Legislação Informatizada - DECRETO DE 6 DE AGOSTO DE 1836 - Publicação Original
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DECRETO DE 6 DE AGOSTO DE 1836
Concedendo á Companhia do Rio Doce privilegio exclusivo para a navegação por meio de barcos de vapor ou de outros superiores que se descobrirem, no dito rio e seus confluentes, e entre as capitaes do Imperio e da Bahia, mediante as vantagens, isenções e encargos estabelecidos na Resolução da assmbléa Geral Legislativa de 17 de Setembro de 1835, com algumas declarações.
O Regente em Nome do Imperador o Senhor Dom Pedro II ha por bem conceder á Companhia de nacionaes e estrangeiros formada em Londres no mez de Agosto de 1833 por João Diogo Sturz, e denominada - Companhia do Rio Doce -, o privilegio exclusivo para navegar por meio de barcos de vapor, ou de outros superiores, que se descobrirem, não só o dito rio e seus confluentes, mas tambem directamente entre o mesmo rio, e as capitaes do Imperio e da Provincia da Bahia, ficando a referida Companhia no gozo de todas as vantagens e isenções, assim como sujeita a todos os encargos na fórma da Resolução da Assembléa Geral Legislativa de 17 de Setembro do anno passado, com as seguintes declarações.
1ª A Companhia do Rio Doce obriga-se a effectuar á sua propria custa no Rio Doce o nas suas cachoeiras aquelles melhoramentos, que fórem precisos para o transporte dos generos e mercadorias com aquella forma e peso, que ordinariamente usa embarcar-se a bordo de navios mercantes, desde a parte inferior da cachoeira das Escadinhas na Provincia do Espirito Santo, até a barra do rio do Peixe.
2ª A Companhia do Rio Doce tem o direito exclusivo de navegação por vapor, ou outros meios superiores que se descobrirem, do Rio Doce, e de todos os seus confluentes, e directamente entre o mesmo Rio Doce, e as Cidades do Rio de Janeiro e da Bahia, e vice-versa, por 40 annos, comtanto que na navegação de cabotagem sejão os barcos embandeirados á brasileira, e tripolados conforme a Lei, como está estabelecido no art. 1º da supracitada Resolução de 17 de Setembro do anno passado. O termo de 40 annos começará desde o dia em que a Companhia tiver um barco de vapor, ou outro superior, navegando em qualquer parte do Rio Doce; e a Companhia compromette-se a apresentar o tal barco ou barcos em 18 mezes, contados da data da final ratificação deste contracto, sob pena de perder todos os seus privilegios.
3ª Em todas estas aguas continuará a ser livre a navegação hoje commummente usada, salvo no Rio Doce, do ponto denominado - Escadinhas -, até as suas cabeceiras, o nos rios confluentes.
4ª A Companhia do Rio Doce tem o direito exclusivo de estabelecer e perceber taxas sobre toda ou qualquer embarcação, jangada ou balça, de toda e qualquer natureza, que navegar no Rio Doce, do ponto denominado - Escadinhas -, até as suas cacabeceiras, ou que navegar em todos ou quaesquer de seus confluentes. Exceptuão-se aquellas canôas que forem feitas de um só páo, e que forem de menor lote do que cem arrobas, ou as que forem unicamente empregadas na pescaria, ou para a propria commodidade dos moradores, para passarem de um para outro lado do rio; mas se tal canôa ou canôas passarem por obras da Companhia, ou se forem empregadas na conducção de generos, ou passageiros, então a tal conôa ou canôas serão sujeitas ás taxas do mesmo modo, que as outras embarcações. As taxas sobre as caudas de menos de cem arrobas de lote não serão augmentadas além daquellas que a Companhia exigir no decimo anno, sem prévio consentimento do Governo.
5ª Para se dar execução ao art. 9º da Resolução de 17 de Setembro do anno passado, na parte que estabelece a maneira de reunir as obras, o Governo Geral nomeará tres arbitros, e a Companhia outros tantos, devendo pelo menos dous de cada parte ser engenheiros intelligentes daquellas materias. Estes arbitros terão um Presidente, que será escolhido por meio da sorte, havendo tanto o Governo como a Companhia depositado para isso os nomes de dous negociantes em uma urna, da qual se extrahirá o de um delles para aquelle cargo, competindo-lhe dirigir os trabalhos, e votar no caso de empate. No caso de que o privilegio seja prorogado, como permitte o precitado artigo da Resolução de 17 de Setembro do anno passado, então a Companhia continuará a desfrutar os seus privilégios exclusivos, e perceberá as taxas por um outro termo de 10 annos, fazendo no total 80 annos, e acabado o tal termo de 80 annos, cessarão os privilegios exclusivos da Companhia, e a Companhia entregará á Nação todas as suas obras na costumada boa condição, sem indemnisação alguma.
6ª A Companhia tem o direito de estabelecer as taxas, fretes, pedagios e direitos de passagem, que ella julgar proprios; mas ella será obrigada a publicar uma tabella de taes taxas uma vez por anno em cada uma das Provincias interessadas, e não teria o direito de augmentar os preços por um anno depois de tal publicação.
7ª A Companhia será obrigada a levar gratuitamente nos seus barcos de vapor, ou outros superiores de que se servir para navegar os correios do Governo e os seus papeis e bagagem, com a limitação total de dous individuos e dez arrobas por viagem.
8ª A Companhia não se utilisará de seu direito de exigir taxas ou pedagios, até que tenha estabelecido meios de transporte; e se por qualquer causa ou motivo, que não seja invasão de inimigos estrangeiros, movimentos sediciosos no interior, alguma infracção dos direitos ou privilegios da Companhia, ou alguma calamidade publica nacional, os meios do transporte da Companhia ficarem interrompidos por mais de um mez em qualquer ponto, que seja, comprehendido no privilegio da Companhia, não perceberá em tal caso mais do que metade das estabelecidas taxas, pedagios, &c., durante o tempo da tal interrupção; porém se tal interrupção se extender além de 3 mezes, então a Companhia deixará de exigir em tal ponto taxas ou pedagios alguns, até que sejão restabelecidos os meios de transporte.
9ª A Companhia está autorisada a fazer os regulamentos para a navegação geral do Rio Doce, e dos seus confluentes, e a exigir o devido cumprimento delles. Estes regulamentos tratarão de varios objectos, como pontes, canaes, reprezas, esgotos, e tudo o que toca ao estado navegavel destas aguas; serão submettidos á approvação do Governo, e depois de serem approvados, não serão mudados, nem augmentados, sem prévio consentimento do Governo.
10ª Todas as machinas, barcos de vapor, instrumentos, ou porções delles, e todos os artefactos de ferro, ou qualquer outro metal, importados para o serviço da Companhia, serão isentos de todo e quaesquer direitos de importação pelo termo de 5 annos, a principiar da data do primeiro despacho livre, que a Companhia fizer, de artigos para as obras; ficando a Companhia privada deste privilegio, logo que por sentença se prove ter havido abuso da sua parte.
11ª Os Brasileiros empregados no serviço da Companhia, serão livres do recrutamento de mar e terra, por 5 annos, menos em caso de guerra. Os 5 annos serão contados desde o dia do ajuste de cada um official ou trabalhador respectivamente pela primeira vez.
12ª Os terrenos de que a Companhia houver de necessitar para construcção de estradas, pontes, canaes, caes, comportas, diques, ou reprezas, se forem devolutos, ser-lhe-hão cedidos gratuitamente; e se forem pertencentes ás divisões sér-lhe-hão cedidos, pagando a Companhia todas as bemfeitorias que nelles existirem; e finalmente se os terrenos forem de propriedade particular, e a Companhia não puder concordar com os proprietarios, serão prévia e definitivamente avaliados por arbitros. O importe que fôr julgado por dous arbitros, ou, no caso de elles não concordarem, pelo terceiro, será entregue ao proprietario ou proprietarios; e se o proprietario ou proprietarios recusarem aceitar o dito importe, será este depositado em juizo, não devendo por pretexto algum ser a Companhia estorvada em seus trabalhos, salvo aos proprietarios o recurso para o tribunal competente, sómente no que respeita á boa ou má avaliação.
13ª São concedidas á Companhia 24 sesmarias de legoa em quadro cada uma, as quaes serão escolhidas pelos agentes da Companhia nas margens ou nas immediações do Rio Doce, ou dos seus confluentes, entre as terras devolutas. As taes sesmarias serão medidas e demarcadas pelas autoridades competentes, logo que a Companhia o requerer; e as mesmas autoridades entregarão á Companhia os competentes titulos, pagando a Companhia todas as despesas; porém das ditas 24 sesmarias concedidas á Companhia serão por dia perdidas aquellas, que no fim de sete annos (a principiar dezoito mezes depois da ratificação deste contracto) não forem habitadas por mais de 120 pessoas europeas; comtudo julgar-se-ha ter a Companhia preenchido esta condição, se dentro dos ditos sete annos ella provar ter trazido para o Rio Doce, ou seus confluentes, numero superior a 2.880 pessoas europeas, não podendo ficar a Companhia responsavel pelo numero que morrer nesse período.
14ª Pertencerão á Companhia todos os terrenos alagadiços ou pantanosos (sendo devolutos) que ella desecar ou esgotar na visinhança do Rio Doce, ou de seus confluentes, e depois de esgotados a competente autoridade entregará os devidos títulos, logo que a Companhia assim o requerer.
15ª Serão isentos do imposto do dizimo os generos produzidos nas terras da Companhia por espaço dos primeiros sete annos. Começar-se-ha a contar para cada um dos estabelecimentos agricolas desde o dia em que nelle tiver principio a producção. Pela falta ou alteração na declaração, que a Companhia deve fazer a este respeito ao Governo Geral, e aos Presidentes nas respectivas Provincias, ella perderá o privilegio da isenção do imposto sobre o estabelecimento ou estabelecimentos, a respeito dos quaes houver esta omissão. Pelo que respeita a mineração, fica a Companhia sujeita ás leis do paiz.
16ª Os Engenheiros brasileiros, que forem mandados pelo Governo para presenciarem a execução das obras da Companhia, e se instruirem na pratica dos trabalhos que a Companhia tiver de fazer executar, não terão ingerencia alguma nas taes obras e trabalhos da Companhia, e ficarão sujeitos aos regulamentos policiaes que ella estabelecer, da mesma maneira que os seus proprios empregados.
17ª O Governo Geral prestará á Companhia do Rio Doce a força armada, de que ella necessitar, o que o mesmo Governo julgar conveniente, sendo porém esta municiada, alimentada, fardada e paga á custa da mesma Companhia, desde o momento em que sahir dos corpos a que pertencer, até aquelle em que nelles entrar. No caso em que o mesmo Governo não julgue conveniente o dispensar do seu serviço aquella força, permittirá á Companhia o alistar, fardar e armar certo numero de cidadãos brasileiros, fornecendo-lhe os precisos officiaes para commanda-los. Esta ultima força não poderá ser tirada para fóra sem consentimento da Companhia.
18ª Se durante os exames o medições preliminares que devem preceder ás obras, ou durante a execução dellas apparecer alguma cousa de mutua vantagem para a Nação e para a Companhia, a Companhia terá toda a liberdade de representar, pedir, requerer, ou offerecer taes cousas á consideração do Governo, da Assembléa Geral Legislativa, ou das Assembléas Legislativas Provinciaes, como exigirem as circunstancias, e tal repressntação ou petição encontrará da parte do Governo toda a attenção compativel com as leis, e não prejudicará de fórma alguma os presentes privilegios e concessões.
19ª A Companhia não terá outras obrigações senão aquellas impostas na Resolução de 17 de Setembro do anno passado, e as especificadas no presente Decreto. No caso de duvida sobre a intelligencia de algum artigo daquella Resolução, será a duvida decidida pelo Poder Legislativo, como determina a Constituição; se a duvida versar sómente sobre algum artigo do presente contracto, cuja intelligencia não esteja ligada á da referida Resolução, neste caso a duvida será decidida por arbitros escolhidos pelo modo seguinte: o Governo Imperial nomeará dous arbitros, e a Companhia outros dous. Estes arbitros devem ter um Presidente para desempatar, o qual será escolhido por meio de sorte, havendo tanto o Governo como a Companhia depositado para isso cada um os nomes de dous negociantes em uma urna, da qual se extrahirá o de um delles para aquelle cargo, competindo-lhe assistir a todos os trabalhos, e votar no caso de empate. Se a materia que deve ser discutida envolver muitas questões technicas ou profissionaes, então haverá de ambas as partes tres arbitros, e de cada tres, dous pelo menos devem ser engenheiros bem entendedores dessas materias.
20ª A Companhia começará as suas operações para effectuar a navegabilidade do Rio Doce dentro de dezoito mezes da final ratificação deste contracto, sob pena do perdimento dos privilegios. O exame pratico, e as medições por engenheiros hydraulicos, que devem necessariamente preceder ás obras, serão considerados como principio das obras.
21ª Fica sem effeito o Decreto de 8 de Janeiro de 1836.
Antonio Paulino Limpo de Abreo, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros, encarregado interinamente dos do Imperio, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em 9 de Agosto de mil oitocentos trinta e seis, decimo quinto da Independencia e do Imperio.
DIOGO ANTONIO FEIJÓ.
Antonio Paulino Limpo de Abreo.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1836, Página 203 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)