Legislação Informatizada - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14, DE 1996 - Exposição de Motivos

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14, DE 1996

Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Cosntituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 273, DE 13 DE OUTUBRO DE 1995, DOS
SENHORES MINISTROS DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, DA
JUSTIÇA, DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, DO
PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO DA FAZENDA, INTERINO

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a proposta em anexo de emenda à Constituição, que visa a reformular disposições relativas à educação, complementando as emendas que tratam da organização da administração pública e do regime dos servidores.

Considerações Gerais

     A questão da educação nacional, especialmente a da educação básica, constitui um dos grandes desafios a serem enfrentados por uma política responsável que tenha por objetivo o desenvolvimento social e econômico do País, com justiça e eqüidade. O reconhecimento da importância dessa questão fez com que Vossa Excelência elegesse a Educação como uma das cinco grandes prioridades do seu Governo.

     As obrigações do Estado para com o setor educacional foram consideravelmente ampliadas pela Carta Magna promulgada em 1988. Acolhendo aspirações e interesses de diversos segmentos da sociedade, sem a necessária avaliação da efetiva possibilidade da ação governamental, a Constituição gerou compromissos que ampliam em muito a complexidade da gestão da Educação, nas três esferas do Poder Público.

     Por outro lado, a mesma Carta não explicita de forma coerente as responsabilidades e competências de cada uma das esferas, de forma, que o cidadão comum saiba quem cobrar o cumprimento das garantias constitucionais.

     Tradicionalmente, ao Governo Federal tem sido atribuída a responsabilidade maior pelo ensino superior, cabendo-lhe, em relação ao ensino básico, apenas função normativa e ação supletiva, esta nunca claramente definida. Aos Estados e Municípios, com a autonomia que o regime federativo lhes assegura, cabe o atendimento das necessidades educacionais básicas da população, muito especialmente na faixa da educação fundamental obrigatória.

     Em conseqüência dessa indefinição de papéis, resulta um sistema - na realidade uma diversidade de sistemas - de atendimento educacional que deixa muito a desejar, sobretudo no que diz respeito à qualidade da educação oferecida. De fato, se é verdade que em termos quantitativos, notadamente no que se refere à  escolaridade obrigatória, o país avançou significativamente, a dispersão dos esforços dos três níveis de governo gerou grande heterogeneidade da qualidade do atendimento escolar.

     O que se verifica é que a distribuição dos recursos não é compatível com as efetivas responsabilidade na manutenção das redes de ensino. Dadas as diferentes capacidades de arrecadação e o fato de que as transferências constitucionais da União para Estados e Municípios, e dos Estados para os Municípios, não fazem segundo critério que levem em consideração necessárias específicas, seja na educação, seja em qualquer outra área, resulta que os distintos governos subnacionais apresentam diferenças substanciais na sua capacidade de investimento na educação.

     Uma das disparidades mais gritantes é o fato de que, precisamente nas regiões mais pobres do País, os Municípios respondem pela maior parte do atendimento no ensino fundamental obrigatório. Já nas regiões mais desenvolvidas, os Governos Estaduais provêem a maior parte do atendimento. Em ambas as situações, no entanto, o volume de recursos disponíveis em cada esfera de governo, apesar da vinculação constitucional de parte significativa das suas receitas (art. 212, CF), é claramente insuficiente para assegurar um ensino de qualidade minimamente aceitável. Isto fica evidente quando se examina a disponibilidade média de recursos fiscais, por aluno e por ano.

     De fato, os recursos constitucionalmente vinculados, considerando-se somente os impostos e transferências mais significativas, isto é, os Fundos de Participação e o ICMS, somam hoje cerca de  R$ 16,7 bilhões, no conjunto à manutenção do ensino fundamental, que conta hoje com uma matrícula de 29,3 milhões de alunos nas redes estaduais e municipais, teríamos uma disponibilidade média de aproximadamente R$ 340,00 por aluno.

     No entanto, a má distribuição dos recursos, gera disparidades imensas nesse valor médio por aluno: de um mínimo de R$ 80,00 para os Municípios da Maranhão a um máximo de R$ 1.165,00 para os Municípios de São Paulo; de um mínimo de R$ 220,00 no Estado do Pará a um máximo de R$ 830,00 no Estado do Rio de Janeiro. Há evidências de que, em um mesmo Estado do Nordeste, o dispêndio médio por aluno/ano, nas redes municipal de ensino foi de R$ 30,00, enquanto que na rede estadual foi de 300,00.

     Dados como estes mostram claramente que há uma grande iniqüidade na atribuição de responsabilidade entre os níveis de governo, quando se leva em consideração a capacidade de investimento de cada um. Esta distribuição perversa induz à conclusão de que há uma generalidade escassez de recursos, quando, na realidade, temos evidente deseqüilibrio na repartição de responsabilidades e recursos.

     Entretanto, o direito à educação fundamental, que é obrigatória, é consagrado pela Constituição como direito subjetivo de todos os brasileiros e, por isto, não deveria ser limitado pelas desigualdades econômicas entre as Unidades da Federação e entre os respectivos Municípios. Por outro lado, ainda que se deva reconhecer as legítimas aspirações da sociedade por educação nos níveis mais avançados e, mesmo, por um atendimento ampliado em creches e pré-escolas, é indubitável que a escolaridade obrigatória - exatamente por ser obrigatória - deve merecer do Estado a mais alta das prioridades.

     O papel do Governo Federal, face a esse quadro, precisa ser redefinido. A concepção federativa do Estado nacional, na Constituição em vigor, aponta para a desconcentração das ações em favor das Estados e Municípios e, conseqüentemente, para a função redistributiva dos recursos fiscais disponíveis, de sorte a promover maior eqüidade na capacidade de atendimento das demandas sociais em cada Unidade da Federação. Estes princípios precisam ser observados também na área da educação, na qual, mais do que uma ação supletiva não claramente definida, a União deve atentar para sua função redistributiva. 

     A emenda constitucional que ora submetemos à apreciação de Vossa Excelência contém a proposta de criação, por um período transitório, de um mecanismo de redistribuição dos recursos fiscais dos Estados e Municípios destinados ao ensino fundamental. Pelas estimativas atuais, considera-se que, para manter um ensino de qualidade aceitável ao mesmo tempo que assegurar uma remuneração média satisfatória para o conjunto da magistério, seria necessário um investimento mínimo por aluno e por ano de cerca de R$ 300,00. Através do mecanismo proposto, a União garantirá que pelo menos este investimento mínimo seja alcançado em todos os estados da federação, ao mesmo tempo que mantém o investimento médio já alcançado naquelas unidades da federação onde ele já é superior àquele mínimo.

A questão do magistério

     No contexto do desafio da universalização e, especialmente, da melhoria da qualidade do ensino fundamental obrigatório, a situação do magistério é particularmente preocupante. O ciclo vicioso "baixo salário - baixo desempenho - formação insuficiente", precisa ser rompido.

     Mais uma vez, a limitação dos recursos, que por sua vez limita a capacidade remuneratória de Estados e Municípios, é um fator importante, mas certamente não o único. A ausência de carreiras bem regulamentadas, a dispersão das escalas salariais, a falta de critério para um correto dimensionamento dos quadros são outros fatores relevantes a merecer consideração.

     Certamente que não incumbe ao Governo Federal estabelecer regras de carreira e de remuneração para os servidores dos governos subnacionais. No entanto, parece claro que a União deve oferecer estímulos para um correto equacionamento dessa questão.

     No que se refere aos níveis de remuneração, é preciso que se tenha consciência de que a Educação é, por sua natureza, um setor "intensivo de mão-de-obra", ou seja, a despeito dos avanços tecnológicos, a educação escolar da criança e do jovem ainda dependerá, por muito tempo, da presença do professor em sala-de-aula. Um professor que precisa estar não apenas preparado, mas também motivado para o exercício do seu magistério.

     Além disso, na concepção de uma educação fundamental democrática, o profissional do magistério deve ser alguém com suficiente qualificação para o exercício do diálogo e da interação com a comunidade, capaz de aferir os anseios dessa comunidade e de dar respostas adequadas, na perspectiva da Educação, e não de uma mera prestação de serviço, muitas vezes de natureza estritamente assistencial, que não é o papel específico da escola.

     Atrair e reter no magistério um profissional com estas características implica atribuir-lhe uma remuneração condigna, no contexto social em que atua. O que se observa hoje, no entanto, é que a realidade salarial do magistério da escola fundamental, especialmente nos sistemas municipais, nada tem a ver com aquele contexto. A limitação de recursos fiscais faz com que se estabeleça um perverso esquema de nivelamento "por baixo" dos salários, isto é, nenhum Município estabelecerá salários mais altos, ainda que pudesse, se os Municípios vizinhos, ou o próprio Estado, pagam salários mais baixos. Ou, no outro extremo, tendo recursos disponíveis e responsabilidade por uma rede extremamente reduzida de atendimento educacional, o Município se permite uma escala salarial desproporcionadamente elevada no contexto do Estado.

     Está claro que distorções dessa natureza não poderão ser corrigidas por meio de disposições constitucionais. No entanto, a proposição que se faz, que visa a atingir apenas a questão da distribuição mais equitativa da capacidade de investimento, permitirá que Estados e Municípios possam rever suas práticas de remuneração dos profissionais do magistério, Os estudos conduzidos pelo Ministério da Educação e do Desporto mostram que, a partir de uma nova modalidade de vinculação dos recursos fiscais para a Educação, será possível induzir políticas de remuneração do magistério nos Estados e Municípios mais consentâneas com a relevância social desses profissionais.

O Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e sua relevância

     O constituinte de 1988 certamente não esteve desatento ao desafio do ensino fundamental obrigatório no País. Ao manter no texto constitucional a vinculação obrigatória de recursos fiscais para aplicação em Educação, estabeleceu também, por um período de dez anos, uma vinculação de metade desses recursos para a consecução de objetivo de universalização do ensino fundamental.

     A letra do art. 60 do ADCT, no entanto, não foi suficiente para garantir um concentração dos esforços dos três níveis de governo no enfrentamento do desafio. Por um lado, por ignorar, irrealisticamente, o fato de existir uma distribuição extremamente desigual de responsabilidades na manutenção das redes de ensino fundamental entre Estados e Municípios, de uma para outra unidade da federação. Por outro lado, por não considerar, também, que o papel da União, de acordo com a mesma Constituição, seria apenas supletivo.

     Acresça-se, ainda, que o mesmo art. 60 do ADCT, em seu parágrafo único, estabelece, contraditoriamente, a obrigação das Universidades oficiais - portanto, também as mantidas pelo Governo Federal - de estenderem seus serviços à localidades interioranas de maior concentração populacional, o que fatalmente implicaria maiores dispêndios com essas instituições de ensino superior.

     Apesar disso, fica evidente que o constituinte teve a intenção de dar tratamento prioritário ao ensino fundamental obrigatório. A presente proposta de emenda constitucional retoma esta preocupação, porém, buscando dar-lhe um tratamento mais exeqüível, do ponto de vista operacional.

A questão da autonomia universitária

     A justa e necessária preocupação do Governo Federal com o ensino fundamental não pode resultar em omissão no que diz respeito ao ensino superior, uma vez que este sempre constituiu a responsabilidade prioritária da União, no desempenho de sua função supletiva.

     A rede de instituições federais de ensino superior cobre todo o território nacional, equalizando as oportunidades de acesso à formação de nível mais elevado, entre as diferentes regiões do País. Além do mais, essas instituições são indispensáveis para a formação dos professores dos demais níveis de ensino, devendo ser estimuladas a atuarem de forma mais efetiva no cumprimento dessa função.

     A eficácia dessas instituições, entretanto, depende de uma profunda alteração da estrutura burocrática que hoje as envolve, impedindo, inclusive, uma nacionalização no uso dos recursos disponíveis. A eficácia e racionalidade que se deseja exigem uma correta formulação da questão da autonomia universitária.

     Desde que inserida como dispositivo constitucional, a autonomia das universidades nos âmbitos didático-científico, administrativo e de gestão patrimonial e financeira tornou-se uma questão altamente controvertida. O dispositivo não pode ser auto-aplicável para as universidades mantidas pelo Estado, vez que estão elas sujeitas aos regulamentos da administração pública, como entidade que são da administração indireta.

     Por outro lado, as instituições públicas não-universitárias, por mais tradicionais e relevantes que sejam, não podem usufruir de nenhum dos poucos privilégios que o estatuto da autonomia poderia auferir-lhes.

     Finalmente, cabe enfatizar que, em relação as universidades mantidas por instituições privadas, o princípio da autonomia precisa estar claramente vinculado à regra da avaliação pelo Estado.

     Em conseqüência, faz-se necessário deixar claro que a autonomia das universidades e de outras instituições de ensino superior e de pesquisa terá que ser definida em legislação infraconstitucional. 

     Já considerando esse objetivo, a presente proposta inclui uma explicação do princípio constitucional da gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais, de modo a dele excluir as atividades de extensão desenvolvidas pelas instituições de ensino superior, sob a forma de cursos de treinamento, especialização e aperfeiçoamento. Embora estas sejam também atividades de ensino, normalmente se dirigem a públicos restritos, quase sempre profissionais e empregados de grandes empresas, constituindo fonte de receita própria não desprezível.

A natureza da proposta

     tendo presenta as razões até aqui expostas, a proposta de emenda constitucional, em anexo, tem por objetivos, primordialmente, assegurar:

     - definições clara das responsabilidades dos diferentes níveis de governo, no atendimento das necessidades educacionais da população, o que se refere à obrigatoriedade da educação fundamental;
     - transitoriamente, por um período de dez ano, a destinação de uma parcela, fixada em 15% dos recursos fiscais dos Estados e Municípios, para aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental obrigatório;
     - nesse mesmo período, a distribuição de parte desses recursos, através de Fundo, constituído para essa finalidade, com a participação financeira da União, em função da efetiva responsabilidade do Estado e dos seus Municípios no atendimento escolar, de modo a assegurar um nível de qualidade minimamente aceitável, garantida uma remuneração condigna para os profissionais do magistério;
     - a autonomia das universidades e demais instituições de ensino superior e de pesquisa, a ser exercida na forma da lei.

     Com estas medidas, Sr. Presidente, estamos certos de que será possível implementar, no curto prazo, ações efetivas que irão induzir uma profunda transformação do panorama da educação básica no Brasil, cumprindo um dos objetivos mais importantes do Governo de Vossa Excelência.

Respeitosamente,


Este texto não substitui o original publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 24/10/1995