Legislação Informatizada - DECRETO DE 13 DE DEZEMBRO DE 1831 - Publicação Original

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DECRETO DE 13 DE DEZEMBRO DE 1831

Dá Regulamento para o porto do Rio de Janeiro.

     A Regencia, em Nome do Imperador, em virtude da autoridade que a Lei de 15 de Novembro deste anno confere ao Governo de reformar as Alfandegas do Imperio, Decreta o seguinte:

TITULO I
Regulamento do porto do Rio de Janeiro


CAPITULO I
LUGARES DESIGNADOS PARA ANCORADOURO


     Art. 1º Haverá no porto do Rio de Janeiro tres ancoradouros para as embarcações mercantes; a saber: um para as que entrarem por franquia, ou arribarem por alguma necessidade ou accidente maritimo; outro para as que esperam descarga, ou têm reexportação, ou baldeação; e outro para as que estiverem á carga.

     Art. 2º E' designado para ancoradouro de franquia o espaço comprehendido entre uma linha tirada da fortaleza de Villegaignon até a Boa-viagem, e outra tirada da ponta do Trem até o Gravatá, dentro do qual espaço as embarcações deverão amarrar de meia bahia para a parte da cidade em duas, ou mais linhas a rumo de Norte-Sul.

     Art. 3º E' designado para ancoradouro das embarcações, que esperam descarga, ou têm que reexportar, ou baldear, o espaço entre a ilha das Cobras, e a das Enxadas, tendo por limite á Leste uma linha tirada entre as duas extremidades orientaes das ditas Ilhas, e outra tirada dos armazens de madeira da ilha das Cobras até a ponta da ilha das Enxadas, que fica mais a Sudoeste. As embarcações fundearão alinhadas dentro destes limites a rumo de Noroeste-Sueste com os páos de retranca, e bojarrona desarmados, e mettidos dentro, deixando Livre para a navegação espaço que medea entre ellas, e a ilha das Cobras.

     Art. 4º E' designado para ancoradouro das embarcações á carga o espaço desde o trapiche do Sal até a Saude, e neste espaço as embarcações fundearão em uma, ou mais linhas nos rumos de Noroeste-Sueste, deixando livre entre ellas, e a cidade, não só a navegação ás embarcações costeiras, que têm de descarregar as producções do paiz nos trapiches situados nas praias fronteiras a este ancoradouro, mas tambem o espaço necessario para as embarcações, que tiverem necessidade de fabricar, ou se acharem em fabrico.

     Art. 5º Não se comprehendem nas disposições precedentes as embarcações costeiras vindas de portos desta Provincia, ou de outra qualquer do Imperio, nos quaes não houver Alfandegas; por quanto taes embarcações continuarão a tomar o ancoradouro, que têm tido até agora.

CAPITULO II
GUARDA, E VIGIA DOS ANCORADOUROS


     Art. 6º Para a guarda, e vigia dos ancoradouros, haverá sete embarcações, que serão com preferencia as de guerra desarmadas, a saber: duas no ancoradouro de franquia, tres no de descarga, e duas no das embarcações á carga, as quaes se postarão fundeadas nos lugares mais apropriados á guarda, e vigia das embarcações surtas no respectivo ancoradouro.

     Art. 7º Além destas embarcações haverá mais uma que deverá estar sempre fóra da barra deste porto para evitar o extravio, e contrabando da costa.

     Art. 8º O numero de gente, qualidade do armamento, e detalhe do serviço ordinario das embarcações, e escaleres incumbidos da vigia, e guarda dos ancoradouros, será fixado pelo Juiz da Alfandega com approvação do Ministro da Fazenda.

     Art. 9º As ditas embarcações, e seus escaleres usarão de signaes particulares, secundo o regimento, que lhes fôr dado pelo Juiz para se entenderem, e corresponderem mutuamente, tendo as embarcações um distinctivo permanente para serem reconhecidas, e respeitadas pelas embarcações mercantes.

     Art. 10. Cada uma das embarcações da guarda, e vigia, será commandada por um Official, o qual ficará sujeito ás ordens do Juiz da Alfandega.

     Art. 11. Um dos Commandantes das embarcações da guarda de cada ancoradouro será o Commandante delle por escolha do Juiz da Alfandega, e assim os Commandantes das outras embarcações da guarda do respectivo ancoradouro, como os Mestres, e Capitães das embarcações mercantes ahi surtas, lhe obedecerão em tudo quanto fôr tendente ao exacto cumprimento deste Regulamento.

     Art. 12. A principal obrigação dos Commandantes das embarcações da guarda é promover a exacta observancia deste Regulamento, e evitar todo e qualquer descaminho, e defraudação de direitos. Para se conseguirem estes importantes fins deverão:
     1º Vigiar escrupulosamente de dia, e noite, fazendo rondar pelo ancoradouro os escaleres das embarcações da sua guarda, para não desembarque de bordo volume algum sem despacho da Alfandega, apprehendendo os que forem achadas sem elle, e que não vierem acompanhados por um guarda de conducção.
     2º Não consentir, se não nos termos dos arts. 21, 22 e 28, communicação alguma com a terra ás embarcações em franquia antes, ou depois da visita, nem ás que estiverem no ancoradouro de descarga.
     3º Cuidar em que as embarcações mercantes tomem os seus ancoradouros respectivos, e nelles se conservem dentro dos limites marcados neste Regulamento, podendo mandar vir á falla, arribar e perseguir todos os escaleres, lanchas, ou barcos quaesquer, que passarem por taes ancoradouros, e se lhes fizerem suspeitos; e não consentindo que os barcos de descarga junto aos navios sejam atracados por outros barcos vasios.
     4º Prestar todos os auxilios, que lhes forem requisitados pelos Officiaes da Alfandega, e Consulado, cuja fiscalisação em continúa do mesmo modo, devendo entender-se com elles, e conservar a melhor harmonia; obrando cumulativamente, e de arcôrdo, ajustando signaes para se reconhecerem de noite, e usando de todas as mais cautelas que julgarem convenientes.
     5º Participar ao Juiz da Alfandega tudo o que fôr conducente á fiscalisação dos interesses nacionaes, e á boa ordem do serviço naquillo, que fôr de sua competencia, e cumprir as ordens, que pelo dito Juiz lhe forem dadas.
     6º Empregar a força á sua disposição quando for necessaria para se conseguir a plena execução do determinado neste Regulamento.

     Art. 13. Além da vigia das embarcações da guarda, e seus escaleres, as embarcações em franquia serão vigiadas pela fortaleza de Villegaignon, e tanto estas, como as dos outros ancoradouros, o serão tambem pelas embarcações de guerra nacionaes, que accidentalmente se acharem estacionadas na proximidade dos mesmos ancoradouros, podendo os seus escaleres perseguir e apprehender os extraviadores.

     Art. 14. Todos os objectos apprehendidos pelos escaleres das embarcações da guarda, e vigia, e pelos das outras de guerra, e da fortaleza, serão remettidos pelo Commandante, do respectivo ancoradouro ao Juiz da Alfandega, com parte por escripto, em que se declare o escaler, e os nomes dos apprehensores; e logo que segundo as leis se julguem boas as apprehensões, será metade para a tripolação do escaler apprehensor, e metade para a tripolação, ou guarnição da fortaleza, ou embarcação a que elle pertencer, tendo cada individuo uma quota igual. No caso de haver denunciante terá este metade, e o resto se dividirá como acima.

     Art. 15. As referidas embarcações da guarda e vigia deverão ter sempre, durante a noite, içadas no mastro duas lanternas com boa luz, e as embarcações mercantes fundeadas nos ancoradouros deverão ter uma tambem içada no mastro grande. Os escaleres de vigia andarão com luz ou sem ella. Os escaleres, ou quaesquer outras embarcações que vierem dos ancoradouros para terra, ou forem de terra para os ancoradouros, terão em lugar alto uma lanterna com boa luz. Os que contravierem a este artigo serão multados em 10$000 pagos da cadêa.

     Art. 16. Quando as embarcações entrarem a barra de noite, a fortaleza de Santa Cruz lhes ordenará que ponham immediatamente uma lanterna accesa no mastro grande, e a conservarão toda a noite.

CAPITULO III
ENTRADA NO PORTO, ANCORADOURO EM FRANQUIA, E VISITA DAS EMBARCAÇÕES MERCANTES


     Art. 17. As embarcações mercantes, que entrarem no porto, deverão dirigir-se logo em direitura para o ancoradouro de franquia, que lhes será indicado pela fortaleza de Santa Cruz, e nelle darão fundo, seja qual fôr o destino da sua vinda a este porte; e só depois de receberem ahi a visita da Alfandega passarão para o ancoradouro, que lhes pertencer. Os Mestres, ou Capitães de taes embarcações entregarão logo ao Commandante da franquia os manifestos, livros de carga, e listas de passageiros; e o dito Commandante os entregará aos Officiaes da Alfandega quando forem visitar a embarcação.

     Art. 18. O Commandante do ancoradouro de franquia dará parte ao Juiz da Alfandega ás 9 horas da manhã, ao meio dia, e ás 3 horas da tarde, das embarcações, que houverem entrado, sendo estes avisos mandados á casa do Juiz, quando a Alfandega estiver fechada, a fim de que elle mande immediatamente fazer a competente visita, a qual se verificará todos os dias, quér sejam de trabalho, quér de guarda, desde as 8 horas da manhã até as 6 da tarde.

     Art. 19. As visitas de entrada se farão pela maneira até agora observada, e os Mestres serão demais obrigados a entregar aos Officiaes da visita da Alfandega todas as encommendas, que por não virem manifestadas são de facil descaminho, podendo exigir dos ditos Officiaes que assignem uma relação dellas: e todos os volumes ou encommendas não manifestadas, ou entregues, que depois se encontrarem na busca, ou revista, serão tomados por perdidos: excepto se forem roupas do uso pessoal dos passageiros.

     Art. 20. Igualmente os passageiros entregarão aos ditos Officiaes da visita os seus bahús, e poderão acompanhal-os até o armazem da Alfandega, que deverá haver para arrecadação delles, e das encommendas, quando o desembarque se fizer a horas que esteja fechada a Alfandega.

     Art. 21. Emquanto as embarcações não receberem a visita da Alfandega, lhes fica vedada toda e qualquer communicação com a terra. Se todavia o Capitão, ou Mestre tiver necessidade muito urgente de vir á terra, o Commandante do ancoradouro lhe concederá licença indicando-lhe o lugar onde deverá desembarcar, para o qual seguirá em direitura; e ahi haverá guardas da Alfandega, que visitem o barco, que o transportar, sendo outra vez visitado no regresso.

     Art. 22. Ainda depois da visita da Alfandega, não poderá ir a bordo da embarcação em franquia pessoa alguma que não pertença á sua tripolação, sem ordem por escripto do Juiz da Alfandega, e tanto estas, como as da embarcação, ficam sujeitas a revistas e buscas, quando haja suspeitas de quererem fazer o extravio. Os transgressores serão presos, e remettidos ao Juiz da Alfandega com parte circumstanciada por escripto do Commandante do ancoradouro, para proceder contra elles na fórma das Leis.

     Art. 23. A's embarcações, que entrarem por franquia, não concederá o Juiz prorogarão della sem justa causa, e isto só por cinco dias; e sem licença do mesmo Juiz não passarão para outro ancoradouro, a qual será unicamente concedida em caso de necessidade. Taes licenças porém não ficarão sujeitas a emolumento algum, se o não estavam ainda até aqui.

     Art. 24. Se os Mestres das embarcações declararem que se destinam a descarregar neste porto, e assim constar do seu passaporte, e despacho, ser-lhes-ha intimado pelo Guarda-mór que passem para o ancoradouro correspondente até o dia seguinte, se assim o permittir o tempo; e não o fazendo serão obrigados a isso pelo Commandante do ancoradouro; devendo em todo o tempo, que medear desde a intimação até o seu cumprimento, conservar içado o signal, que para este fim se estabelecer. No caso porém de terem algum impedimento para deixarem de cumprir com esta determinação, o representarão ao Juiz da Alfandega a fim de lhes deferir como fôr justo.

     Art. 25. A's embarcações costeiras, e de cabotagem, logo que entrarem a barra, será ordenado pela fortaleza de Santa Cruz que se dirijam á embarcarão do registro da franquia, e ao Commandante della entregarão o seu manifesto, ou livros de carga, e seguirão para o seu ancoradouro. Os ditos manifestos, ou livros de carga, serão pelo dito Commandante entregues ao Guarda-mór na visita immediata.

CAPITULO IV
ANCORADOURO DA DESCARGA


     Art. 26. A descarga das embarcações se fará pela maneira estabelecida nas Leis, e Ordens em vigor; com declararão porém que não terá lugar a sahida dos generos das embarcações á descarga, quér seja para os trapiches, quér para outros barcos, ou navios, fóra das horas do despacho da Alfandega, antes deverá terminar á 1 hora da tarde. A descarga na ponte da Alfandega começará ás 8 horas da manhã, e terminará á 1 da tarde, a fim de haver tempo para se recolherem com a necessaria clareza e cautela os objectos descarregados.

     Art. 27. As embarcações, que tiverem de fazer, ou receber baldeações, ou reexportações, passarão do ancoradouro de franquia para o de descarga, e ahi se conservarão até a sua sahida do porto.

     Art. 28. Não poderá ir a bordo da embarcação mercante, que estiver neste ancoradouro, pessoa alguma, que a ella não pertença, salvo com ordem por escripto do Juiz da Alfandega. Os transgressores serão presos, e remettidos ao dito Juiz com parte circumstanciada por escripto do Commandante do ancoradouro para proceder contra elles na fórma das leis.

     Art. 29. Logo que a embarcação tiver completado a sua descarga deverá ajuntar em lugar proprio os sobresalentes despachos de retorno, que serão calculados segundo a força da embarcação, e duração da viagem declarada, a fim de facilitar a busca da visita, e depois de visitada tratará de receber o lastro necessario para a sua segurança, se o não tiver, e passará para o respectivo ancoradouro. Se todavia antes da visita lhe fôr indispensavel metter algum lastro, o Juiz da Alfandega lhe concederá licença.

CAPITULO V
ANCORADOURO DAS EMBARCAÇÕES A CARGA


     Art. 30. As embarcações da guarda, e vigia deste ancoradouro, e seus escaleres, não deixarão atracar ás embarcações nelle surtas embarcação alguma com generos sujeitos a direitos de sahida sem irem acompanhados de despacho do Consulado, que feita a descarga, será logo entregue pelo arraes ao Commandante do ancoradouro para o remetter no dia seguinte ao Administrador das diversas rendas.

TITULO II
Disposições geraes



     Art. 31. Logo que se puzer elle plena execução o presente Regulamento, fica abolida a pratica de se porem guardas da Alfandega a bordo das embarcações mercantes, pagos pela Fazenda Nacional.

     Art. 32. Todos os escaleres, barcos, faluas, ou quaesquer embarcações miudas, que navegam pela bahia desta cidade, deverão ter escripto, nos lugares mais apparentes do casco, o nome pelo qual são conhecidas, e os que pertencerem a embarcações deverão ter escripto do mesmo modo o nome dessa embarcação Os que não tiverem de 15 de Janeiro proximo em diante pagarão a multa de seis mil réis, e o dobro nas reincidencias.

     Art. 33. As embarcações mercantes, que não observarem o disposto no presente Regulamento, quanto aos ancoradouros, serão por este facto sómente, ainda que nenhum extravio tenha havido, multados em cento e vinte mil réis pelo Juiz da Alfandega, se neste Regulamento não fôr estabelecida outra pena.

     Art. 34. As multas impostas por este Regulamento pertencem á Fazenda Nacional, e serão recolhidas ao cofre da Alfandega para se remetterem ao Thesouro.

     Art. 35. Toda a despeza que se fizer com as embarcações da guarda, e seus escaleres, e com o seu armamento, tripolação e costeamento, a qual se não faria a não terem este emprego, será paga pela Alfandega.

     Art. 36. Este Regulamento será traduzido nas linguas franceza, e ingleza, e se entregará um exemplar delle impresso a cada Mestre, ou Commandante de embarcação mercante, que entrar neste porto.

     Art. 37. Os Presidentes das Provincias, em Conselho, proporão Regulamentos para seus respectivos portos, dando logo execução a este Regulamento, no que lhes fôr applicavel.

     Art. 38. Ficam derogadas todas as disposições em contrario.

     Bernardo Pereira de Vasconcellos, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, e Presidente do Thesouro Nacional, assim o tenha entendido, e o faça executar com os despachos necessarios.

Palacio do Rio de Janeiro em treze de Dezembro de mil oitocentos trinta e um, decimo da Independencia e do Imperio.

FRANCSICO DE LIMA E SILVA.
JOSÉ DA COSTA CARVALHO.
JOÃO BRAULIO MONIZ.
Bernardo Pereira de Vasconcellos.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1831


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1831, Página 72 Vol. 1 pt II (Publicação Original)