Legislação Informatizada - DECRETO Nº 4.912, DE 27 DE MARÇO DE 1872 - Publicação Original

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DECRETO Nº 4.912, DE 27 DE MARÇO DE 1872

Promulga o tratado para a entrega de criminosos e desertores entre o Imperio do Brasil e a Republica do Paraguay.

Tendo-se concluido e assignado em Assumpção, aos 16 de Janeiro do presente anno, um tratado para a entrega de criminosos e desertores entre o Imperio e a Republica do Paraguay; e achando-se este acto mutuamente ratificado, havendo-se trocado as ratificações nesta Côrte em 26 do corrente mez: Sua Alteza a Princeza Imperial, Regente em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Ha por bem Ordenar que o dito tratado seja observado e cumprido tão inteiramente como nelle se contém.

    Manoel Francisco Correia, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros, o tenha assim entendido e expeça para este fim os despachos necessarios.

Palacio do Rio de Janeiro, aos vinte e sete dias do mez de Março de mil oitocentos setenta e dous, quinquagesimo primeiro da Independencia e do Imperio.

PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.

Manoel Francisco Correia.

    Nós a Princeza Imperial, herdeira presumptiva da Corôa, Regente em Nome de Sua Magestade o Senhor D. Pedro II, por Graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil, etc.

    Fazemos saber a todos os que a presente carta de confirmação, approvação e ratificação virem, que aos 18 dias do mez de Janeiro de 1872 concluiu-se e assignou-se na cidade de Assumpção entre Nós e S. Ex. o Sr. Presidente da Republica do Paraguay, pelos respectivos plenipotenciarios, munidos dos competentes plenos poderes, um tratado do teor seguinte:

Tratado para a entrega de criminosos e desertores

    Sua Alteza a Princeza Imperial do Brasil, Regente em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, e a Republica do Paraguay, considerando que, para estreitar as relações amigaveis felizmente existentes entre os dous paizes, e satisfazer uma das mais importantes exigencias, que resultam de sua vizinhança, muito contribuirá a adopção de um systema de concurso reciproco na administração da justiça penal, que assegure a punição dos criminosos e desertores que se refugiarem no territorio de um ou de outro Estado, resolveram celebrar um tratado, e para esse fim nomearam seus plenipotenciarios, a saber:

    Sua Alteza a Princeza Imperial do Brasil, Regente em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, a S. Ex. o Sr. João Mauricio Wanderley, Barão de Cotegipe, Senador e Grande do Imperio, membro do Seu Conselho, commendador de Sua Imperial Ordem da Rosa, grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa de Portugal, de Izabel a Catholica de Hespanha, e da de Leopoldo da Belgica, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario em missão especial.

    S. Ex. o Sr. D. Salvador Jovellanos, Vice-Presidente da Republica do Paraguay, no exercido do poder executivo, ao Sr. D. Carlos Loizaga, Ministro e Secretario de Estado das Relações Exteriores.

    Os quaes depois de trocarem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida fórum, convieram nos artigos seguintes:

    Art. 1º Sua Alteza a Princeza Imperial do Brasil, Regente em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, e a Republica do Paraguay obrigam-se á entrega reciproca (exceptuados os seus nacionaes) dos individuos refugiados do Brasil no Paraguay e do Paraguay no Brasil, que as autoridades competentes de um ou de outro Estado houverem condemnado ou pronunciado por um dos crimes ou delictos enumerados no art. 2º deste tratado.

    Art. 2º A extradição será concedida pelas seguintes infracções ás leis penaes:

    1º Homicidio voluntario de qualquer especie; infanticidio;

    2º Ferimentos e outras offensas physicas voluntarias de que haja resultado ou possa resultar a morte, a mutilação ou deformidade de algum membro ou orgão, ou grave incommodo de saude por mais de um mez;

    3º Bigamia, rapto, estupro, aborto provocado;

    4º Parto supposto, substituição, furto ou occultação de criança, simulação de matrimonio para usurpação de direitos conjugaes;

    5º Sequestração illegal da liberdade natural ao homem;

    6º Incendio, destruição ou damno causado aos caminhos de ferro, telegraphos, monumentos e edifïcios da nação e obras publicas;

    7º Roubo (furto com violencia ás pessoas e ás cousas), bancarota fraudulenta, estellionato;

    8º Juramento falso em juizo, suborno de testemunhas;

    9º Apropriação ou uso indevido, desvio, dissipação ou consumo, em todo ou em parte, de dinheiros e effeitos publicos ou commerciaes, de cousas e valores, titulos, acções e bilhetes de banco ou de sociedades anonymas autorizadas por lei, que commetter quem deva intervir em sua administração, disposição ou guarda em razão de emprego, munus publico, ou obrigação contrahida para com o proprietario;

    10. Subtracção de folhas de autos ou de livros judiciaes ou de documentos offerecidos em juizo, ou de livros relativos ao estado civil, ou ás propriedades immoveis;

    11. Falsificação ou alteração de moeda, introducção ou emissão fraudulenta de moeda falsa.

    Falsificação de titulos de renda ou de obrigação emittidos pelo Estado, de titulos, acções o bilhetes de banco ou de sociedades anonymas autorizadas por lei, introducção e uso desses titulos e papeis falsificados.

    Falsificação de documentos officiaes, sellos, cunhos, estampilhas e marcas do Estado ou das administrações publicas, e uso desses documentos e objectos falsificados.

    Falsificação ou alteração dolosa de qualquer escriptura publica ou particular, livros relativos ao estado civil ou ás propriedades immoveis, livros ou effeitos commerciaes; autos, papeis ou assignatura, uso dessas escripturas, livros, effeitos, papeis ou assignatura falsificados ou alterados, bem como suppressão ou invalidação dos que forem verdadeiros;

    12. Opposição ou resistencia violenta á execução das ordens legaes das autoridades competentes, tirada de presos do poder da justiça, arrombamento de cadêas;

    13. Actos de barataria, sedição entre a tripulação, nos casos em que individuos fazendo parte da equipagem de uma embarcação se tenham apoderado da mesma embarcação com fraude ou violencia contra o commandante ou a tenham entregue a piratas, ou si se tiverem opposto por ameaças ou violencia a que seja defendida contra piratas; outrosim, quaesquer actos de pirataria como taes qualificados pelas leis penaes do Estado que faz a reclamação;

    14. Os actos contrarios á segurança e dignidade das altas partes contrastantes, que seus nacionaes commetterem, praticando, sem ordem ou autorização de seus Governos, hostilidades contra os subditos de outra nação de modo que compromettam a paz ou provoquem represalias.

    Fica entendido que a extradição tambem será concedida por complicidade ou participação nas infracções acima indicadas, assim como pela tentativa dos crimes designados nos nos 1 e 11 do presente artigo.

    Art. 3º Em caso algum será concedida a extradição por crimes ou delictos politicos ou factos connexos com elles. Não se considera crime politico, nem facto connexo com elle, o assassinato ou tentativa deste, perpetrado contra as pessoas dos chefes dos respectivos Estados.

    O individuo entregue por qualquer das infracções ás leis penaes enumeradas no artigo antecedente não poderá ser processado ou condemnado por crime ou delito politico commettido antes da extradição, nem por facto connexo a esse crime ou delicto.

    Tambem não poderá ser processado ou condemnado por qualquer outra infracção que não esteja declarada no pedido de extradição, salvo si, depois de punido ou de absolvido definitivamente do crime que motivou a extradição, deixou passar tres meses sem sahir do paiz ou para elle regressou voluntariamente.

    Art. 4º A extradição não poderá verificar-se si o crime ou delicto pelo qual fôr pedida estiver prescripto, segundo as leis do paiz em que o individuo pronunciado ou condemnado se houver homisiado.

    Art. 5º As altas partes contractantes concordam em que serão entregues, sem prejuizo da excepção do art. 1º, os cidadãos dos dous Estados que, tendo commettido em seu paiz algum dos crimes ou delictos, pelos quaes deva a extradição verificar-se nos termos do presente tratado, se refugiarem no territorio do outro Estado, e, para alli adquirirem os fóros de cidadão, renunciarem a sua nacionalidade de origem.

    Art. 6º Quando o criminoso, segundo as leis do Estado a que pertencer, tiver de ser processado por crime ou delicto commettido no outro Estado, serão por este ultimo communicados as informações e objectos comprobatorios do delicio, bem como qualquer documento ou esclarecimento requerido para a acção criminal.

    Art. 7º Se o pronunciado ou o condemnado não for cidadão de nenhum dos dous Estados contractantes, mas sim de terceiro Estado, o Governo ao qual fôr dirigido o pedido de extradição terá o direito de lhe não dar seguimento, senão depois de consultado o Governo do paiz a que o individuo reclamado pertencer, e de instado para que haja de fazer conhecer os motivos que poderia ter para se oppôr á extradição.

    Todavia o Governo ao qual o pedido de extradição, no caso previsto neste artigo, fôr dirigido, fica livre de recusar a extradição, communicando ao Governo que a pediu a causa da sua recusa.

    Art. 8º Si o pedido de extradição fôr feito, de conformidade com o presente tratado, por alguma das partes contrastantes, e o mesmo pronunciado ou condemnado fôr tambem reclamado por outro ou outros Governos, em virtude de obrigação convencional de extradição, por crimes ou delictos commettidos nos seus respectivos territorios, será o individuo reclamado entregue ao Governo, cujo pedido houver sido recebido em primeiro lugar.

    Art. 9º Si o individuo reclamado estiver sofrendo processo, achar-se detido ou condemnado no paiz aonde se refugiou, por crime ou delicto commettido nesse mesmo paiz, poderá a sua extradição ser differida até que tenha sido absolvido por sentença definitiva, ou haja cumprido a sua pena.

    Art. 10. A extradição será concedida não obstante ficar o criminoso por esse facto impossibilitado de satisfazer as obrigações contrahidas para com particulares, e a estes caberá o fazer valer os seus direitos perante as autoridades judiciarias competentes.

    Art. 11. A extradição será pedida por um dos dous Governos ao outro por intermedio do seu respectivo agente diplomatico ou consular, e será concedida em presença de sentença de condemnação ou de pronuncia, de mandado de prisão, expedido segundo as formulas prescriptas pela lei do paiz que pede a extradição, ou de qualquer outro acto que tenha tanta força como esse mandado e indique igualmente a natureza e gravidade dos factos perseguidos, a sua penalidade, bem como a nacionalidade do individuo reclamado.

    Os documentos judiciados apresentados de conformidade com o presente artigo serão expedidos em original, ou por copias authenticas, pelas autoridades competentes do paiz que pode a extradição.

    O seu conteúdo terá inteira fé.

    O pedido de extradição deverá ser acompanhado dos signaes do individuo reclamado, e de qualquer outra indicação que sirva para se verificar a identidade de sua pessoa.

    Fica estipulado que, observadas as regras acima estabelecidas, o Governo do Paraguay poderá reclamar e obter da Presidencia da Provincia de Mato Grosso a extradição dos individuos que, tendo commettido no Paraguay algum ou alguns dos crimes ou delictos enumerados no art. 2º do presente tratado, se refugiarem no territorio daquella Provincia, e vice-versa a Presidencia da Provincia de Mato Grosso poderá reclamar e obter do Governo do Paraguay a extradição dos individuos que, tendo perpetrado na mencionada Provincia, algum ou alguns dos ditos crimes ou delictos, se refugiarem no territorio do Paraguay.

    Art. 12. Si os documentos apresentados com o pedido de extradição para se reconhecer a identidade do individuo reclamado, e si os esclarecimentos colhidos para o mesmo fim pelos agentes do Governo a quem tiver sido feito aquelle pedido, forem julgados insufficientes, esse Governo assim o fará constar dentro do prazo de dez dias, ou antes se fôr possivel, indicando os novos elementos de prova que tenham de ser exhibidos para se verificar a identidade, e o individuo perseguido, se estiver preso, continuará a ser detido, e não poderá ser posto em liberdade, salvo si o Governo reclamante, depois de decorridos 60 dias contados da data da prisão, não tiver produzido os elementos de prova que lhe tiverem sido requisitados para a verificação da identidade.

    Art. 13. Em casos urgentes, e principalmente quando houver perigo de evasão, cada um dos respectivos Governos, fundando-se na existencia de uma sentença de condemnação ou de pronuncia, ou de um mandado de prisão, poderá pelo meio mais prompto, e mesmo pelo telegrapho, pedir e obter a prisão do pronunciado ou condemnado, com a condição de apresentar no mais breve prazo, que não excederá de 60 dias, o documento cuja existencia houver sido indicada.

    Art. 14. Os objectos roubados, os instrumentos e utensis que houverem servido para a perpetração do crime ou delicto, e os objectos que delle forem comprobatorios, bem como quaesquer outros que tenham sido apprehendidos ao individuo reclamado, serão restituidos na mesma occasião em que se effectuar a sua entrega, e outrosim no caso em que a extradição, depois de concedida, não se possa realizar em consequencia da morte ou fuga do criminoso.

    Art. 15. As despezas de prisão, sustento e transporte de individuos, cuja extradição houver sido concedida, assim como as de consignação e transporte dos objectos que, nos termos do artigo precedente, devem ser restituidos ou entregues, ficarão a cargo de cada um dos dous Estados nos limites de seus respectivos territorios.

    As despezas de transporte e outras no territorio dos Estados intermediarios ficarão a cargo do Estado reclamante. No caso em que o transporte por agua fôr julgado preferivel, o individuo, cuja extradição houver sido concedida, será conduzido ao porto que designar o agente diplomatico ou consular do governo reclamante, a cujas expensas será embarcado.

    Art. 16. Quando no decurso de uma causa crime, um dos respectivos Governos julgar necessaria a audição de testemunhas domiciliadas no outro Estado, ou qualquer outro acto de instrucção judiciaria, a autoridade competente expedirá cartas rogatorias, que serão apresentadas pelo respectivo agente diplomatico ou consular, e terão seguimento, observando-se as leis do paiz, onde a testemunha tiver de ser ouvida ou o acto passado.

    Não haverá restituição das despezas a que derem lugar as diligencias de que trata o presente artigo.

    Art. 17. Si o comparecimento pessoal de uma testemunha fôr julgado indispensavel, o Governo de que ella depender lhe communicará o convite que para esse fim lhe houver dirigido o outro Governo.

    Si as testemunhas requisitadas consentirem a partir, os respectivos Governos fixarão de commum accôrdo a indemnização que lhes deverá dar o Estado interessado pelos gastos da viagem e de estada, assim como pelo incommodo pessoal e perda de tempo.

    Essas testemunhas não poderão em caso algum ser presas ou molestadas, por facto anterior ao pedido de comparecimento, durante a sua estada forçada no lugar onde tiverem de ser ouvidas, nem durante a viagem, quér de ida, quér de volta.

    Art. 18. As duas altas partes contrastantes se obrigam tambem a não receber sciente e voluntariamente nos seus Estados, e a não empregar no seu serviço individuos que desertarem do serviço militar de mar ou terra da outra. Os soldados e marinheiros desertores deverão ser presos e postos á disposição do respectivo Governo.

    Cada uma das altas partes contractantes obriga-se outrosim a usar da maior clemencia possivel para com os individuos que lhe forem entregues, devendo pelo menos commutar o maximo da pena em que tenham incorrido pela deserção, si esta for punida com a pena capital, segundo a lei do seu paiz.

    Art. 19. O pedido de extradição dos referidos desertores poderá ser feito pelos respectivos commandantes ou pelas autoridades da fronteira; e do mesmo modo poderá ser effectuada a entrega.

    As despezas até á fronteira, feitas com a prisão, detenção, guarda e transporte dos desertores que tiverem de ser entregues, assim como as de seu tratamento em caso de molestia, ficarão reciprocamente a cargo do Governo que effectuar a entrega.

    Art. 20. O presente tratado vigorará por espaço de dez annos a contar do dia da troca das ratificações, que se realizará na cidade do Rio de Janeiro dentro do prazo mais breve possivel.

    Si um anno antes de findo o prazo de dez annos nenhuma das altas partes contractantes tiver notificado officialmente á outra a sua intenção de fazer cessar os seus effeitos, o tratado continuará a vigorar par mais um anno, e assim successivarnente de anno em anno até a expiração de um anno, contado do dia em que uma das partes contractantes tiver feito á outra aquella notificação.

    Em fé do que os respectivos plenipotenciarios assignaram o presente tratado em duplicata, e lhe puzeram o sello de suas armas.

    Feito na cidade de Assumpção aos dezaseis dias do mez de Janeiro do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos setenta e dous.

    (L. S.) - Barão de Cotegipe.

    (L. S.) - Carlos Loizaga.

    E sendo-nos presente o mesmo tratado, cujo teor fica acima inserido, e bem visto, considerado e examinado por nós tudo o que nelle se contém, o approvamos, ratificamos e confirmamos, assim no todo, como em cada um dos seus artigos e estipulações, e pela presente o damos por firme e valioso para produzir o seu devido effeito, promettendo em fé e palavra imperial cumpril-o inviolavelmente e fazêl-o cumprir e observar por qualquer modo que possa ser.

    Em testemunho e firmeza do que fizemos passar a presente carta por nós assignada, sellada com o sello grande das armas do Império e referendada pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros abaixo assignado.

    Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos 26 dias do mez de Março do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1872.

    (L. S.) - IZABEL, PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.

    Manoel Francisco Correia.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1872


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1872, Página 112 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)