Legislação Informatizada - DECRETO Nº 357, DE 27 DE ABRIL DE 1844 - Publicação Original

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DECRETO Nº 357, DE 27 DE ABRIL DE 1844

Regulando a extracção das Loterias em todo o Imperio.

     Attendendo aos inconvenientes, e queixas, que se tem manifestado contra a maneira, por que em alguns pontos do Imperio se extrahem as Loterias concedidas pelas Leis Geraes, e Provinciaes; e á necessidade de regular por hum maneira uniforme a extracção das mesmas Loterias em todo o Imperio, a fim de não se desacreditar esse meio de favorecer os estabelecimentos uteis com augmento da Renda Publica: Hei por bem, depois de ter Ouvido o Conselho d'Estado, Mandar que se execute o seguinte Regulamento.

CAPITULO I
Dos Encarregados da extracção das Loterias

     Art. 1º A' extracção das Loterias presidirá a Autoridade Judiciaria, ou Policial, que o Governo na Côrte, e os Presidentes nas Provincias designarem; sendo seus substitutos, no caso de impedimento, aquelles, que legitimamente o deverem ser.

     Art. 2º Haverá hum Thesoureiro, que será proposto pelo Concessionario da Loteria, ou Loterias, na Côrte ao Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, e nas Provincias aos respectivos Presidentes.

     O Thesoureiro vencerá os por centos, ou a quantia, que convencionar com o Concessionario, na intelligencia de que tem de fazer todas as despezas com o material, e pessoal da extracção da Loteria.

     Art. 3º Haverá pelo menos hum Escrivão da Loteria, e dous Ajudantes, quatro Publicadores, dous Enfiadores, e dous meninos, ou meninas menores de quatorze annos, cujas funcções vão adiante declaradas.

     Todos estes Empregados, assim como os que houverem de substituil-os nos seus impedimentos, são da livre nomeação, e demissão do Thesoureiro.

     Art. 4º As Loterias serão extrahidas em salas espaçosas, e claras, de Estabelecimentos Publicos, ou em casas particulares, onde melhor convier para a regularidade, e segurança desta operação, á escolha, e sob a responsabilidade do Thesoureiro. A casa não será habitada por pessoa alguma durante o tempo da extracção; e deverá o Presidente levar comsigo a chave della todos os dias, até que se ultime, e providenciar a sua guarda com sentinella durante a noite.

     Art. 5º Haverá duas rodas, ou urnas, huma para os numeros, e outra para os premios, as quaes serão as mais perfeitas possivel, e sem a menor fenda, quando ainda não haja as de vidro; e terá cada huma duas chaves differentes, de sorte que não possa ser aberta sem o concurso de ambas.

     Art. 6º Haverá igualmente na sala da extracção hum cofre forte, inda que seja de madeira, no qual se guardarão as rodas, com duas differentes chaves, sem cujo concurso não possa ser aberto.

     Art. 7º Ao Presidente compete:

     § 1º Fiscalisar se na extracção das Loterias he observado quanto neste Regulamento vai disposto.

     § 2º Fazer manter a ordem na sala da extracção, procedendo contra os que a transgredirem, na fórma do paragrapho quarto do Artigo quarenta e seis do Codigo do Processo Criminal.

     § 3º Ter em seu poder, durante a extracção das Loterias, huma das duas chaves de cada roda, e outra das duas do Cofre, em que ellas devem ser guardadas de hum para outro dia.

     § 4º Decidir todas as questões, e duvidas, que se suscitarem sobre as Loterias, no acto da sua extracção.

     § 5º Condemnar summariamente, e no mesmo acto, ao Thesoureiro nas multas, em que incorrer, na fórma deste Regulamento, mandando lavrar termo de sua decisão, assignado por duas testemunhas.

     Desta decisão haverá recurso suspensivo, na Côrte para o Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, e nas Provincias para os respectivos Presidentes.

     O Presidente da Loteria remetterá Certidão do termo sobredito, na Côrte ao Thesouro Publico, nas Provincias ás respectivas Thesourarias (Geraes, ou Provinciaes, segundo a Loteria for Geral, ou Provincial), e a mandará passar a quem requerer. Por esta Certidão se procederá á cobrança das multas.

CAPITULO II
Da venda dos Bilhetes das Loterias

     Art. 8º O Thesoureiro das Loterias não poderá annunciar a venda dos bilhetes antes de ser competentemente approvado, e de prestar fiança idonea pelos dinheiros, que houverem de parar em seu poder, a contento do Ministro da Fazenda na Côrte, e das respectivas Thesourarias nas Provincias; nem poderá começar a extracção antes de haver pago os impostos do sello, e de oito por cento sobre o capital, e premios, conforme as Leis de onze de Outubro de mil oitocentos e trinta e sete, e vinte e hum de Outubro de mil oitocentos e quarenta e tres.

     Art. 9º O Thesoureiro marcará o dia para a extracção da Loteria, communicando-o immediatamente á Autoridade a quem competir a Presidencia de sua extracção; e não o poderá mudar, senão por motivo, que esta julgar extraordinario, e justo, pena de oito por cento do que lhe pertencer, ou houver de pertencer pela sua responsabilidade, administração, e despezas da Loteria, com tanto que não excedão a duzentos mil réis.

      Art. 10. A extracção da Loteria principiará impreterivelmente ás oito horas da manhã; e no mesmo dia serão pelo menos extrahidos todos os papelinhos dos premios, e dos numeros, que lhes corresponderem.

     Art. 11. Quando os Thesoureiros não adoptem outras precauções contra as falsificações dos bilhetes, deverão estes ser estampados, e assignados de Chancella pelo Thesoureiro, sendo a numeração a mais perfeita possivel, de fórma que não possa haver a menor duvida em qualquer dos algarismos da dita numeração.

     Art. 12. Os bilhetes serão encadernados em livros aos centos, e nestes livros ficarão os talões competentes, donde serão cortados para se conferir pelos cortes a exactidão da numeração, ficando no resto do talão o numero igual ao do bilhete para a conferencia. Os bilhetes premiados serão guardados para qualquer conferencia, que venha a ser necessaria.

    Art. 13. Se for emittido mais de hum bilhete do mesmo numero, e este premiado, o Thesoureiro será obrigado a pagar todos que lhe forem apresentados.

     Quando saião brancos os numeros, de que se tiver emittido mais de hum bilhete, o Thesoureiro será obrigado a pagar ao portador huma quantia cinco vezes maior do que o menor premio, por cada bilhete que lhe for apresentado.

CAPITULO III
Da extracção das Loterias

     Art. 14. O Thesoureiro, ou quem for por elle autorisado, terá assento á esquerda do Presidente, e dirigirá o trabalho da extracção, fazendo cumprir por seus Empregados as ordens, e exigencias do mesmo, que não forem Judiciarias, ou Policiaes.

     Art. 15. No primeiro dia da extracção, e antes do principio desta, apresentar-se-hão na mesa os papelinhos dos numeros, e dos premios, que tem de ser recolhidos ás rodas, em huma grande toalha, que deverá estar aberta sobre ella; introduzindo-se primeiro aquelles, e depois estes.

     Art. 16. Os papelinhos dos numeros serão de cor azul, enrolados, atados todos com linha encarnada, e emmassados aos centos. O Presidente poderá fazer contar pelo Escrivão das Loterias os papelinhos de hum, ou mais dessas massos, com a maior publicidade possivel.

    Art. 17. Os papelinhos dos premios serão de cor branca, e apresentados os dos menores premios já enrolados, atados com linha preta, e emmassados aos centos; a respeito dos quaes o Presidente poderá proceder como está declarado no Artigo antecedente.

    Os dos outros premios, até hum conto de réis exclusive, serão apresentados do mesmo modo enrolados, e atados, pelo Escrivão, hum a hum, na mesa; e o Presidente mandará cortar alinha, e desenrolar hum, ou dous dos papelinhos de cada premio, e mostral-os ao Publico.

     Os dos premios de hum conto de réis inclusive até o grande se apresentarão na mesa ainda por enrolar, e ahi, na presença do Presidente, será cada hum delles mostrado pelo Escrivão ao Publico, de maneira que todos possão lel-os; e, depois de enrolados, serão pelo mesmo atados; e misturados, serão lançados na roda, menos o do premio grande, que será por si só.

     Art. 18. O Thesoureiro poderá assignar, ou somente rubricar todos, ou a maior parte dos papelinhos dos premios, como lhe approuver.

     Art. 19. Antes de lançados nas rodas serão os papelinhos dos numeros, e depois destes os dos premios, desembrulhados dos massos, misturados pelo Escrivão (na toalha, que deve estar sobre a mesa) por espaço de alguns minutos, e nenhuma tirada principiará sem que a roda tenha sido movida pelos meninos por espaço de dous, ou tres minutos.

     Art. 20. Quando cahir da mão de hum dos meninos algum papelinho de numero, ou premio, ou qualquer delles tirar da roda mais de hum, serão outra vez lançados na respectiva roda, fechando-se ambas, e movendo-se por espaço de alguns minutos, para depois continuar a extracção.

    Art. 21. Na urna dos premios não haverá se não os papelinhos, que os contiverem, abolido o estilo de igualar com papelinhos brancos os desta roda ao da roda dos numeros; e serão todos extrahidos em hum dia até o Sol posto.

    Art. 22. Quando não possão ser extrahidos todos os papelinhos dos numeros no mesmo dia, em que o forem os dos premios, continuará sua extracção, até se concluir, nos dias seguintes, não sendo Domingos, Dias Santos de Guarda, e de Festividade Nacional, e á hora, que o Presidente marcar.

    Art. 23. Quando a extracção se não concluir em hum dia, serão fechadas as rodas com as duas chaves, das quaes tomará huma o Presidente, e outra o Thesoureiro, ou quem for por este autorisado; pondo-se na frente da fechadura huma folha de papel com as firmas de ambos, lacrada nas quatro poetas com dous differentes sinetes, guardando-se immediatamente as rodas no cofre forte, do qual o Presidente tornará huma chave, e outra o Thesoureiro, ou quem por elle for autorisado.

     Art. 24. Se, concluida a extracção dos numeros premiados, e antes de tirado o primeiro papelinho dos numeros, a que se deverá proceder na fórma do Artigo vinte e dous, se reconhecer a falta de hum, ou mais premios, o Thesoureiro será obrigado a entrar para o Thesouro Publico com o dobro do premio, ou premios, que assim tiverem faltado na roda, não excedendo a duzentos mil réis cada hum; e enrolados tantos papelinhos, quantos corresponderem aos premios, que se acharem de menos, continuará a tirada, pertencendo o seu valor aos numeros, que forem extrahidos. Sendo verificada a falta no dia seguinte, ou depois de fechadas as urnas, o Thesoureiro entrará com a importancia do premio, ou premios, para o Thesouro, e mais com o maximo da multa.

    Art. 25. Se forem achados na roda, dos premios, papelinhos, que delles não serão, será o Thesoureiro multado por cada hum no dobro do valor do bilhete.

     Art. 26. Se apparecerem na roda mais premios do que os que deverem nella estar, será o Thesoureiro obrigado a pagar aos portadores dos numeros respectivos, todos os premios que tiverem sahido da roda.

     Art. 27. Se, concluida a extracção, se reconhecer a falta de hum, ou mais numeros, o Thesoureiro será obrigado a pagar ao portador, ou portadores do bilhete, ou bilhetes desses numeros, que não tiverem sahido da roda, hum premio igual a seis tantos do menor dessa Loteria.

     Art. 28. Se, concluida a extracção, sobrar hum, ou mais numeros, do que deverão ser emittidos, o Thesoureiro entrará para o Thesouro Publico com huma quantia tres vezes maior, do que o menor premio, que poderia ter cada hum desses numeros.

     Art. 29. O Escrivão fará em hum caderno de papel riscado o lançamento dos numeros na mesma ordem, em que se forem extrahindo das rodas: cada lauda deste caderno terá cincoenta riscos, para que possa verificar-se com rapidez o numero de papelinhos que se tem extrahido. Modelo Nº 1.

     Art. 30. Os dous Ajudantes terão cada hum huma lista feita em ordem numerica desde o numero hum até o ultimo da Loteria, com cifrões adiante de cada numero, os quaes serão cheios com os premios que sahirem aos numeros respectivos, ou quando brancos, cortados. Modelo Nº 2.

     Art. 31. Tirado hum numero de papelinhos, que nunca excederá a quatrocentos, e sempre acabará columna na lista do caderno do Escrivão, este, com hum dos Ajudantes, interrompida a extracção, conferirá pela enfiadura dos numeros a lista, lendo-a hum dos Ajudantes, e corregindo logo qualquer engano, que se tivesse commettido.

     Finda essa conferencia, o Escrivão tomará a enfiadura dos premios, e com o outro Ajudante verificará, como fica dito, se está exacto o lançamento dos mesmos, corregindo logo qualquer engano, que se tivesse commettido no lançar dos premios. A conferencia dos premios só tem lugar em quanto se estiverem extrahindo.

     Art. 32. Dos quatro Publicadores estarão dous junto a cada huma das rodas, hum immediato ao menino, ou menina, que tirar os papelinhos, e outro junto ao enfiador, e todos voltados para o Publico.

     Aos signaes de martello, dados pelo Thesoureiro, os meninos extrahirão da roda, e entregarão aos Publicadores, que lhes ficão immediatos, os papelinhos com os numeros, e premios: estes, cortando as linhas com que devem estar atados, publicarão huns, e outros em voz alta, e bem intelligivel; passando-os logo aos outros dous, que lhes devem ficar proximos, que praticarão o mesmo, mostrando-os ao Publico sempre que o premio passar de cem mil réis, e entregando-os immediatamente aos Enfiadores, que, depois de os mostrarem ao Escrivão, e Ajudantes, os enfiarão em huma linha grossa na mesma ordem, em que tiverem sahido.

     Sendo os premios de hum conto de réis, ou maiores, os Publicadores, que os repetirem, se demorarão por mais de hum minuto em fazer ver ao Publico o numero, e premio, de maneira que este verifique se houve exactidão no que foi publicado.

CAPITULO IV
Disposições diversas

     Art. 33. Até vinte dias depois do em que se ultimar a extracção das Loterias principiará a pagar o Thesoureiro os premios, pena de que, não o fazendo, se procederá contra elle, e seus fiadores, como Depositarios que são.

     Art. 34. Tres mezes depois de haver começado o pagamento dos premios de cada Loteria, o Thesoureiro recolherá ao Thesouro Nacional na Côrte, e nas Provincias ás respectivas Thesourarias, a importancia dos premios não reclamados, os bilhetes pagos, e as Listas, e Notas da extracção respectiva.

     Art. 35. Os possuidores de bilhetes de Loterias não poderão vender cada hum delles em fracção inferior á vigesima parte; deverão assignar nas cautelas, ou recibos de interesses, o nome inteiro pelo seu proprio punho; prestar fiança idonea á indemnisação de qualquer damno; e só os poderão vender nas proprias casas.

     A transgressão de qualquer das disposições deste Artigo será punida com a pena de desobediencia, e multa igual ao dobro do preço do bilhete.

     Art. 36. Não he permittida a venda de Loteria estrangeira, debaixo de qualquer denominação que seja. Os infractores desta disposição serão punidos com a multa de duzentos mil réis por bilhete, que venderem, e com a pena de desobediencia.

     Art. 37. As rifas são consideradas Loterias, para o effeito de serem punidos com dez mil réis por bilhete os que de qualquer maneira os distribuirem.

     Art. 38. Os Thesoureiros poderão propor alterações no padrão, e fórma dos bilhetes, e papelinhos; e quaesquer outras precauções contra actos, que os sujeitem a multas, ou indemnisação, as quaes serão postas em execução, precedendo approvação do Governo na Côrte, e dos Presidentes nas Provincias.

     José Carlos Pereira de Almeida Torres, do Conselho d'Estado, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido, e faça executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em vinte sete de Abril de mil oitocentos e quarenta e quatro, vigesimo terceiro da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

José Carlos Pereira de Almeida Torres


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1844


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1844, Página 115 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)