grande parte devido ao " National Ressearch Council", que o Canadá se tornou capaz de fazer importantes contribuições para a pesquisa em matéria de radar, explosivos RDX, energia atômica e outros projetos científicos, para os aliados"

     12. O Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá, que e uma instituição modelar, foi fundado em 1916 e remodela em 1917, 1924 e 1946, seus objetivos são os seguintes:

     a) - coordenação da pesquisa e organização de investigações em cooperação;
     b) - treinamento de recém-fordos e de estudantes selecionado, de acôrdo com as aptições para a pesquisa científica;
     c) - fomento da pesquisa, mediante auxilio financeiro aaos Departamentos Científicos das Universidades.

     13. Os resultados fornecidos por esta excelente organização inculcam-se na como paradigna, que o tem sido, efetivamente, para instituições similares. Outros modêlos de grande utilidade são, também, as legislações similares na França, da Itália, da Inglaterra dos Estados Unidos.

     14. Na grande República norte-americana o Conselho Nacional de Pesquisa data de 1918 quando o Presidente Wilson o instituiu, por solicitação da Academia Nacional de Ciências.

     "Para promover pesquisa de ciências  matemáticas, físicas e biológicas, e aplicações destas ciências à engenharia, à agricultura, à medicina e a outras artes de utilidade, como objeto de ampliar o conhecimento, fortalecer a defesa nacional e contribuir por outros meios para o bem público".

     15. Cabe ao referido órgão, ainda.

     " Fornecer informações técnicas e orientação de pesquisas às organizações governamentais e o outras".

     16. Seus membros se escolhem dentre.

     1 - "representantes das sociedades científicas e técnicas nacionais;
    
     2 - "representantes do govêrno;
    
     3 - 3 "representantes de outras organizações de pesquisa;
    
     4 - "pessoas cujo auxílio possa contribuir para os objetivos do Conselho".

     17. Nos Estados Unidos, pode-se afirmar, o Conselho Nacional de Pesquisa é como um prolongamento da Academia Nacional de Ciência, cujo Presidente nomeia os membros do Conselho, salvo os representantes do govêrno, que são nomeados pelo Presidente da República.

     18. Em França, foi criado em 1939 o Centro Nacional de Pesquisas, remodelado em 1941, 1944 e 1945; É uma organização moderna, inspirada nos ensinamentos da segunda guerra mundial e que,

     "Tem por missão desenvolver, orientar e coordenar as pesquisas científicas de qualquer ordem". 

     19. Cumpre-lhe notadamente:

     1 - "Efetuar ou fazer efetuar, seja por iniciativa própria, seja por solicitação dos serviços públicos ou de emprêsas particulares, os estudos e pesquisas que apresentem reconhecimento interêsse para o progresso da ciência ou para a economia nacional.

     2 - "Encorajar e facilitar as pesquisas empreendidas pelos serviços públicos, as indústrias e os particulares; outorgar para êste fim recursos às pessoas que consagram a essas pesquisas tôda ou parte de sua atividade; recrutar e remunerar colaboradores a fim de auxiliar os pesquisadores em seus trabalhos.

     3 - "Subvencionar ou criar certos laboratórios de pesquisa pura e aplicada ou desenvolver aquêles que existem, mormente em lhes facilitando as compras de instrumentos e de aparelhagem e, de maneira geral, as aquisições mobiliárias ou imobiliárias úteis ao progresso da Ciência.

     4 - "Assegurar a coordenação das pesquisas empreendidas pelos serviços públicos, as indústrias e os particulares, estabelecendo uma ligação entre os organismos e as pessoas que se consagram e estas pesquisas.  

     5 - "Organizar inquéritos nos laboratórios públicos ou privados, sôbre as pesquisas que êles realizam e os recursos de que dispôm.

     6 - "Assegurar, seja diretamente, seja mediante subscrição ou outorga de subvenções, a publicação de trabalhos científicos dignos de interesse.

     7 - "Fornecer subvenções para missões científicas e permanência de pesquisadores nos laboratórios ou centros de pesquisas nacionais ou estrangeiros.

     8 - "Organizar e controlar um ensino preparatório para pesquisa, nas condições fixadas por um regulamento da administração pública".

     20. As atividades do órgão destinado à supervisão da pesquisa em França são regidas, conjuntamente:

     a) - por um Comitê Nacional, cujo número de membros não é fixado na citada lei;
     b) - por uma Diretoria, que compreende um presidente, um vice-presidente, quinze membros titulares e onze suplentes.

     21 - As matérias previstas são especificadas; astrofísica; mineralogia; geologia; páleontologiaá física; química; biologia; ciência do homem; ciência sociais; filosofia. O Conselho de Administração é integrado pelo Presidente, Vice-Presidente e os membros titulares. Buscando ampliar as possibilidades da pesquisa, foi estruturado, em 1948, outro órgão - O Conselho Superior de Pesquisa Científica e Técnica - comportando um total de cêrca de seis dezenas de componentes, recrutados dentre representantes da Academia de Ciência, órgãos da administração pública, da indústria e outras entidades interessadas.

     22 - Êsse Conselho terá por missão na União Francesa coordenar a atividade dos organismos públicos, civis ou militares, e das organizações privadas subvencionadas que participem da pesquisa científica e técnica. Cumpre-lhe:

     a) centralizar todo seus dados sôbre o funcionamento de tais organismos, o andamento de seus trabalhos e tôdas as informações conexas;
     b) definir e encaminhar um política nacional de pesquisa;
     c) zelar pelos interesses da pesquisa científica francesa no estrangeiro;
     d) definir os interesses morais e materiais dos pesquisadores".

     23. Bastam os exemplos citados para evidenciar o interêsse generalizado entre as nações vanguardeiras da civilização, no sentido de promover, estimular e coordenar as pesquisas científicas e tecnológicas.

     24 - Ao organizar o presente anteprojeto, a Comissão sem perder de vista os ensinamentos da experiência de outros países, procurou, antes do mais, atender, objetivamente, aos aspectos nacionais dso problemas em jôgo.

     25 - É bem de ver que a ação prática do Conselho se deverá orientar por um plano previamente estabelecido, como esta Comissão procurou fazer, ao traçar as suas diretivas. Assim, antes de definir, no art. 1.º, a política da pesquiza a ser traçada, foram examinadas várias orientações possíveis.

     26 - A primeira escolha teve que versar sôbre a limitação do campo da investigação ou a extensão a qualquer domínio de conhecimentos. Foi preferida esta última modalidade, por isso, que, no quadro das realidades nacionais existem problemas e reclamar estudo e que aconselham tal ponto de vista, dentro das possibilidades científicas ou tecnológicas.

     27. Poderia parecer à primeira vista, mais aconselhável, talvez limitar as pesquisas ao terreno das ciências. É, no entanto o próprio presidente do Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos quem declara perante uma Comissão do Congresso, em 1947:

     "Penso não haver domínio de investigações físicas que não suscite, em última análise, e por vêzes, desde logo, novos problemas sociais. O mesmo é verdadeiro em biologia e medicina. Importa, pois, que abalizados sociólogos trabalhem de mãos dadas com os cultores das ciências naturais, de forma que aqueles problemas sejam resolvidos à proporção que apareçam".

     28 - Comentando êste autorizado depoimento, o Sr. Jonh R. Steelman, Chefe da Comissão incumbida pelo Presidente Truman de relatar os reclamos da investigação científica nos Estados Unidos, endossa a opinião dos que propugnam a inclusão das ciências sociais no plano das pesquisas. - É, assim, quanto a várias outras disciplinas.

     29 - Ninguém negaria a importância nacional, por exemplo, das pesquisas educativas baseadas no exato conhecimento das condições sociais e da psicologia de cada grupo das populações brasileiras.

     30 - Sem dúvida, não seria aconselhável atacar, de uma vez, todos os problemas que entre nós estão a requerer solução, haverá que ser dada preferência àqueles que, no momento histórico que vivemos, se avantajam pelos seus aspectos peculiares.

     31. Ao traçar a sua rota, o Conselho levará em conta as injunções do interêsse nacional e as condições de viabilidade dos esforços a empreender, e fará a sua escolha de um ponto de vista realístico. Só lhe poderão advir vantagens em dispor de liberdade de movimentos, desde que se inspire no sadio senso de medida, que o preserve da tentação de abranger, de um salto, tôda a sua imensa tarefa.

     32. Teve a Comissão oportunidade de examinar as vantagens e desvantagens de restringir sua intervenção ao só exercício da função de colaborador com outros órgãos, ou de adotar a alternativa de também promover, por conta própria, as pesquisas que se fizerem aconselháveis. Prevaleceu esta segunda hipótese, por ser mais ampla do que a outra, e haver casos como, por exemplo, alguns concernentes à segurança nacional, e que melhor se encaminham dentro da diretriz preferida. Ficou, pois, decidido que o projeto preveria os casos de se estimularem as investigações em outros institutos e laboratórios, e de se promoverem naqueles que o Conselho delibere fundar e manter sob sua administração.

     33. Outra questão que mereceu largo exame foi a relativa às pesquisas atômicas.

     34. Discutiu-se a conveniência, ou não, de provar ao Govêrno a criação simultânea de um Conselho Nacional Nacional de Pesquisas e outro órgão destinado especialmente à Energia Atômica. Ocorre lembrar que a instituição de um Conselho de Energia Atômica havia sido sugerida em abril de 1946, e elaborado então, um ante-projeto de Decreto-lei por uma Comissão designada pelo Sr. Ministro de Estado das Relações Exteriores, o Embaixador João Neves da Fontoura, depois de ouvida a opinião de outros Ministros de Estado, Tôdas as demais nações interessadas no problema da Energia Atômica e seu aproveitamento industrial criaram, em 1946, as respectivas Comissões Nacionais de Energia Atômica.

     35. É fora de dúvida, porém, que uma Comissão Nacional de Energia Atômica só se encontraria em condições de enfrentar êste magno problema se contasse com as possibilidades só atribuíveis a um Conselho Nacional de Pesquisas, ou órgão equivalente, pois as questões suscitadas pelo problema atômico envolvem grande parte da escala dos conhecimentos científicos e tecnológicos, além dos indispensáveis recursos industriais.

     36. Acresce, que, em certos países, como o Canadá, os encargos pertinentes às pesquisas atômicas cabem ao Conselho Nacional de Pesquisa, embora exista, paralelamente, uma Comissão de Energia Atômica, investida sobretudo de atribuições de fiscalização.

     37. Ademais, é fora de dúvida que, pelo consenso unânime das Nações Unidas, os problemas relacionados com a produção da Energia Atômica, para fins exclusivamente pacíficos, estão em vias de passar definitivamente para o plano internacional, sob verdadeiro monopólio de um órgão Internacional de Contrôle. Só existem divergências quanto ao modus facienti, a forma de contrôle; mas o esfôrço dispendido pelas Nações Ocidentais para se efetivar, o mais breve possível, um contrôle operante aficaz, é realmente imenso, o que dá a impressão de sua concretização em futuro imediato, ou não, porém, tido como certo.

     38. Foi sob essa convicção e pelo sentimento da imperiosa urgência de apresentar-se o Brasil perante o  cenáculo das Nações Unidas, condignamente aparelhado para ombrear com as demais Nações cultas, que, em 1946, 1947 e 1948, os Chefes da Delegação Brasileira junto as Nações Unidas, Senhores Embaixadores Pedro Leão Veloso, Osvaldo Aranha e João Carlos Muniz, solicitaram a atenção de nosso Govêrno, a fim de mostramos ao mundo que nos preparavamos para aproveitar, pela oplicação da ciência e da tecnologia, as nossaas riquezas naturais, evidenciando sermos dignos delas.

     39. Assim foi que o Embaixador João Carlos Muniz, em seu Ofício n.º 161, de 1947, salientou a premência da criação de um Conselho Nacional de Pesquizas, justificando-o com abundância de provas colhidas no trato dos graves problemas, cuja visão lhe permita o alto pôsto que ocupa.

     40. Ao patriótico descortino de Vossa Excelência deve a Nação Brasileira o impulso decisivo para a criação do Conselho Nacional de Pesquisaas, as quais podem abranger, como em outros países, as de natureza atômica e tôdas-as demais indispensáveis ao futuro aproveitamento industrial da energia nuclear, deixando de se impor, no atual momento, a criação de um órgão especialmente destinado a pesquizar a energia atômica. Acresce que as indispensáveis medidas de fiscalização acauteladoras das nossas reservas em materiais estratégicos já estão sendo postas em prática, sob tão bons auspícios, pelo Departamento Nacional da Produção Mineral e pela Comissão de Estudo e Fiscalização de Minerais Estratégicos instituída junto ao Conselho de Segurança Nacional.

     41. Um ponto que mereceu especial atenção é o concernente à maneira pela qual o anteprojeto estátui as modalidades de auxílio, estímulo e coordenação das pesquizas a serem realizadas em outras entidades, públicas ou particulares. Foi tomado como princípio básico que a atuação do Conselho não visa interferir com as aticidades internas dessas entidades, nada tendo a ver com a administração delas. Os seus propósitos visam a altos interêsses nacionais e só em nome dêles o Conselho terá o direito de entrar em entendimento com outraas entidades, bem como acompanhar as investigações em curso e que se executem sob seus auspícios. Nesses princípios se inspiraram o espírito e a letra do anteprojeto.

     42. Também foram considerados os imperativos da segurança nacional, em váriaas das disposições propostas. Nesta altura de envolver das nacionalidades, seria desassinada incúria deixar de parte êsse aspecto fundamental para a integridade e a própria sobrevivência do País. Tôdaas aas Nações lhe dão lugar proeminente.

     43. "Os técnicos civis e militares - dizia o Professor Dulcídio Pereira, em 1938, - têm de se entrozar na solução dos problemas nacionais". Depois de haver afirmado que os destinos da União Norte Americana, hoje mais do que nunca, dependem do processo científico e tecnológico, proclamova, em 1947, John R, Steelman notável relatório ao seu Govêrno:

     "Uma política sadia para a Ciência só pode ser instituída mediante a participação e o entendimento coletivo do pessoal civil e militar, dos dirigentes políticos e administrativos, bem como dos cientistas".

     44. Eis aí uma conclusão tão lúcida quanto autorizada, e do maior alcance para a própria vida nacional: possa ela servir-nos também a nós Brasileiros, que buscamos por a Ciência e a Tecnologia cada vez mais ao serviço do Brasil e do gênero humano.

     45. Para a consecução dêsse nobre objetivo, muitas são as etapas que devemos transpor. Umas dizem respeito ao pessoal pesquisador, outras ao material de pesquiza, tomando por guia os problemas que se deprontam no panorama das realidades nacionais.

     46. Dêsses problemas repitamo-lo-o primeiro o exigir imediato andamento é o da ampiação dos nossos quadros de cientistas, tecnologistas e pesquisadores, êsse é um ponto ppacífico nos meios interessados em tais questões. Aliás, é curioso observar a identidade de vistas, expressas em todos os países, a começar pelos Estados Unidos, onde, apesar da exigência de cêrca de três centenas de milhares de homens em condições de contribuir para o progresso dos conhecimentos científicos e tecnológicos, é grande o clamor em tôrno da carência de pesquisadores.

     47. Dentre os múltiplos problemas que estão entre nós, a reclamar solução, merece destaque o da preparação para utilisar as riquesas minerais na produção de energia atômica. Fôra insensato supor admissível qualquer improvisação nêsse difícil terreno. Razões decorrentes da política internacional aconselham aos brasileiros o dever e a decisão de se habilitarem para o aproveitamento de sua riqueza atômica, cuidando de mobilizar o imenso potencial econômico que lhes deu a natureza. Não seria admissível que permanecessemos inertes, quando tantas outras Nações se acham empenhadas a fundo nas pesquisas que hão de facultar ao homem a posse da nova e colosal fonte de energia.

     48. Deixando de parte o esfôrço ciclópico dos Estados Unidos, que tanto se agiganta nesta ordem de conquistas científicas, tecnológicas e industriais, não é menos admirável o que vêm fazendo o Canadá, a Inglaterra, a França, a Holanda, os Países Escandinavos. O exemplo da Suécia e da Noruega é adificante; sem possuirem urânio nem tório, avantajam-se nas pesquisas nucleares, em que estão invertendo anualmente nada menos de dez milhões de dólares.

     49. De tudo resulta que a marcha dos acontecimentos internacionais na hora presente vem focalisar como influência condicionante do próprio futuro das nacionalidades - a utilização da energia atômica.

     50. Para atingir êste desiderato, é indispensável o concurso de vários fatores.

     a) a existência de homens de ciência e de técnicos de várias especialidades;
     b) a posse de matérias primas adequadas;
     c) a existência de indústrias subsidiárias; e
     d) recursos financeiros.

     51. Temos que começar do início. As matérias primas fundamentais não nos faltam, especialmente o tório, de que é o Brasil um dos maiores depositários. Contamos, outrossim, num plano mais alto, com a matéria prima espiritual - que são os nossos cientistas e pesquisadores; seu número é, porém, insuficiente, nas diversas especialidades.

     52. Quanto ao nosso parque industrial, o seu crescimento é função dos aperfeiçoamentos que há de receber da própria tecnologia e da pesquisa.

     53. A clarividência dos Altos Poderes Públicos saberá prover os meios necessários à consecução de tão alevantados objetivos.

     54. Importa, entretanto levar em conta, dentre as circunstâncias primordiais da real eficiência do futuro Conselho, aquelas que decorrem de sua estruturação administrativa, enquadrada nos moldes das entidades nacionais.

     55. Assim é que, examinada, a questão da dependência do Conselho, se conclui que será de tôda vantagem optar pela subordinação direta e imediata ao Presidente da República, como órgão autárquico que deve ser o Conselho, gozando de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira. Seria difícil, senão impossível, dado o conjunto das nossas realidades, enquadrar num dos departamentos da administração pública um órgão que deverá ligar-se igualmente a vários deles.

     56. A importância das funções do Conselho na ação tonificadora sôbre o organismo nacional exige que lhe seja aplicado regime análogo àqueles que se têm provado vantajosos em outras instituições de alta relevância, como, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a Universidade do Brasil.

     57. A organização do Conselho Nacional de Pesquisa obedece à seguinte estrutura:

     a) - um órgão de deliberação, chamado, no anteprojeto, o Conselho Deliberativo, ao qual competirá a orientação superior da entidade;
     b) - um órgão de estudo, planejamento e coordenação, denominado Divisão Técnico-científica, dirigida por um Diretor-Geral;
     c) - Uma Divisão Administrativa que será o órgão encarregado das atividades - meios do Conselho.  

     58. Especial referência deve ser feita à Divisão Técnico-científica, onde se entrosarão as várias ramificações de pesquisas do Conselho. Dada a necessidade de assegurar ampla liberdade de movimentos nêste sector, o projeto deixou de parte qualquer preocupação de estruturação elástica, que possibilita a convocação, nessa Divisão de tantas comissões de pesquisa, laboratórios, institutos e outros órgãos quantos se tornarem necessários, a critério do Conselho Deliberativo.

     59. No que concerne aos recursos financeiros, de que disporá o Conselho, o projeto prevê a participação de várias fontes de receita, associado as dotações orçamentárias que lhe forem atribuídas pela União recursos taís como: subvenções de entidades públicas, doações e legados, renda da aplicação de bens patrimoniais e retribuição das atividades remuneradas dos laboratórios e quaisquer outros serviços, entre os principais.

     60. A responsabilidade financeira da União resume-se, para cada exercício financeiro, em incluir no orçamento geral, com título próprio, dotação sob forma de auxílio, destacada da cota a que se refere o artigo 169 da Constituição.

     61. O anteprojeto institui um fundo nacional de Pesquisas cientificas e tecnológicas, especialmente administrado e movimentado pelo Conselho, de acôrdo, aliás, com as sugestões aprovadas pela Reunião de Peritos Científicos das Américas Latina, realizada em Montevidéu, em setembro de 1948, por iniciativa da U. N. E. S. C. O., e na qual esteve representado o Brasil.

     62. Além dêsse, outros fundos especiais, relacionados com suas finalidades, poderão ser constituídos pelo Conselho, em virtude de doações e auxílios de govêrnos estaduais e municipais, instituições privadas e pessoas físicas.

     63. O regime financeiro do Conselho vem disciplinado em capítulo próprio. Releva notar, nêste particular, os seguintes pontos:

     a) a adotação orçamentária, destinada ao Conselho pelo orçamento da União, será depositada, para movimentação, em Instituição oficial de crédito;
     b) o Conselho deliberará sôbre a distribuição dos recursos concedidos e examinará, para a devida comprovação, as demonstrações das despesas efetivadas;
     c) a movimentação de fundos será feita mediante a assinatura conjunta do Presidente e do Diretor da Divisão Administrativa do Conselho; e
     d) a prestação anual de contas será feita até o último dia útil de fevereiro de cada ano.

     64. Com relação ao elemento pessoal, dispõe o anteprojeto que o Conselho poderá requisitar servidores das repartições federais, admitir ou contratar pessoal científico ou técnico especializado, nacional ou estrangeiro bem como constituir comissões consultivas de homens de ciência pura e aplicada.

     65. Prevê, ainda, o anteprojeto a admissão de pessoal não caracterizado com permanente ou extranumerário enquadrando-o como industrial para efeito de regime de previdência social.

     66. Cumpre notar que várias matérias de interêsse para o pessoal - formas de admissão, regime de pagamento, atribuições, vantagens e deveres - são deixadas pelo anteprojeto para discriminação regulamentar, assim como a estruturação dos serviços técnicos e dos de administração, além dos requisitos e condições para a concessão de auxílios destinados a pesquizas.

     67. Por fim, deve-se salientar a disposição de abertura de um crédito especial de Cr$ 30.000.000,00 (trinta milhões de cruzeiros), para as despesas de instalação do Conselho, organização dos seus serviços e início de suas atividades de pesquisas no corrente exercício.

     68. Também foram tratadas outras questões, correlatas à da organização da pesquisa, como as que dizem respeito ao seu principal elemento - o pesquisador. Para que êste possa produzir convenientemente, não basta que disponha de adequado material de laboratório. Em todos os centros, nos mais avançados focos de pesquisa, é condição precípua do rendimento de seu trabalho o regime de tempo integral. Assim se observa em vários países estrangeiros, onde tal doutrina é ponto pacífico. E, entre nós, as vantagens colhidas de prática do tempo integral na Universidade de São Paulo são bem conhecidas.

     69. Outra providência de alta valia seria a criação da carreira de pesquisador e das vantagens e regalias que lhes devem ser asseguradas; o rendimento útil da pesquisa seria necessáriamente melhorado pela garantia de compensação a seu esforço; poderia assim, o pesquisador dedicar-se totalmente à sua nobre tarefa, por isso que o Estado zelaria pelo bem estar presente e futuro de sua família.

     70. Reconhecendo embora o alcance de tais medidas, não poderia a Comissão incluir na sua tarefa senão os dispositivos compatíveis com o seu mandato.

     71. Pede a Comissão, no entanto, venia a V. Ex.ª para sugerir a conveniência de ser promovida a elaboração de uma lei substantiva, destinada a atender a tão justos, humanitários e úteis objetivos, que não escaparão ao reto julgamento de V. Ex.ª.

     72. Releva, também, salientar que a Academia Brasileira de Ciências, pelos serviços prestados durante os trinta anos de sua fecunda existência e pelos que ainda virá a prestar como órgão consultivo do Conselho, está a mercer dos poderes públicos o amparo a que faz jus, capaz de assegurar a estabilidade de sua ação, tão útil à divulgação da cultura científica nacional. Para êsse fim, seria certamente oportuna a previsão, em lei, de um auxílio financeiro permanente, não inferior ao que pela primeira vez lhe foi concedido no corrente ano.

     73. Outro assunto, pela sua relevância, também objeto de larga reflexão, foi o referente à composição do Conselho. A preocupação de conciliar a maior eficiência com o menor número de membros levou à escolha da fórmula consubstanciada no anteprojeto. Nessa solução de procura dar natural preponderância numérica aos representantes da ciência, da tecnologia e da pesquisa, sem deixar de atender à necessária participação dos órgãos oficiais e privados diretamente interessados na matéria.

     74. Em várias legislações estrangeiras se encontra um número muito grande, ou mesmo sem limitação, de componentes do Conselho. Assim o é, por exemplo, nos Estados Unidos. O Conselho Superior de Pesquisas, da França, abrange, como vimos, cêrca de seis dezenas de membros.

     75. O incluso anteprojeto, para não deixar sem limite êsse número, fixa em 18 o de representantes propriamente da pesquisa, e em sete os das entidades governamentais ou não, relacionados com a investigação, além do presidente e do vice-presidente de livre escolha do Presidente da República.

     76. Torna-se possível tal limitação, mediante a faculdade de se convocarem quantas comissões especiais se fizerem necessárias ao solucionamento dos problemas, afetos ao Conselho. Aliás, as pessoas assim convocadas não se tornam, em consequência, membros do Conselho, e mesmo êstes não são, por essa investidura, funcionários públicos, embora os seus encargos se considerem, como em tôda parte, revestidos de alta relevância e dignidade.

     77. Os membros do Conselho não perceberão, segundo o anteprojeto, vencimentos ou gratificações, mas tão sómente as quotas de presença e as indenizações a que fizerem jus para viagens. Apenas o presidente e o vice-presidente terão direito à quota de representação que fôr fixada.

     78. Cumpre esclarecer que já se encontra em andamento no Congresso Nacional um projeto de lei, apresentado pelo sr. Deputado Pedroso Júnior, cujos dispositivos foram devidamente aproveitados no incluso anteprojeto, o qual representa um substitutivo ao aludido projeto, visando ampliar as providências que dêle constam.

     79. O anteprojeto, ora submetido a elevada apreciação de V. Ex.ª é o produto da colaboração de todos os membros da Comissão e representa, portanto, o seu pensamento coletivo.

     80. A Comissão foi constituida dos seguintes membros:

     Alvaro Alberto da Mota e Silva - Presidente.
     Adalberto Menezes de Oliveira.
     Alvaro Ozorio de Almeida.
     Artur Moses.
     Cesar Lates.
     Ernesto L. da Fonseca Costa.
     Euvaldo Lodi.
     Francisco João Mafei.
     Inácio M. Azevedo do Amaral.
     J. Costa Ribeiro.
     Jorge Latour.
     José Carneiro Felipe.
     Luís Cintra do Prado.
     Mário P. de Brito.
     Marcelo Lami de Sousa Santos.
     Mário Saraiva.
     Mário da Silva Pinto.
     Mário de Bittencourt Sampaio.
     Matinho Santos.
     Orlando Rangel.
     Teodoreto Souto.

     81. Nutrimos, Senhor Presidente, a convicção que êsse anteprojeto, em seus lineamentos gerais, corresponde a um anseio e a uma solução de âmbito nacional, e na sua elaboração não tivemos outro objetivo senão corresponder à alta confiança com que nos honrou V. Ex.ª, e trazer a nossa contribuição para o solucionamento de um problema tão estreitamente vinculado ao futuro do Brasil.

     Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª os protestos do nosso mais profundo respeito.

Alvaro Alberto da Mota e Silva
Presidente


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional de 24/05/1949


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - 24/5/1949, Página 4218 (Exposição de Motivos)