Legislação Informatizada - DECRETO DE 29 DE ABRIL DE 1828 - Publicação Original

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DECRETO DE 29 DE ABRIL DE 1828

Autoriza a fundação da Sociedade de seguros mutuos brazileiros, que se regerá pelos estatutos annexos.

     Tomando em consideração o que Me representaram alguns negociantes proprietarios de embarcações mercantes deste Imperio, para o estabelecimento de uma sociedade de seguros mutuos, sobre cujo objecto fui servido ouvir a junta do Commercio; e reconhecendo á vista dos estatutos organizados em 38 artigos, que subiram á Minha Augusta presença, e que baixam assignados por Theodoro José Biancardi, Official-maior da Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio, que da verificação deste projecto devem resultar copiosas vantagens ao commercio nacional, que muito desejo favorecer e animar: Hei por bem Prestar o Meu imperial beneplacito para a fundação da - Sociedade de seguros mutuos brazileiros - com os mencionados estatutos.
     Pedro de Araujo Lima, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, o tenha assim entendido, e expeça os despachos necessairios.

Palacio do Rio de Janeiro em 29 de Abril de 1828, 7º da Independencia e do Imperio.

Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador.
Pedro de Araujo Lima.

Estatutos da Sociedade de Seguros Mutuos Brazileiros 

     Art. 1º Denominar-se-ha esta sociedade - Sociedade dos seguros mutuos Brazileiros -, seus socios são todos negociantes que, possuindo embarcações que naveguem em mar alto, se quizerem associar assignando pelo todo ou parte que tiverem em suas embarcações, sendo brazileiros, e sendo além disso de reconhecido credito e probidade.
     Art. 2º O seu fundo não poderá nunca ser de menos de 1.000:000$000, em valores de navios, galeras, portugues, escunas, sumacas, lanchas, ou vasos de outra qualquer denominação, que naveguem no alto mar; podendo aliás elevar-se o seu fundo ao geral valor de todos os vasos mercantes brazileiros de todo o Imperio, querendo-o, e merecendo-o seus proprietarios.
     Art. 3º A sua duração será sem limite de tempo, emquanto durarem as circumstancias exigidas no antigo antecedente; os riscos desta associação serão todos os conteúdos nos 38 artigos que compõem estes estatutos, que só poderão ser alterados pela reunião dos socios de que tratam os arts. 8º e 32.
     Art. 4º Assignando os negociantes proprietarios de embarcações por si, ou por seus procuradores, primeiro em uma folha volante, que lhes será apresentada, e depois no livro mestre da associação dos seguros mutuos brazileiros, com a designação dos nomes das suas embarcações; estando preenchida a clausula 1º do art. 2º destes estatutos, receberão a sua apolice de seguro na fórma que abaixo se estipula nos arts. 33, 34, 35 e 36.
     Art. 5º Haverá uma caixa de prompto pagamento, que será formada das entradas, com que cada socio deverá entrar ou assignar no livro mestre; de 10% dos valores em que seguram as suas embarcações, a qual não poderá, por consequencia do art. 2º, ser de menos de 100:000$000.
     Art. 6º Aquelles proprietarios, que tendo assignado, tiverem as suas embarcações seguras em alguma companhia desta praça, entrarão com as apolices do seguro do casco, e apparelho dos seus vasos, por conta dos 10%, excedendo esse premio de seguro feito á quantia, com que deviam entrar, na conformidade do art. 5º; mas não chegando, deverão preencher em dinheiro corrente a condição do sobredito artigo; e excedendo o premio do seguro, que tiverem pago nas companhias da praça, aos 10%, receberão do Caixa da sociedade essa differença, entendendo-se assim que a sociedade depois de instituida fez por sua conta esse seguro.
     Art. 7º Os proprietarios, que se acharem nas circumstancias do artigo antecedente, deverão endossar as suas apolices de seguro feito nas companhias desta praça, á associação dos seguros mutuos brazileiros, na parte respectiva a cascos e apparelhos, entendendo-se assim que devolvem o seu seguro particular para a associação dos mutuos, que lhes fica responsavel pelos sinistros, que occorrerem na fórma da sua apolice, e destes estatutos.
     Art. 8º Começa esta sociedade tendo por Caixa o Sr .........., mas todos os annos no dia 7 de Janeiro, ou no immediato, sendo o dia 7 de guarda por impedimento divino ou civil, se deverão juntar os socios na casa da administração, e examinar o estado da associação, os livros, e mais objectos a ella relativos, e estando reunidos 25 proprietarios associados, poderão eleger por escrutinio secreto novo Caixa para o anno seguinte, mas não fazendo eleição, se reputará concordancia no actual.
     Art. 9º Terá um Administrador, que será obrigado a fazer executar o determinado nestes estatutos, e inspeccionar a escripturação, e arrumação de papeis, asseio da casa da administração, e mais incumbencias que estes estatutos lhe impõem nos artigos....... Nas reuniões dos socios presidirá o socio Caixa, tendo á direita o Administrador, e á esquerda o Guarda-livros.
     Art. 10. Um Guarda-livros, e um caixeiro escripturarão os livros, que deve haver na casa da administração, a saber:
     O livro-mestre, que será o em que se assignarão os associados por seus nomes, e firmas, por tal embarcação, no valor de tanto.
     O livro-caixa, em que se lançarão as entradas dos associados de encontro com as perdas, que occorrerem.
     O livro de index, dos nomes dos associados.
     O livro de index, dos nomes das embarcações.
     O livro de correspondencia do Administrador com os associados, para o fim de fazer cumprir com os presentes estatutos.
     O livro de assentos da sociedade, em que se devem lançar as notas das occurrencias, que houverem, já de perdas, já de mudanças de proprietarios, ou seus interesses. 
     O livro de despezas geraes da associação, em que se lançarão todas as que se fizerem, e pelas quaes o Administrador passará recibos distinctos ao socio Caixa.
     Art. 11. O Administrador, o Guarda-livros, e Caixeiro não poderão ser socios desta associação, e logo que conste terem tomado interesse em alguma embarcação, serão despedidos pelo socio Caixa, assim como o poderão ser por outra qualquer falta em suas obrigações, com a differença que o Administrador só poderá ser despedido pela reunião de 25 associados, e o Guarda-livros e caixeiro pela do Caixa com o Administrador.
     Art. 12. Tanto o socio Caixa como o Administrador terão um papel de nomeação, assignado por 25 socios pelo menos, como procuração, e o Guarda-livros e caixeiro terão assignado unicamente pelo socio Caixa e pelo Administrador.
     Art. 13. O Administrador terá de ordenado dous por cento do que existir em caixa no fim de cada anno, devendo-se-lhe comtudo pagar á conta 150$000 mensalmente para suas despezas, e terá de especial obrigação existir todos os dias de trabalho na casa da administração das 10 horas da manhã ás 3 da tarde; o Guarda-livros terá de ordenado 800$000, metade se lhe pagará á vista, mensalmente, e a outra metade em dous pagamentos, um no fim de Junho, e o outro no fim de Dezembro; o caixeiro terá 300$000 de ordenado, e se lhe pagarão mensalmente, ficando ambos ás ordens do Administrador no necessario para o cumprimento destes estatutos.
     Art. 14. Nenhum socio será admittido, cuja embarcação, ou interesse valha menos de 1:000$000; quando qualquer socio se quizer despedir da sociedade, ou der parte ao Administrador de ter vendido, ou desfeito a sua embarcação, ou interesse, este lhe passará a ordem para o Caixa lhe entregar a sua entrada dos 10% no fim do anno, depois de extrahido o balanço de perdas, e gastos até o dia em que foi socio.
     Art. 15. Todos os socios serão obrigados a participar por escripto, entregue na casa da administração, as vendas que fazem das suas embarcações associadas, ou interesses nellas, e entregar as apolices, a fim de se fazerem os devidos assentos no livro delles, e se procurar saber se o novo proprietario quer ou não continuar com a sua embarcação ou interesse na associação dos seguros mutuos brazileiros.
     Art. 16. Os proprietarios estabelecidos fóra desta praça, homens do mar, ou commissarios volantes, que se quizerem associar, deverão dar para esse fim a sua procuração especial a algum dos socios dos seguros mutueis brazileiros estabelecidos nesta Côrte, na conformidade do art. 1º.
     Art. 17. Todo o socio, que faltar a alguma das essenciaes obrigações dos presentes estatutos, perderá o seu deposito dos 10% ficando á associação o direito salvo dos mais damnos, que por tal omissão ou falta lhe possa causar. A associação poderá despedir por espheras brancas e pretas algum socio que lhe não convenha continuar a ter na sociedade.
     Art. 18. Serão obrigados todos os socios a participar por escripto, entregue na casa da administração, todas as viagens a que destinam, ou têm noticia seus correspondentes ou socios destinam as embarcações seguras no seguro mutuo; os sinistros, que se reclamarem sem estas participações, terem sido feitas, não serão admittidos a pagamento.
     Art. 19. A associação terá dous assalariados, um mestre carpinteiro de navios, e outro calafate, que serão os zeladores agentes da associação, para darem ex-officio conta á administração de tudo o que julgarem conveniente annunciar; deverão todos os annos, no mez de Dezembro, assistir ás conferencias, ou vistorias que o Administrador delles exigir, a fim de se prevenir qualquer prejuizo, que possa resultar á sociedade; serão justos, e poderão ser despedidos á vontade do Administrador, mas deverão sempre ser homens que saibam ler e escrever.
     Art. 20. Podem comtudo ser endossadas as apolices de seguros mutuos nos traspasses de propriedade, indo no endosso assignado o Administrador, para fé da concordancia do passe da apolice; passadas de outra maneira não terão validade para pagamentos da caixa.
     Art. 21. As embarcações associadas ao seguro mutuo são a especial hypotheca dos outros vasos, e por isso primeira propriedade d'onde se devem procurar os pagamentos dos outros sinistros occorridos no tempo da associação da embarcação, assim as embarcações dos fallidos ou fallecidos serão procuradas pelo Administrador na pessoa de credores, ou herdeiros para ajuste de contas com a caixa dos seguros mutuos brazileiros, e taes socios passarem a ser mudados ou riscados.
     Art. 22. A responsabilidade dos socios não se entende, ou se estende a mais do que aos valores das suas embarcações seguras, mas estes serão reputados bons por o quanto os tiverem seguro, ainda que elIas valham menos, e unicamente para segurança de taes valores é que hypothecam outra qualquer especie de seus bens, pelo que ficam todos os segurados obrigados pelos sinistros que occorrerem, como se tivessem assignado a apolice.
     Art. 23. Esta associação responde por todos os riscos cogitados, ou não cogitados, em que se não possa provar má fé do segurado ou associado, e rebeldia de patrão, como melhor se exprimirá em cada apolice, sendo unicamente objecto de seguro cascos, apparelhos e embarcações miudas dos vasos, e seus sobresalentes de navegação.
     Art. 24. Em respeito á legislação existente nas regulações da casa de seguros de Lisboa, mandado observar pelo 3º do Alvará de 11 de Agosto de 1791, arts. 20 e 22, não se pagarão sinistros alguns, que não excedam a 5 do valor do seguro, excedendo porém, serão pagos na conformidade do art. 20, isto é, pagando-se 98% de todos os sinistros.
     Art. 25. Os segurados devem pedir as suas perdas, tendo documentos que as provem, e devem fazel-o em tempo, dentro de dous mezes, contados do dia da noticia da perda para as que succederem nas costas, e mares do Imperio do Brazil, da linha para o Sul, e seis mezes da linha para o Norte; dentro de um anno ás que succederem na America do Norte, na Europa, e mares da Africa oriental, e occidental; e dentro de dous annos as que succederem na Asia, e Mar Pacifico.
     Art. 26. Apresentados os documentos dos sinistros totaes, ou parciaes ao Administrador, este convencionará com o segurado apresentante o dia e hora, em que deverá presenciar na casa da administração o escrutinio de que trata o art. 27.
     Art. 27. No dia aprazado tendo o Administrador uma urna, e tantas cédulas, quantas forem as assignaturas dos socios, as deitará dobradas em sorte na uma, e o segurado socio reclamante extrahirá cinco nomes, dos quaes poderá rejeitar tres, e preenchendo de novo os cinco eleitos, a estes dirigirá depois o Administrador os documentos da perda que se reclama, a qual elles assignarão em separado, ou camarariamente como lhes parecer, e se todos assignarem de accôrdo, se lhes passará mandado de pagamento, que o Caixa fará na conformidade destes estatutos.
     Art. 28. Discordando o menor numero de cinco, isto é, dous, se procederá como se todos tivessem concordado, mas discordando tres, ou o maior numero, nesse caso se repetirá o escrutinio, como no artigo antecedente, para sete socios, dos quaes nenhum poderá ser escuso pelo reclamante, e não concordando quatro em que se lhes pague, se deixará de pagar, e o Administrador defenderá, na fórma ordinaria do direito dos seguros, a associação, até ser obrigada judicialmente.
     Art. 29. Quando succeda algum, ou alguns dos extrahidos no escrutinio não querer votar sobre os documentos, que o segurado apresenta, extrahirá os que faltarem, sempre na presença do reclamante, até se preencher ou o numero dos cinco, ou dos sete; sendo no segundo exame, sempre se deixarão ir algumas folhas em branco junto aos documentos, para nellas poderem exarar laudos aquelles louvados, que assim o quizerem fazer.
     Art. 30. No fim de cada anno antes do dia 7 de Janeiro do anno seguinte, o Administrador tirando a conta geral das despezas da associação, e dos sinistros que se tiverem pago, deduzido o lucro do giro da caixa, fará o rateio dessa somma pelos valores seguros nas embarcações da associação, e remetterá a cobrar de cada socio em um recibo impresso para esse fim com a sua firma e a do socio Caixa, os tantos por cento, que couberem a cada um, com cujas entradas se preencherá annualmente a caixa de promptos pagamentos; todo o socio que faltar a estes pagamentos por mais de 60 dias, depois de lhe serem pedidos, será riscado, e annullada a sua apolice dos seguros mutuos brazileiros.
     Art. 31. O socio Caixa, para não ter os fundos da caixa em estagnação sem proveito da caixa, nem da praça, e em prejuizo geral de fundos mortos, comprará apolices, ou cédulas do Governo com juro, ou por procuração descontar bilhetes da Alfandega, ou letras que tenham pelo menos duas firmas de confiança, e cujos prazos não excedam a seis mezes; para estas transacções ou descontos terá os livros convenientes, e para esta escripturação se lhe abonarão 20% dos lucros, do que dará conta, apresentando os livros na sessão geral annual, de que falla o Art. 8º.
     Art. 32. Além da sessão geral annual poderão ser convocadas outras, ou por convite do Caixa, por assim julgar ter a propôr aos socios, ou pelas Mesmas razões ao Administrador, ou por carta, que seis socios assignem, indicando ao Administrador a necessidade, que têm de formarem uma sessão; para estas reuniões extraordinarias se dirá sempre na carta de convocação o fim para que se convocam, e não comparecendo 25 socios, que formam sessão geral, se atenderá que a reunião não é da approvação geral dos socios.
     Art. 33. Na apolice se fará menção do lugar onde o navio ou embarcação foi construido, o nome que tem, a idade, as toneladas, os mastros, os apparelhos, isto é, si uma ou mais andainas de panno, que embarcações miudas têm para seu serviço, o nome do dono, ou donos, do Capitão, o lugar onde o barco está ao tempo da entrada para a associação, com que destino, e do numero com que fica na associação, que será o mesmo da apolice.
     Art. 34. As apolices serão impressas, e assignadas de mão pelo socio Caixa, pelo Administrador, e pelo Guarda-livros, com a declaração do registro. De cada apolice, que se entregar, terá o Administrador 4$000, que receberá do seu proprietario, para renda da caixa da administração, que por isso ficará a seu cargo.
     Art. 35. Na apolice se dirá que a Associação dos seguros mutuos brazileiros fica correndo de ora em diante a tal..... vaso no casco e seus apparelhos os riscos de mar, ventos, tempestades, naufragios, varações, abordagens, mudanças forçosas de derrota de viagem, de Principes, ou Estados de qualquer fórma de governo, declaração de guerra, e de todos os casos cogitados, ou não cogitados, de que possa resultar prejuizo ao proprietario, excepto rebeldia de patrão, e abandono dos vasos, ou objectos de seguro.
     Art. 36. Tambem deverá ir exarado na apolice: - A Sociedade dos seguros mutuos brazileiros, por intervenção do seu Administrador F... abaixo assignado, com plenos poderes, segura para sempre emquanto esta apolice não fôr colhida, a tal.... barco, etc.; no caso de naufragio, ou de varação, dão-se os poderes ao socio segurado, e na falta delle ao procurador seu, ou a qualquer pessoa, que zelar possa a embarcação, e fazel-a chegar ao seu destino; e sendo necessario ou vantajoso vendel-a, e remetter-nos por nossa conta e risco o seu liquido producto: e nos obrigamos a estar pelas contas, que nos forem dadas, sendo legaes, claras juradas, e assignadas pelo executor, qualquer que elle fôr destas operações, ou as contas nos venham remettidas em direitura ao escriptorio da associação, ou sejam remettidas ao socio segurado, o qual nesse caso deverá apresentar os originaes, jurando serem os mesmos que recebeu; em caso de perda se comparará o resto salvo com o valor provado, para ser indemnizada a falta, que promptamente pagaremos.
     Art. 37. Em todos os barcos seguros nesta associação se mandará pregar na prôa, em lugar distincto, uma chapa de cobre com o emblema de uma esphera, que serão as armas da associação - branco em campo azul - e serão premiadas correspondentemente todas as pessoas que auxiliarem, e salvarem riscos da associação dos seguros brazileiros.
     Art. 38. Logo que estiverem preenchidos todos os quesitos dos sobreditos estatutos, o Administrador fará sciente a todos os socios, e ao publico pela gazeta, de que as suas apolices se acham promptas na casa da administração, e que a associação começa a correr os riscos da data em que estas primeiras apolices forem assignadas.

     Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio em 29 de Abril de 1828. - Theodoro José Biancardi.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1828


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1828, Página 19 Vol. 1 pt II (Publicação Original)