Legislação Informatizada - DECRETO DE 22 DE NOVEMBRO DE 1823 - Publicação Original

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DECRETO DE 22 DE NOVEMBRO DE 1823

Manda executar provisoriamente o projecto de lei da Assembléa Constituinte sobre liberdade de imprensa.

     Considerando que, assim como a liberdade da imprensa é um dos mais firmes sustentaculos dos Governos Constitucionaes, tambem o abuso della os leva ao abysmo da guerra civil, e da anarchia, como acaba agora mesmo de mostrar uma tão funesta, como dolorosa experiencia: E sendo de absoluta necessidade empregar já um prompto, e efficaz remedio, que tire aos inimigos da Independencia deste Imperio toda a esperança de verem renovadas as scenas, que quasi o levaram á borda do precipicio, marcando justas barreiras a ella liberdade de imprensa, communicar livremente suas opiniões, e idéas, sirvam sómente de dirigil-o para o bem, e interesse geral do Estado, único fim das sociedades politicas: Hei por bem ordenar que o projecto de lei sobre esta mesma materia, datado de 2 de Outubro proximo passado, que com este baixa assignado por João Severiano Maciel da Costa, Meu Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, e que se principiara a discutir na Assembléa Geral Constituinte e Legislativa, tenha desde a publicação deste decreto, sua plena, e inteira execução provisoriamente, até á installação da nova Assembléa, que mandei convocar, a qual dará, depois de reunida, as providencias legislativas, que julgar mais convenientes, e adequadas á situação do Imperio. O mesmo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessarios. Paço em 22 de Novembro de 1823, 2° da Independencia e do Imperio.

Com a rubrica de Sua Magestade Imperial.
João Severiano Maciel da Costa.

Projecto a que se refere o decreto acima

A assembléa Geral, Constituinte, e Legislativa do Imperio do Brazil decreta:

I. Nenhuns escriptos, de qualquer qualidade, volume, ou denominação, são sujeitos á censura, nem antes, nem depois de impressos.

II. E' portanto livre a qualquer pessoa imprimir, publicar, vender, e comprar os livros, e escritos de toda a qualidade, sem responsabilidade alguma, fóra dos casos declarados nesta lei.

III. Todo o escripto impresso no Imperio do Brazil terá estampado o logar, e anno da impressão, e o nome do impressor: quem imprimir, publicar, ou vender algum escripto sem estes requisitos será condemnado em 50$000, e quem o comprar perderá os exemplares, que tiver comprado, e o duplo do seu valor.

IV. Quem falsificar algum dos requisitos mencionados no artigo antecedente será condemnado em 50$000, e quando pela falsificação attribuir o impresso a pessoa existente neste Imperio, se lhe dobrará a pena.

V. Todo aquelle, que abusar da liberdade da imprensa contra a Religião Catholica Romana, negando a verdade de todo, ou alguns dos seus dogmas, ou estabelecendo, e defendendo dogmas falsos, será condemnado em um anno de prisão, e 100$000; e si o abuso consistiu em blasfemar, ou zombar de Deus, do seus Santos, ou do culto religioso, approvado pela Igreja Catholica, terá a pena de seis mezes de prisão, e 50$000.

VI. O que abusar, excitando os povos directamente á rebellião, será condemnado em dez annos de degredo para uma das Provincias mais remotas, e 800$000; e si o fizer por meios indirectos, fazendo allegorias, espalhando desconfianças, ou praticando outros similhantes actos, será condemnado em metade da sobredita pena.

VII. Si o abuso consistir em atacar a fórma do Governo-Representativo-Monarchico-Constitucional, adoptado pela Nação, será condemnado em cinco annos de degredo, e 600$000.

VIII. Si se dirigir a infamar, ou injuriar a Assembléa Nacional, ou o Chefe do Poder Executivo, será condemnado em tres annos de degredo, e 400$000.

XI. Si com o abuso provocar os povos á desobediencia ás leis, ou ás autoridades constituídas, será condemnado em dous annos de degredo, e 200$000.

X. Quem abusar da liberdade da imprensa contra a moral christã, ou bons costumes, será condemnado em seis mezes de prisão, e 50$000.

XI. O que abusar desta liberdade, imputando factos criminosos a empregados publicos em razão de seu officio, si os não provar, será condemnado em seis mezes de prisão, e na quantia de 200$000 até 1:000$000, conforme a qualidade da calumnia, emprego do calumniado, e posses do calumniador.

XII. Si o abuso fôr contra pessoas particulares, ou contra empregados, mas não em razão do offício, imputando-se-lhes crimes, por que deveriam ser processados, ou vicios, e defeitos, que os fariam despresiveis, e odiosos, será condemnado em tres mezes de prisão, e na quantia de 50$000 até 400$000, conforme a qualidade das pessoas, ainda que o injuriante se proponha a provar o que affirma.

XIII. Si o abuso consistir em simples injurias, que directa ou indirectamente tenham por fim deprimir o credito de qualquer pessoa, será condemnado em 50$000.

XIV. Em qualquer dos casos dos tres artigos antecedentes haverá a indemnização do damno, e reparação da injuria, que pela lei competir, si os Juizes declararem ter logar.

XV. Si os réos não tiverem possibilidades para pagar as condemnações pecuniarias, serão estas commutadas em prisão, contando-se um dia por cada 2$000, nos casos dos arts. 3, 4, 5, 10, 11, 12, 13, e em degredo, contando-se um anno por cada 400$000.

XVI. Pelo abuso, em qualquer destes casos será responsavel o autor, ou o traductor; quando, ou não constar quem estes sejam, ou constando, si se verificar que residem fóra do Imperio, cahirá a responsabilidade sobre o impressor; e pelos abusos commettidos nos escriptos impressos em paizes estrangeiros responderão os que os publicarem, ou venderem neste Imperio.

XVII. Depois de proferida a sentença condemnatoria, incorrerão nas mesmas penas os que continuarem a vender, ou propagar os escriptos abusivos, por qualquer dos modos acima referidos.

XVIII. Havendo reincidencia em alguns dos casos, verificada a identidade, multiplicar-se-hão as penas pelo numero das reincidencias.

XIX. A qualificação destes delictos pertence aos Conselhos de Juizes de Facto, que para este fim se hão de crear nas comarcas, havendo em cada uma dellas um Conselho de nove Vogaes, e outro de doze.

XX. Para formalisar o processo, e julgal-o, haverá um Juiz do Direito, que será o Corregedor do Crime na Côrte, os Ouvidores do Crime nas comarcas, em que houver Relação, e nas outras o seu respectivo Ouvidor. E haverá tambem um Promotor da Justiça em cada comarca, o qual deverá ser Bacharel formado em alguma das Faculdades Juridicas, ou escolhido d'entre os Advogados de conceito nas comarcas, onde não houverem Bachareis formados.

XXI. Em cada legislatura serão eleitos para Juizes de Facto 60 homens bons, escolhidos pelos eleitores, da mesma fórma, que fizerem a eleição dos Deputados, e remettida ao Juiz de Direito uma cópia authentica desta eleição, elle fará logo recolher a uma urna, que se ha de guardar no archivo da Camara da cabeça de comarca, tantas cedulas quantos forem os eleitos, cujos nomes se escreverão nellas para se extrahirem as necessarias nas occasiões de formar-se o Conselho.

No mesmo acto, e pela mesma maneira se elegerá o Promotor.

XXII. O que houver de ser escolhido para Juiz de Facto deverá ter as mesmas qualidades, que se requerem para ser eleitor, e o eleito nas tres primeiras legislaturas não poderá escusar-se a pretexto algum, além de notorio impedimento physico.

XXIII. Emquanto não tiver logar a eleição pela maneira sobredita, se fará na Camara da cabeça da comarca á pluralidade de votos, sob a presidencia do Juiz de Direito, convocando-se para este fim o maior numero de cidadãos, que fór possivel, de toda a comarca.

XXIV. A denuncia do abuso da liberdade da imprensa, em algum dos casos dos arts. 5 até 10 inclusive, será feita pelo Promotor, ou por qualquer cidadão perante o Juiz de Direito de qualquer comarca, segundo o caso occorrer, ficando preventa no primeiro Juizo, onde fôr dada: nos outros casos dos arts. 2º, e seguintes, só poderá ser dada pelos offendidos.

XXV. O Juiz de Direito, no caso do art. 6, inquirirá summariamente tres testemunhas, logo que tiver a denuncia, e conhecendo quem seja o réo, mandará proceder á prisão delle, e a sequestro dos exemplares denunciados em qualquer mão, em que se acharem.

XXVI. Tomada a denuncia, passará o Juiz de Direito a eleger o primeiro Conselho de Juizes de Facto, concorrendo para esse fim á casa da Camara com o Escrivão respectivo, Promotor, e denunciante, si o houver; fará extrahir da urna por um menino nove das cedulas de que falla o art. 21, as quaes indicarão as pessoas de que se ha de compôr o dito Conselho, e mandará de tudo lavrar termo em livro privativamente designado para isso e por elle rubricado, e fazer a publicação por editaes.

XXVII. Immediatamente o mesmo Juiz de Direito convocará os eleitos para comparecerem na casa da Camara, em dia marcado, e castigará os que faltarem com a pena de 20$000 pela primeira vez, de 50$000 pela segunda, e de 100$000 pela terceira, perdendo além disso o direito activo e passivo de eleição aquelle, que fôr achado nesta terceira reincidencia.

XXVIII. Reunido o Conselho, deferirá o Juiz de Direito o juramento dos Santos Evangelhos a todos os Vogaes, e a portas abertas lhes entregará o objecto da denuncia, que deve estar competentemente autoado.

XXIX. Os Vogaes se recolherão a outra casa, em que sós, e a portas fechadas, conferenciem entre si debaixo da presidencia do primeiro na ordem da eleição, e o resultado desta conferencia será escripto por um delles nos proprios autos, declarando si o impresso contém, ou não, motivo do formar-se processos pelo abuso denunciado, segundo o que assentarem á maioria absoluta de votos.

XXX. Preparada assim a decisão, voltarão os Vogaes á primeira casa, e o que serviu de Presidente a lerá publicamente em presença do Juiz de Direito.

XXXI. No caso de ser a declaração negativa, o Juiz de Direito proferirá a sentença, em que julgue sem effeito a denuncia, ordene a soltura do réo, si estiver preso, e o levantamento do sequestro dos exemplares, condemnado o denunciante nas custas, quando seja pessoa particular.

XXXII. Si a declaração, porém, fôr affirmativa, o mesmo Juiz, por sua sentença, declarará ter logar a accusação; ordenará o sequestro em todos os exemplares denunciados, e a prisão do réo, no caso do art. 6, quando já não esteja preso em virtude da prévia diligencia ordenada no art. 25.

XXXIII. Dada a sentença, seguir-se-ha a accusação, que deverá, em todos os casos, ser intentada no Juizo do domicilio do réo.

XXXIV. Apresentado o processo ao Juiz de Direito, ou pelo accusador, a quem será entregue nos casos dos arts. 11, 12 e 13, ou pelo Correio, remettido oficiosamente nos casos dos arts. 5, 6, 7, 8, 9 e 10, ficando sempre o traslado no primeiro Juizo, mandará logo notificar o réo, para que por si, ou seu procurador, compareça no dia da reunião do segundo Conselho.

XXXV. Esta notificação será acompanhada da cópia do libello accusatorio e rol das testemunhas, e entre ella e o comparecimento mediará, pelo menos, o espaço de oito dias. No caso de revelia se nomeará um Advogado por parte do réo.

XXXVI. No dia aprazado, concorrendo o Juiz de Direito com os eleitos na casa da Camara, a portas abertas, fará extrahir da urna 12 cedulas dos que hão de formar o segundo Conselho, não entrando nelle os que já tiverem formado o primeiro; e neste acto poderão os accusados recusar até 20, e o accusador ou accusadores até 10.

XXXVII. Reunidos os Vogaes, assim apurados, e prestado por elles o juramento, o Juiz de Direito fará ao réo as perguntas necessarias, e, findo o interrogatorio, ordenará ao Escrivão que leia, tanto a accusação, como a defesa, que o réo tiver apresentado, e mais peças do processo; fazendo o mesmo Juiz uma exacta exposição para intelligencia dos Juizes de Facto, das partes e das testemunhas, a cuja inquirição se deve logo proceder, principiando pelas do autor.

XXXVIII. Tanto o accusado como o accusador poderão, no mesmo acto, contestar e arguir as testemunhas sem as interromper, assim como poderão verbalmente fazer as suas allegações e defesas.

XXXIX. Formado o processo, fará o Juiz de Direito um relatorio resumido, indicando as provas e fundamentos de ambas as partes, e propondo por escripto aos Juizes de Facto as questões seguintes: O impresso denunciado contém tal abuso de liberdade de imprensa? O accusado é criminoso deste delicto? E (nos casos dos arts. 11, 12 e 13) terá logar a indemnização do damno e reparação da injuria?

XL. Retirando-se os 12 Vogaes para outra casa, a portas fechadas, conferirão entre si sobre cada um dos quesitos na fórma do art. 29, e com as declarações escriptas, por todos assignadas, tornarão perante o Juiz de Direito, a quem o Presidente as entregará, depois de a ter lido publicamente.

XLI. Si a decisão fôr negativa, o Juiz de Direito proferirá a sentença de absolvição do réo, ordenará a sua soltura e a relaxação do sequestro dos exemplares; condemnando nas custas o accusador, si fôr particular.

XLII. Si fôr affirmativa a decisão, o mesmo Juiz, por sentença, applicará a pena correspondente e condemnará o réo nas custas e reparação do damno, si houver declaração de ter logar, ordenando a suppressão de todos os exemplares denunciados.

XLIII. Si a decisão fôr de que o impresso contém abuso, mas que o accusado não é criminoso, o Juiz de Direito ordenará na sentença sómente a suppressão dos exemplares, absolvido o accusado e pagas as custas pelo accusador, si fôr particular. Em qualquer dos casos a sentença será sempre publicada no mesmo acto.

XLIV. Em qualquer destes actos, que, segundo o estabelecido nos artigos antecedentes, devem ser publicos, nenhuma pessoa assistirá com armas de qualquer qualidade, sob pena de ser presa como in flagranti, e processada na fórma das leis.

XLV. Terá logar o recurso para os Tribunaes ordinarios dos respectivos districtos nos dous unicos casos de nullidade do processo da declaração dos Juizes de Facto, por falta de algum dos requisitos desta lei, ou do Juiz de Direito não ter applicado a pena correspondente; e nestes casos, havendo reforma das sentenças, poderá ser o Juiz de Direito condemnado nas custas.

XLVI. Ficam revogadas as leis, alvarás, decretos, portarias e resoluções que de qualquer fórma se opponham ao presente decreto.

Paço da Assembléa, 2 de Outubro de 1823. - José Antonio da Silva Maia. - Bernardo José da Gama. - Estevão Ribeiro de Rezende. - José Teixeira da Fonseca Vasconcellos. - João Antonio Rodrigues de Carvalho.

Paço em 22 de Novembro de 1823. - João Severiano Maciel da Costa.

 


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1823


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1823, Página 89 Vol. 1 (Publicação Original)