Legislação Informatizada - DECRETO Nº 4.910, DE 27 DE MARÇO DE 1872 - Publicação Original

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DECRETO Nº 4.910, DE 27 DE MARÇO DE 1872

Promulga o tratado definitivo de paz entre o Imperio do Brasil a Republica do Paraguay.

Tendo-se concluido e assignado em Assumpção, aos nove de Janeiro ultimo, o tratado definitivo de paz entre o Imperio e a Republica do Paraguay; e achando-se este acto mutuamente ratificado, havendo-se trocado as ratificações nesta côrte em 26 do corrente mez: Sua Alteza a Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Ha por bem Ordenar que o dito tratado seja observado e cumprido tão inteiramente como nelle se contém.

    Manoel Francisco Correia, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros, o tenha assim entendido expeça para este fim os despachos necessarios.

Palacio do Rio de Janeiro, aos vinte e sete dias do mez de Março de mil oitocentos setenta e dous, quinquagesimo primeiro da Independencia e do Imperio.

PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.

Manoel Francisco Correia.

    Nós a Princeza Imperial, herdeira presumptiva da Corôa, Regente em Nome de Sua Magestade o Senhor D. Pedro II, por Graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil, etc.

    Fazemos saber a todos os que a presente carta de confirmação, approvação e ratificação virem, que aos nove dias do mez de Janeiro de 1872, concluiu-se e assignou-se na cidade de Assumpção entre Nós e S. Ex. o Sr. Presidente da Repuiblica do Paraguay, pelos respectivos Plenipotenciarios, munidos dos competentes plenos poderes, um tratado do teor seguinte:

Tratado definitivo de Paz

    Em nome da Santissima Trindade.

    Sua Alteza a Princeza Imperial do Brasil, Regente em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, de uma parte, e, da outra, a Republica do Paraguay, animados do sincero desejo de restabelecerem a paz sobre bases solidas que assegurem a boa intelligencia, harmonia e amizade que deve existir entre nações vizinhas chamadas a viver unidas por laços de perpetua alliança, e evitem as pertubações que têm soffrido seus respectivos paizes, resolvendo as questões que deram origem á guerra, as que della têm surgido, e consignando em estipulações expressas os principios que devem decidir as que no futuro possam surgir, fazendo assim impossivel, ou mui difficil, que se torne a empregar a força como meio de dirimir suas questões, se infelizmente sobrevierem, resolveram com este objecto celebrar um tratado definitivo de paz, e para este fim nomearam seus plenipotenciarios, a saber:

    Sua Alteza a Princeza Imperial do Brasil, Regente em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, a S. Ex. o Sr. João Mauricio Wanderley, Barão de Cotegipe, Senador e Grande do Imperio, membro do Seu Conselho, commendador da Sua Imperial Ordem da Rosa, grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa de Portugal, da Real Ordem de Izabel a Catholica de Hespanha, e da de Leopoldo da Belgica, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario em missão especial.

    Sua Ex. o Sr. D. Salvador Jovellanos, Vice-Presidente da Republica do Paraguay em exercicio do poder executivo, ao Sr. D. Carlos Loizaga, Senador da Republica.

    Os quaes, depois de terem reciprocamente communicado seus plenos poderes, achando-os em boa e devida fórma, convieram nos artigos seguintes:

    Art. 1º Haverá desde a data do presente tratado paz e amizade perpetua entre Sua Magestade o Imperador do Brasil e seus subditos, de uma parte, e a Republica do Paraguay e seus cidadãos, da outra parte.

    Art. 2º Os limites do Imperio do Brasil com a Republica do Paraguay serão ajustados e definidos em tratado especial, o qual constituirá acto distincto do presente, mas será assignado simultaneamente com este, e terá a mesma força e valor que se delle fizesse parte.

    Art. 3º O Governo da Republica do Paraguay reconhecerá como divida da mesma Republica:

    1º A importancia da indemnização dos gastos de guerra que fez o Governo de Sua Magestade o Imperador do Brasil e dos damnos causados ás propriedades publicas que se fixar na convenção especial de que trata o art. 4º;

    2º A importancia dos damnos e prejuizos causados ás pessoas e cidadãos do referido Estado.

    Esta indemnização será fixada na fórma do art. 5º.

    Art. 4º Uma convenção especial que será celebrada, o mais tardar dentro de dous annos, fixará benevolamente o quantum das indemnizações de que trata o primeiro numero do artigo antecedente, á vista dos documentos officiaes; regulará a fórma do pagamento e as quotas do juro e da amortização do capital; e designará as rendas que tenham de ser applicadas ao pagamento.

    Art. 5º Dous mezes depois de trocadas as ratificações do presente tratado, nomear-se-ha uma commissão mixta que se comporá de dous juizes e dous arbitros para examinarem liquidarem as indemnizações provenientes das causas mencionadas no segundo numero do art. 3º.

    Esta commissão reunir-se-ha nas cidades do Rio de Janeiro ou de Assumpção, conforme convierem os dous Governos.

    Nos casos de divergencia entre os juizes será escolhido á sorte um dos arbitros e este decidirá a questão.

    Se acontecer (o que não é de esperar) que uma das altas partes contractantes, por qualquer motivo que seja, deixe de nomear o seu commissario e arbitro no prazo acima estipulado; ou que, depois de nomeal-os, sendo necessario substituil-os, os não substitua dentro de igual prazo, procederão commissario e arbitro da outra parte contractante ao exame e liquidação das respectivas reclamações, e ás suas decisões se sujeitará o Governo cujos mandatarios faltarem.

    Art. 6º Fica estabelecido o prazo de dezoito mezes para a apresentação de todas as reclamações que devem ser julgadas pela commissão mixta de que falla o artigo antecedente, e findo esse prazo nenhuma outra reclamação será attendida.

    A divida desta procedencia será paga pelo Governo Paraguayo, á medida que se fôr liquidando, em apolices ao par, que vençam o juro de 6 %, e tenham a amortização de 1 % ao anno.

    A amortização far-se-ha ao par e á sorte, podendo assistir ao acto o consul da nação reclamante que residir no lugar em que fôr realizada a dita operação, e que houver sido para isso autorizado.

    Art. 7º Estando já pelos respectivos Estados declarado livre para o commercio de todas as nações a navegação dos rios Paraguay, Paraná e Uruguay, as altas partes contractantes reconhecem em principio, e compromettem-se a applicar desde logo nas aguas de sua jurisdicção as clausulas relativas á navegação fluvial que vão exaradas no presente tratado.

    Art. 8º E livre para o commercio de todas as nações a navegação dos rios desde a sua foz até os portos habilitados ou que para esse fim forem habilitados pelos respectivos Estados.

    Art. 9º A liberdade de navegação para todas as bandeiras, de que trata o artigo antecedente, não se entende a respeito dos affluentes (salvas as leis ou estipulações especiaes em contrario), nem da que se faça de porto a porto da mesma nação.

    Cada Estado poderá reservar assim esta como aquella navegação para a sua bandeira, sendo comtudo livre aos cidadãos e subditos dos outros Estados ribeirinhos carregar suas mercadorias nas embarcações empregadas nesse mesmo commercio interior ou de cabotagem.

    Art. 10. Os navios de guerra dos Estados ribeirinhos gozarão tambem da liberdade de transito e de entrada em todo o curso dos rios habilitados para os navios mercantes.

    Os navios de guerra das nações não ribeirinhas sómente poderão chegar até onde em cada Estado ribeirinho lhes fôr isso permittido, não podendo a concessão de um Estado estender-se além dos limites do seu territorio, nem obrigar de fórma alguma aos outros ribeirinhos.

    Art. 11. Os navios mercantes que se dirijam, de um porto exterior, ou de um dos portos fluviaes de qualquer dos Estados ribeirinhos, para outro porto do mesmo Estado ou de terceiro, não serão sujeitos em seu transito pelas aguas dos Estados intermediarios, a nenhum onus ou estorvo, nem a lei ou regulamento que não seja feito de commum accôrdo entre todos os ribeirinhos.

    Fica entendido que a falta do dito accôrdo não poderá entorpecer de modo algum a liberdade dessa navegação commum.

    Os navios que se destinarem aos portos de um dos Estados ribeirinhos ficarão sujeitos ás leis e regulamentos particulares deste Estado, dentro da secção do rio em que lhe pertencerem as duas margens ou sómente uma dellas.

    Art. 12. Cada Governo designará outros lugares fóra dos seus portos habilitados em que os navios, qualquer que seja o seu destino, possam communicar com a terra, directamente ou por meio de embarcações miudas, para reparar avaria, prover-se de combustivel ou de outros objectos de que careçam.

    Art. 13. Os navios de guerra são isentos de todo e qualquer direito de transito ou de porto; não poderão ser demorados em seu transito sob pretexto algum; e gozarão, em todos os portos e lugares em que seja permittido communicar com a terra, das outras isenções, honras e favores de uso geral entre as nações civilisadas.

    Art. 14. Adoptar-se-ha um regimen uniforme de navegação e policia, sendo os regulamentos feitos de commum accôrdo entre os Estados ribeirinhos, e sobre as bases mais favoraveis ao livre transito e ao desenvolvimento das transacções commerciaes.

    Para esse fim serão convidados os ditos Estados para celebrarem uma convenção especial no mais breve prazo possivel.

    No entanto os Estados contractantes darão desde já cumprimento á primeira parte do presente artigo, confeccionando de commum accôrdo os regulamentos applicaveis na secção dos rios que lhes pertence.

    Art. 15. Se succedesse (o que não é de esperar) que por parte de um dos Estados contractantes se interrompesse a navegação de transito, o outro Estado empregará os meios necessarios para manter a liberdade da dita navegação, não podendo haver outra excepção a este principio senão a dos artigos de contrabando de guerra e dos portos e lugares dos mesmos rios que forem bloqueados, ficando sempre salvo o livre o transito geral para os portos de outros ribeirinhos que se conservem neutros com sujeição aos regulamentos de que fallam os artigos anteriores.

    Art. 16. O Governo de Sua Magestade o Imperador do Brasil confirma, e o da Republica do Paraguay aceita os principios constantes da declaração do congresso de Paris de 16 de Abril de 1856, a saber:

    1º O corso é e fica abolido;

    2º A bandeira neutra cobre a mercadoria inimiga, com excepção do contrabando de guerra;

    3º A mercadoria neutra, com excepção do contrabando de guerra, não pôde ser apprehendida sob a bandeira inimiga;

    4º Os bloqueios para serem obrigatorios devem ser effectivos, isto é, mantidos por uma força sufficiente para vedar realmente o accesso ao litoral inimigo.

    Art. 17. O Governo de Sua Magestade o Imperador do Brasil confirma e ratifica o compromisso que contrahiu pelos arts. 8º e 9º do tratado do 1º de Maio de 1865 que celebrou com a Republica Argentina e a Republica Oriental do Uruguay.

    Consequentemente se obriga a respeitar perpetuamente por sua parte a independencia, soberania e integridade da Republica do Paraguay e a garantil-as durante o prazo de cinco annos.

    Art. 18. Se acontecer (o que Deus não permitta) que sobrevenha alguma grave desintelligencia entre as duas altas partes contractantes, recorrerão ellas, antes do emprego da força ao meio pacifico dos bons officios de uma nação amiga.

    A Republica do Paraguay, no interesse de assegurar-se os beneficios de paz, e considerando igualmente o compromisso, que em seu favor aceita a outra parte contractante conforme o artigo antecedente, se obriga a proceder do mesmo modo, acima estipulado em qualquer eventualidade de guerra que se dê em suas relações com as demais potencias.

    Art. 19. Fica entendido que este tratado não prejudica as estipulações especiaes que Sua Magestade o Imperador do Brasil tenha celebrado com a Republica Argentina e a Republica Oriental do Uruguay, nem ás que para o futuro forem celebradas sem quebra das obrigações que ora contrahe para com a Republica do Paraguay.

    Art. 20. O Governo de Sua Magestade o Imperador do Brasil poderá, de accôrdo com o da Republica do Paraguay, conservar no territorio da Republica, ainda depois da data do presente tratado, a parte de seu exercito que julgar necessaria á manutenção da ordem e á boa execução dos ajustes celebrados.

    Em convenção especial se fixarão o numero dessas forças, o prazo de sua conservação, o modo de satisfazer-se a despeza occasionada, e demais condições que forem precisas.

    Art. 21. Os prisioneiros de guerra, que não tenham sido ainda restituidos a seus respectivos paizes, sel-o-hão immediatamente, assim por parte do Brasil como do Paraguay, devendo as despezas do transporte correr por conta do Governo a que elles pertencerem.

    Art. 22. O Governo da Republica do Paraguay se obriga a mandar prender e pôr á disposição do Governo de Sua Magestade o Imperador do Brasil os desertores de suas forças de mar e terra que se asylassem no territorio paraguayo por occasião da guerra e durante a permanencia das mesmas forças no territorio da Republica.

    O Governo de Sua Magestade o Imperador do Brasil usará da maior clemencia possivel para com os individuos que lhe forem entregues, e pelo menos commutará o maximo da pena em que tenham incorrido pela deserção, se esta fôr punida com pena capital segundo a legislação brasileira.

    Art. 23. A troca das ratificações do presente tratado será feita na cidade do Rio de Janeiro dentro de mais breve prazo possivel.

    Em testemunho do que os plenipotenciarios respectivos assignaram o presente tratado em duplicata e lhe puzeram o sello de suas armas.

    Feito na cidade de Assumpção aos nove dias do mez de Janeiro do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1872.

    (L. S ) - Barão de Cotegipe

    (L. S.) - Carlos Loizaga

    E sendo-nos presente o mesmo tratado, cujo teor fica acima inserido e bem visto, considerado e examinado por nós tudo o que nelle se contém, o approvamos, ratificamos e confirmamos, assim no todo, como em cada um dos seus artigos e estipulações, e pela presente o damos por firme e valioso para produzir o seu devido effeito, promettendo em fé e palavra imperial cumpril-o inviolavelmente e fazel-o cumprir e observar por qualquer modo que possa ser.

    Em testemunho e firmeza do que fizemos passar a presente carta por Nós assignada, sellada com o sello grande das armas do Imperio e referendada pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros abaixo assignado.

    Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos 26 dias do mez de Março do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1872.

    (L. S.) - IZABEL, PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.

    Manoel Francisco Correia.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1872


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1872, Página 103 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)