Legislação Informatizada - DECRETO Nº 21, DE 2 DE OUTUBRO DE 1838 - Publicação Original
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DECRETO Nº 21, DE 2 DE OUTUBRO DE 1838
Manda observar o Regulamento para as manobras e mais serviço de Artilheria a bordo dos Navios de Guerra.
O Regente Interino, em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, Querendo estabelecer a maior regularidade nos exercicios as manobras, e mais serviço de Artilharia a bordo dos Navios de Guerra da Armada Nacional e Imperial, Ha por bem que d'ora em diante se observe o Regulamento, que com este baixa, assignado por Joaquim José Rodrigues Torres, do Conselho de Sua Magestade Imperial, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, que assim o tenha entendido, e expeça para esse effeito as ordens necessarias. Palacio do Rio de Janeiro em dous do mez de Outubro de mil oitocentos trinta e oito, decimo setimo da Independencia e do Imperio.
Pedro de Araujo Lima.
Joaquim José Rodrigues Torres.
REGULAMENTO PARA AS MANOBRAS, E MAIS SERVIÇO DE ARTILHARIA A BORDO DOS NAVIOS DE GUERRA, A QUE SE REFERE O DECRETO DESTA DATA
Noções Preliminares
Em os Navios de Guerra o uso ordinario é guarnecer com gente sómente as baterias de um bordo.
As baterias contão-se debaixo para cima, por exemplo, em as Náos de 74 bocas de fogo, em que ha tres baterias, a 1ª é a da coberta, isto é, a mais proxima ao mar; a 2ª é a immediatamente superior, ou do Convez; e a 3ª a da Tolda com a do Castello.
Em as Fragatas ha duas, a 1ª é a do Convez; e a 2ª a da Tolda com a do Castello.
Em as Corvetas e Brigues, suppoem-se uma só bateria.
Cada bateria guarnecida se dividirá em Brigadas, e cada Brigada será composta de tres, quatro, cinco, ou seis bocas de fogo. Por exemplo, a 1ª bateria de uma Fragata, que constar de quatorze por banda, se dividirá em tres Brigadas, 1ª, 2ª, 3ª, a contar da pôpa: a 1ª e 2ª constarás de cinco bocas de fogo cada uma, e a 3ª de quatro. E se a 2ª bateria, isto é, a da Tolda com a do Castello tiver nove por banda, se dividirá em duas, sendo a 1ª de cinco, e a 2ª de quatro bocas ele fogo.
No porto se devem nomear os homens necessarios para as manobras de Artilharia, tirados da Marinhagem e Tropa; e o encarregado da Instrucção dos exercicios os distribuirá peIas bocas de fogo, collocando cada um no lugar, que deverá occupar em combate, ou no mesmo exercido.
Quando pois se tocar á chamada para combate, ou exercicio, cada individuo da guarnição de uma boca de fogo, se apresentará no lugar que lhe fôr designado pelo Instructor.
Supponha-se que a guarnição della consta de oito homens; tres ficaráõ collocados a seu lado direito em linha, tendo a origem na amurada, um pouco desviados das mangueiras dos eixos, e voltados para ella; outros tres do lado esquerdo semelhantemente; o setimo ficará junto á culatra, e voltado para a portinhola, e este é o Chefe de Peça; e o oitavo deve postar-se na intersecção da linha dos olháes dos arganéos da mediania com o prolongamento da linha dos tres da esquerda, e este é o Porta-cartuxo. Aos primeiros tres se dá o nome de serventes do lado direito e se devem numerar; do mesmo modo os outros tres, que se denominão servente do lado esquerdo - 1º, 2º, 3º serventes do lado direito -, 1º, 2º, 3º serventes do lado esquerdo - a contar da amurada. O 1º da direita e da esquerda são os carregadores, e fazem outros serviços, que adiante se hão de determinar, assim como os outros.
A instrucção sobre o manejo de Artilharia deve ser dada separadamente a cada Brigada; e o Instructor antes de dar qualquer das vozes que abaixo se vão estabelecer, deve explicar com toda a clareza o serviço que a cada individuo pertence, e que nas mesmas se acha determinado.
Exercicios por Brigadas
O toque de chamada para exercido de uma Brigada, sendo por corneta, será um numero de toques de chamada igual ao de bateria, e seguido d'outro de notas agudas soltas, igual ao numero da Brigada; e sendo por tambor, se substituiráõ rufos, e pancadas aos toques de chamada, e notas agudas.
Ao toque de chamada de uma Brigada, todos os individuos que lhe pertencerem, se apresentaráõ nos lugares que lhes forem designados, como fica estabelecido, advertindo que o chefe de Peça deve trazer comsigo um polvarinho a tiracol com o seu diamante e uma caixa de espoletas á cinta. Do mesmo modo o Porta-cartuxo deve ter o guarda-cartuxo suspenso no hombro esquerdo por meio de uma corrêa em que está enfiado. E no caso de fogo, e se a Peça tiver fechos, o 3º servente da direita deverá ter um panno para os limpar, e algumas pederneiras e instrumento proprio para as metter no cão, e pica-las.
Supporemos que as Peças se achão atracadas cada uma com duas talhas e vergueiro, e que tem retenida; como tambem que a palamenta está nas paragens que lhes foi designada junto a ella.
Supporemos igualmente, que as Peças estão carregadas, mas não escorvadas; que o exercício se faz a B. B., e que a guarnição de cada uma consta de oito homens, e depois se dirão as alterações que se devem fazer, quando constar de dez ou de seis.
1º voz
Desatracar a Artilharia
A esta voz os serventes se applicão a desatracar a sua Peça sem confusão, e conservando a maior silencio.
O 1º da direita, e o 1º da esquerda desfazem os cótes das talhas, passados nos gatos d'amurada. O 1º da direita depois tira a tapa da Peça, e a deposita no chão junto á amurada. O 1º da esquerda tira o molho de tacos do seu lugar, e o deposita igualmente no chão ao pé delle junto á amurada, e em combate desfaz o dito molho.
O 2º da direita pega na lanada e soquete (no caso destes instrumentos andarem unidos, mas se são separados, o soquete deve competir ao 2º servente da esquerda) e o deposita no chão na sua retaguarda no sentido de B. B. a E. B., ficando o soquete para a parte da amurada; e isto feito pega no espeque, e fica com elle segurando-o pelo punho com a sua mão direita, em uma posição vertical a seu lado e apoiado no chão.
O 2º da esquerda pega no pé de cabra, e o conserva ao lado direito do mesmo modo, que se acaba de dizer para o serviço do espeque.
Os 3º da direita e esquerda colhem os tiradores das talhas empandeirando do centro do cabo para o chicote, e devem logo amarrar com fios de carreta os pandeiros, deixando tão sómente tirador sufficiente para o recuo da Peça, e para a repor em bateria, e depois passão os pandeiros de mão em mão para se depositarem no chão junto á amurada, e um pouco desviados das rodas dianteiras respectivas.
O chefe de Peça desfaz as voltas das talhas, passadas no cascavel da Peça; desencruza o vergueiro, e estende o seio delle por cima da Peça; e não passa volta ao cascavel com algum tirador de talha, porque isto absta á promptidão; do fogo; comtudo em occasião de balanços; devem os carregadores morder dous cordões das talhas respectivas, o 1º da direita com a mão direita, e o 1º da esquerda com a esquerda. O mesmo chefe de Peça entrega a retenida ao Porta-cartuxo; tira a pranchada e a deposita no chão junto á amurada, pois a pranchada não deve ficar em cima da culatra, porque obsta ao acerto das pontarias; depois com o diamante tira a caravelha do ouvido da Peça, limpa e desentupe o ouvido, e feitas estas operações, deposita este instrumento em cima da soleira da carreta; e só deve lançar mão delle quando fôr preciso, como para picar, ou furar o cartuxo, e desentupir o ouvido.
O Porta-cartuxo deve pôr clara a retenida e engatar o moitão no arganéo ou olhal da mediania, e junto a este depositará o cadernal para se engatar no olhal do supplemento da carreta, quando fôr preciso retirar a Peça, e segura-Ia quando se carrega.
Isto concluido ficão todos firmes nos seus lugares até que o Instructor diga a seguinte
2ª voz
Desatracar a Artilharia a E. B
A esta voz, os serventes do espeque, e pé de cabra depositão estes instrumentos no chão, e todos devem passar as Peças correspondentes de E. B., excepto os Porta-cartuxos, que ficaráõ aguentando cada um a sua Peça com uma meia volta dada no cascavel com o tirador da talha da direita.
As Peças correspondentes de E. B. serão desatracadas como forão as de B. B., advertindo porém que o espeque e pé de cabra se devem prolongar no chão junto ás rodas com os punhos para a amurada, o chanfrado do espeque para cima, e a unha do pé de cabra para baixo.
O chefe de Peça deve cobrir o ouvido com a pranchada, e passar duas meias voltas ao cascavel com os tiradores das duas talhas, tudo porem emquanto se não faz uso destas Peças. (E aqui cumpre observar que de ordinario em as Fragatas somente as Peças de um bordo na bateria do convez é que tem talha de retenida.
Isto concluido, ficão firmes até se dar a seguinte
3ª voz
Passar a B. B
A esta voz, tudo passará a tomar as posições que tinhão nas Peças de B. B., e o chefe de Peça desfará a volta que o Porta cartuxo tinha dado ao cascavel com o tirados da talha da direita. E logo ficão firmes cada um no seu lugar até se dar a seguinte
4ª voz
Escorvar a Peça
A esta voz o chefe de Peça pega com a mão direita no diamante, limpa-lhe a ponta, mette-o no ouvido da Peça, pica bem o cartuxo, e reconhece nas costas da sua mão esquerda se deixa vestigios de polvora; e logo pega no polvarinho, no caso da escorva ser com polvora, e enche docemente o ouvido de polvora, fazendo depois um pequeno rastilho com ella, seguidamente desde o ouvido até á faxa alta da culatra, e depois moe o que ficar em cima da mesma faxa, com a chapa do polvarinho.
Se a escorva fôr com espoleta, então deve metter esta no ouvido, e depois fazer o rastilho até á faxa igualmente, com a polvora moida que se acha dentro do canudo exterior della.
Mas se a Peça tem fechos, neste caso deve abrir a cassoleta, encher o fogão delles com polvora, e metter a espoleta, ou encher o ouvido de polvora (faltando a espoleta) e fazer o rastilho, e depois fechar a cassoleta.
Isto concluido, fica firme até se dar a seguinte
5ª voz
Baixar ás pontarias
A esta voz o 2º servente da direita volta-se á esquerda, e o 2º da esquerda á direita; este firma a unha do pé de cobra sobre a mangueira contigua do eixo trazeiro, e aquelle o chanfrado do espeque sobre a outra correspondente; o ambos ficão attentos aos signaes que fizer o chefe de peça.
O 3º da direita volta-se á direita para ajudar o 2º a trabalhar com o espeque.
Os dous carregadores suspendem o seio do vergueiro para não obstar á pontaria; o 1º da direita com a mão esquerda e o 1º da esquerda com a mão direita.
O 3º da esquerda vai á tina buscar a trança, e vem postar-se no seu lugar, um pouco desviado para a retaguarda, soprando de quando em quando a chamma, para lhe expellir alguma cinza, e attento sempre ao chefe de peça.
O chefe de peça abaixa o corpo, e do modo que lhe seja mais commodo, aproxima o olho ao ponto mais alto da culatra, mirando por este e pelo mais alto da joia ao objecto de offensa, ou áquelle que verticalmente lhe corresponder por baixo e por cima; ou tambem servindo-se das visuaes lateraes da peça, tudo conforme os casos que occorrerem. Faz signal com a mão, e não com a voz, para que os segundos serventes conteirem ou adherissem, conforme o objecto de offensa o exigir, batendo com a palma da mão direita no lado direito da culatra, para que o do espeque, applicando este instrumento á conteira da carreta, conteire para a esquerda, se a boca da peça deve gyrar para a direita, e para indicar que cesse a operação, faça o signal contrario com a mesma mão. Vice-versa, com a mão esquerda do lado esquerdo da culatra, para que o servente do pé de cabra conteire para a direita. E para adherissar, isto é, para fazer elevar ou deprimir a boca da peça, voltará pela parte superior da culatra a palma da mão direita para cima; e para fazer cessar a operação fará o signal contrario com a palma da mão para baixo. Usará das palmetas ou cunhas nestas operações de adherissar a peça, e servirá nas caronadas do parafuso da culatra, quando allas o tiverem.
O mesmo chefe de peça, quando julgar boa a pontaria (attendendo ao movimento do navio), deve energicamente fazer signal com a mão direita por cima da culatra, o no sentido de pôpa á prôa, para que o espeque e pé de cabra se retirem, e se aproxime a trança com a chamma a meio palmo de distanciada porção de escorva que se acha molda na faxa alta da culatra; e rectificando novamente a pontaria, dará elle mesmo a voz de fogo, que será executada promptissimamente pelo servente da trança na paragem, mencionada, o qual depois a irá depositar na tina, e virá occupar o seu lugar. E no mesmo tempo que o chefe da peça der a voz de fogo, se deve retirar com rapidez para o lado direito da peça, a fim do evitar ser pisado pela carreta no seu recúo depois da explosão; como tambem os carregadores largão o vergueiro e retirão as mãos dos cordões das talhas, no caso de os estarem mordendo.
Nas peças com fechos, e estando boa a pontaria, deve o chefe de peça armar o cão e pegar no cordel com a mão direita, e estes movimentos serviráõ de signal para se retirarem o espeque e pé de cabra, e de se aproximar á trança; e immediatamente se desviará para a retaguarda (no caso de se dever applicar a força ao cordel no sentido longitudinal de peça) a uma distancia maior que o recúo, e daqui tornará a rectificar a pontaria, mirando pelos pontos superiores da culatra e joia, ou pelos visuaes lateraes como no proximo caso, e então elle mesmo dará fogo sem dar voz, puxando com força pelo cordel. Se porém falharem os fechos, e não se tendo desarranjado a pontaria, dará a voz de fogo, que será executada pelo servente da trança.
Logo que se deu fogo, o porta-cartuxo deve immediatamente engatar o cadernal da retenida no olhal do supplemento e estender o tirador, ficando com elles na mão bem intenso, e postando-se junto ao arganeo da mediania.
Os segundos serventes, depois do signal para retirarem os seus instrumentos, occuparáõ os seus lugares primitivos.
Concluidas estas manobras, todos ficão firmes, até que o Instructor dê a seguinte
6ª voz
Retirar a Artilharia
A esta voz os primeiros e terceiros serventes de cada lado vão pegar no tirador da retenida.
Os segundos applicão os seus instrumentos ás mangueiras respectivas do eixo trazeiro.
O chefe da peça colloca-se em cima das conteiras, pegando no vergueiro, e faz com que elle não embarace, pela fricção, o retrocesso da carreta.
(No caso em que a peça não tenha retenida, então o 1º servente da direita desengata o cadernal, o 3º o moitão da talha da direita para servir de retenida, e os passão a engatar competentemente no olhal do supplemento e arganeo da mediania, e ficão com o tirador na mão. O porta-cartuxo tambem pega no tirador para ajudar a alar.)
7ª voz
Ala
A esta voz todos applicão as suas forças para retirar a peça.
Os segundos serventes não só trabalhão com os seus instrumentos, mas tambem irão tocando a talha que lhe ficar contigua.
O chefe de peça, quando conhecer que a boca da peça está dentro da portinhola, dirá alto, e todos suspenderáõ a manobra; e logo fará pôr a peça horizontal, no caso de não estar. E depois todos irão occupar os seus lugares primitivos; mas o 2º da esquerda atravessará antes o pé de cabra no chão, de pôpa á prôa, por diante das rodas dianteiras o bem unido á ellas; e o mesmo fará o 2º da direita com o espeque nas rodas trazeiras; e o porta-cartuxo passará uma mordedura no cadernal da retinida com o tirador, e o chefe de peça a pisará com o pé a fim de que se não possa desfazer.
Isto concluido, ficão firmes até que se dê a seguinte
8ª voz
Carregar a Artilharia
A esta voz o chefe de peça pega com a mão direita no diamante, e com elle desentupe o ouvido da peça, e depois limpa-se a ponta.
Os carregadores entrão para dentro do vergueiro, no caso de ser preciso, para se poder commodamente carregar a peça.
O 2º do lado direito dá um passo á retaguarda, abaixa-se, pega com as duas mãos na lanada, e no mesmo sentido em que ella está, a entrega aos carregadores, passando-a por cima das cabeças dos serventes, e occupa outra vez o seu lugar. Os carregadores a recebem e collocão em cima da peça, deixando um terço de haste da parte de fóra do navio, e segurando-a sempre.
O 3º da direita, no caso de haver fechos, começa logo a limpa-los cuidadosamente, não lhes deixando humidade alguma, e põe o cão no descanso.
Acabadas estas operações, ficão firmes, e segue-se a
9ª voz
Alimpar a peça
A esta voz os carregadores, andando-se mutuamente, mettem a lanada dentro da alma da peça até o fundo e alimpão bem, e o chefe de peça tapa immediatamente o ouvido della com o dedo pollegar esquerdo (para o que em occasião de fogo terá uma dedeira de couro ou da lona). Acabando de limpar, os mesmos carregadores sem esperar outra voz, devem retirar a lanada, e volta-la de modo que o soquete fique para dentro do navio, e descansando depois a haste sobre a peça, ficando igualmente como na primeira posição, um terço della fóra do navio.
O porta-cartuxo vai ao lado esquerdo da peça pela retaguarda dos serventes, abre junto á amurado o guarda-cartuxo e entrega o cartuxo ao 1º servente, e isto feito vai immediatamente buscar outro á paragem que estiver designada para o calibre respectivo, e recebido vem postar-se no seu lugar.
O 1º dito servente da esquerda mette o cartuxo dentro d'alma da peça, dispondo-o de maneira que o atado fique para fóra e as costuras para os lados, e não de alto a baixo, e o aguenta com a mão esquerda até o instructor dar a seguinte
10ª voz
Unir o cartuxo
A esta voz os carregadores com o soquete devem empurrar o cartuxo, fazendo-o unir bem ao fundo d'alma.
O chefe de peça, introduzindo o diamante pelo ouvido, fica o cartuxo, e reconhece nas costas da mão não esquerda com a ponta delle se está unido ao fundo, e neste caso faz cessar a operação, dando a voz chegou, e então os carregadores retirão o soquete de dentro d'alma, e o collocão em cima da peça, deixando igualmente um terço da haste da parte de fóra do navio.
O 2º servente da esquerda vai buscar a bala ou outro projectil, e a entrega ao carregador do seu lado, depois de unido o cartuxo, e este a introduz na alma, e a fica aguentando com a mão esquerda até receber com a mão direita o taco do mesmo 2º servente, que logo introduz tambem na alma, e fica aguentando toda a carga com a mão esquerda até que se dê a seguinte
11ª voz
Calcar bala e taco
A esta voz os dous carregadores introduzem outra vez na alma o soquete, dão tres fortes pancadas contra o taco para este e a bala se unirem bem ao cartuxo, e immediatamente retirão este instrumento e o entregão ao 2º servente da direita, o qual o volta com a lanada para meio navio, fazendo esta manobra por cima das cabeças dos serventes, e depois dando um paço á retaguarda o colloca no chão, e occupa o seu lugar, e os carregadores, acabada a operação de carregar, fazem o mesmo.
O chefe de peça depois das tres pancadas, torna a picar o cartuxo com o diamante, e depois limpa-lhe a ponta, e o deposita no seu lugar em cima da soleira da carreta.
Advirta-se que quando os exercicios forem simplesmente de imitação, e não com a polvora, deve-se metter no fundo d'alma um taco de filaça para se não arruinar a peça, nem o soquete com as pancadas deste; o qual taco logo se deve tirar acabando o exercicio.
Isto concluido ficão firmes, e segue-se a
12ª voz
Metter em bateria
A esta voz, o porta-cartuxo desfaz a mordedura do cadernal da retinida puxando pelo tirador, e fica com ella nas mãos para aguentar a peça, a fim de que não vá com muita força contra a amurada.
O chefe de peça colloca-se em cima da carreta pondo o pé em cima das conteiras, e pega com ambas as mãos no vergueiro, a fim de o ir puxando quando se alar as talhas.
O 1º e 3º serventes de um e outro lado pegão com ambas as mãos nos tiradores das talhas respectivas, ficando os dous primeiros voltados para a peça e os dous terceiros para a amurada, firmando o da direita o pé esquerdo, e o da esquerda o pé direito sobre a mangueira do eixo trazeiro que lhe é contigua a fim de applicarem mais esforços.
Os segundos pegão respectivamente no pé de cabra e espeque, e vão postar-se atraz da carreta, applicando os seus instrumentos ao supplemento da soleira.
Advirta-se que se a peça não tiver retinida, neste caso o 1º e 3º do lado direito vão desengatar a talha que estava servindo de retinida, desengatando o 1º o cadernal, e o 3º o moitão, e passão a collocar no seu lugar primitivo, e ficão pegando no tirador.
Postos os serventes nestes lugares, ficão firmes até o instructor dar a seguinte
13ª voz
Ala
A esta voz, cada um faz esforço para que a peça se ponha em bateria, e o chefe de peça vai dirigindo a manobra, dizendo ala da direita, ou da esquerda, quando fôr preciso cessar a força da esquerda, e applicar sómente da direita, e vice-versa, a fim de que a peça na bateria fique bem no meio da portinhola; e isto conseguido, o mesmo chefe de peça dá a voz alto, e logo os terceiros serventes colhem as talhas respectivas, e passão os pandeiros de mão em mão para a amurada; e o porta-cartuxo desengata o cadernal da retinida, e o deposita como d'antes, junto ao moitão, e arranja esta talha.
Isto concluido, ficão firmes, e o instructor, deverá começar o exercicio, partindo da 4ª voz por diante, e quando houver de determinar dará a seguinte
14ª voz
Atracar a artilharia
A esta voz o chefe de peça deve primeiramente fazer pôr a pela horisontal e no meio da portinhola, e que a testeira da carreta fique tocando a amurada. Depois os segundos serventes vão depositar a palamenta nas paragens d'onde foi tirada para o exercicio, e voltão para os seus lugares. O carregador da direita mette a tapa na boca da peça (esta tapa no mar deve ficar ensebada) e segura com a gazeta á garganta da peça.
O chefe de peça mette a caravelha no ouvido (a qual no mar deve ficar ensebada na cabeça) depois tapa-o com a pranchada e a prende com a gazeta competente; encruza o vergueiro e arranja em cima delle a retinida; e ajudado pelos serventes, atraca a peça em meias voltas, se não é peça de coberta de não, começando sempre pela talha da direita.
Os primeiros serventes passão as cótes das talhas aos gatos respectivos da amurada, e pendurão nas vinhateiras os pandeiros colhidos pelos terceiros serventes.
O 1º da esquerda deposita o mólho de tacos no lugar competente.
Feitos estes arranjos, ficão firmes até que o instructor dê a seguinte
15ª voz
Atracar a artilharia a E. B.
A esta voz passaráõ as guarnições de cada peça ás correspondentes do outro bordo, e farão nestas os mesmos arranjos que ficão estabelecidos na 14ª voz, excepto pelo que respeita á retinida, pois que esta anda de ordinario annexa ás peças de B. B. em as fragatas.
Isto concluido, ficão firmes nos seus lugares a E. B., até que o instructor de a voz - romper a fórma - ou mande tocar a retirada, que será o signal de finalisar o exercicio, e de cada um se poder retirar e deixar o seu posto.
Advertencia sobre o exercicio por brigadas; exercicio em combate
Quando os serventes estiverem já adiantados nas manobras acima estabelecidas, o instructor deve fazer-lhes mudar de lugar, para que ninguem ignore o serviço de cada um, e particularmente o de chefe de peça. E esta mudança será pela escolha do mesmo instructor, dando a voz, por exemplo: 1º servente da esquerda passa a chefe de peça, e o 3º da direita a porta-cartuxo. Mudar os postos.
A esta ultima voz se trocaráõ reciprocamente os lugares, isto é, o 1º servente deve passar a chefe de peça, e este a 1º servente da esquerda, e assim os outros; e para combate deve estar nomeado positivamente em cada boca de fogo aquelle que ha de substituir o chefe de peça no caso em que este venha a faltar.
O instructor igualmente mandará algumas vezes que cada chefe de peça, mande elle mesmo a manobra de sua peça, e execute ao mesmo tempo os trabalhos que lhe tocão pelo seu lugar. E para isso o instructor dará a voz, chefe de peça mande a manobra da sua peça. Principia - a esta ultima voz o chefe de peça dá, como se fosse instructor, as vozes desde a 4ª até a 13ª, e recomeça, e faz ao mesmo tempo as manobras que lhe pertencem. O instructor emendará os defeitos e erros que observar, e não permittirá que o chefe de qualquer das vozes sem se ter completado perfeitamente a manobra antecedente. E para cessar este particular exercicio, o instructor dará a voz, firme, e então cada chefe de peça não deve continuar as vozes, e tudo fica firme nos seus lugares.
Em as baterias de qualquer bordo devem estar as peças numeradas alternadamente 1ª, 2ª, a começar da pôpa; o instructor mandará algumas vezes passar toda a brigada, ou sómente as primeiras, ou segundas peças a guarnecer as respectivas de E. B., e neste caso, por exemplo, dará a voz, segundas peças passar a E. B. A esta ultima voz cada chefe das segundas peças passa duas meias voltas á cascavel com os tiradores das talhas, e pega no diamante. Os segundos serventes depositão no chão o espeque e pé de cabra, como se determinou na 2º voz. O porta-cartuxo transporta a retinida, e todos passão depois a guarnecer as peças respectivas de E. B., occupando cada um o lugar que lhe competia a B. B., e immediatamente se devem pôr no mesmo estado de serviço. Isto concluido, o instructor continúa o exercicio attendendo aos dous bordos.
Adestrados totalmente nas manobras por vozes, deve-se fazer exercicio em combate. Este exercicio em nada differe dos antecedentes mais do que em não haver vozes do instructor, porém o chefe de peça tem algumas a dar, que são: ala da direita ou da esquerda, quando a peça não vai bem dirigida ao meio da portinhola; alto, quando deve cessar a força para retirar, ou metter a peça em bateria; chegou, na operação de se unir o cartuxo ao fundo d'alma; e a voz fogo, depois de rectificada a pontaria. Neste exercicio pois todas as manobras são executadas consecutivamente umas depois das outras, mas sempre com a mesma perfeição que quando se davão as vozes. Para começar este exercicio o instructor dará a voz, exercicio em combate. Principia. E logo o chefe de peça começará a escorvar, baixará depois as pontarias, e assim por diante, e recomeçará, o cada servente fará o trabalho que lhe compete, segundo a manobra o exige. E quando o instructor houver do mandar cessar este exercicio que é o mesmo que cessar o fogo em combate real, mandará dar um toque proprio pelo corneta, ou um rufo pelo tambor; e não havendo alguns destes instrumentos, dará a voz, firme, e então aquellas peças, que já estiverem carregadas e escorvadas, ficão firmes; mas as que não estiverem neste estado continuaráõ as suas manobras até o conseguirem, e depois ficaráõ igualmente firmes.
Algumas alterações em os exercicios por Brigadas acima estabelecidos, quando as bocas de fogo forem guarnecidas com dez ou seis homens, e outros casos extraordinarios.
Se a lanada andar separada do soquete, como acontece nos grossos calibres, á voz de desatracar a Artilharia, o 2º servente da direita faz o que se determinou na primeira voz e o 2º da esquerda pega no soquete, e o deposita no chão na sua retaguarda no sentido de B. B. a E. B., e com a massa para meio navio.
A' voz de carregar a Artilharia, o 2º da direita executa o que a este respeito se determinou na 8ª voz, e depois de limpa a Peça, os carregadores lh'a entregaráõ immediatamente, e elle a repõe no seu lugar como fica estabelecido na 11ª voz. E á voz de limpar a Peça, o 2º da esquerda dá um passo á retaguarda, abaixa-se, pega com as duas mãos no soquete, e entrega-o aos carregadores por cima das cabeças dos serventes, e isto logo depois que elles tiverem deixado a lanada; e carregada a Peça, o repõe no seu lugar no mesmo sentido em que estava.
Quando a Peça é guarnecida com dez homens, dos quaes um para chefe de Peça, um Porta-cartuxo, e quatro serventes para cada lado; neste caso á voz de abaixar as pontarias, o 4º da esquerda volta-se á esquerda para ajudar o 2º a trabalhar com o pé de cabra. Os quartos colhem as talhas, e os terceiros desbolinão, quando é preciso; o 3º da esquerda ainda é o servente da trança, ou botafogo; e todos os serventes, excepto os segundos, alão as talhas e a retenida, e em tudo mais como se estabeleceu acima para cada servente, observando que os quartos, quando se mette a Peça em bateria, fazem as vezes dos terceiros.
Quando a guarnição constar de seis homens, de que será um chefe de Peça, um Porta-cartuxo, e dous serventes para cada lado; neste caso costuma a talha da direita fazer as vezes de retenida. Os dous primeiros serventes são ainda os carregadores: o 1º da esquerda trabalha com o pé de cabra nas pontarias; o 2º da esquerda serve á trança, e colhe a talha respectiva. E á voz de retirar a Artilharia o 1º e 2º da direta desengatão a talha respectiva, desengatando o 1º o cadernal, e o 2º o moitão, e a passão a engatar no olhal do supplemento, e no arganéo da mediania, e ficão com o tirador na mão; e estes mesmos a repoem em seu lugar á vóz de de metter em bateria, e para estas duas manobras, não se usará do espeque e pé de cabra, mas os quartos serventes devem alar aos tiradores; por este mesmo motivo quando se der qualquer das vozes para as ditas manobras os dous serventes prolongaráõ os seus instrumentos no chão, como se estabeleceu na 2ª voz. O chefe da peça, quando se metter dentro a peça, não só terá conta com o vergueiro, mas tambem deve tocar a talha da esquerda, sendo preciso. Em tudo mais se praticará o que fica estabelecido para as peças guarnecidas com oito homens.
Algumas vezes em combate é preciso tirar da guarnição geral da Artilharia, um ou dous homens por boca de fogo para ajudar a manobra do Navio; e para este fim serão nomeados anticipadamente os ultimos serventes, os quaes devem regressar a seus lugares logo que acabar a dita manobra. Mas durante a sua ausencia, e suppondo que a boca de fogo era manejada por oito homens, o serviço dos que ficão será o que se acabou de estabelecer, quando a guarnição consta de seis. E no caso de dez ficarem reduzidos a oito; o serviço de cada um será o estabelecido para as Peças guarnecidas com oito homens. O signal para ajudar a manobra do Navio será o toque de fachina por corneta ou tambor; e para regressarem a seus postos, o Commandante do Navio mandará retirar para a Artilharia.
Tambem algumas vezes é preciso repellir a abordagem com auxilio de gente das Peças que se deve unir á outra da guarnição geral do Navio, que no plano de combate se acha detalhada para este fim; e este caso é mui variado, pois depende das circumstancias. Supponha-se por exemplo, uma Fragata abordada por outra inimiga; neste caso metade dos homens da guarnição da Artilharia do convez, armados com armas de fogo, deveráõ ao signal dado (que será toque de rebate) concorrer rapidamente ás paragens do ataque, conduzidos por dous officiaes da bateria; e se fôr preciso reforçar mais a defensa, se dará outro toque de rebate, e logo concorrerá o resto das guarnições, menos um ou dous homens, que devem ficar armados defendendo as portas das baterias. Ao Commandante desta bateria e Brigadas, é que toca fazer observar a prompta execução deste artigo, advertindo que este seguido reforço será conduzido pelo resto dos officiaes que ficárão na bateria.
Finalmente no caso de incendio, além da gente de equipagem, que se costuma empregar nos trabalhos da bomba, baldes, etc., deve-se pôr em combate, um balde de sóla com o seu arrebem de duas braças de comprimento, por Peça guarnecida; e nomear um, ou dous homens de cada uma para trabalhar com elle. Aos Commandantes das baterias toca igualmente a nomeação destes serventes em semelhantes casos extraordinarios.
Exercicios geraes de Artilharia e algumas disposições sobre o cartuxame e petrechos que devem servir nestes exercicios, e particularmente em combate.
Tudo o que até aqui se tem estabelecido, deve o instructor ensinar e fazer praticar nos exercicios por brigadas, e depois de todas bem instruidas (assim como a gente que maneja a fuzilaria e outras armas) o Commandante do navio deve fazer exercicios geraes, quando fôr possivel, com toda a guarnição do navio a postos, mandando que se faça o manejo com toda a artilharia já por vozes, já sem ellas; combinando-o elle mesmo com manobras do navio, e fazendo varias hypotheses como de abordagem, incendio e ataque pelos dous bordos.
Para chamar a guarnição a estes exercicios, o signal será toque de rebate, e para os finalisar será o de retirada. Ao toque de rebate, tudo, pessoal e material deverá ficar prompto e safo em seis minutos, quanto ao mais; qualquer excesso de tempo, neste caso, é indicio de pouca disciplina, e que o armamento e petrechos de artilharia não estão collocados em lugares mais á mão para imminente combate ou sorpresa.
E' nestes exercicios que se aproxima mais da imagem do combate real, consequentemente deve-se nelles dar fogo, quando fôr possivel; mas para isto se fazer com a menor despeza da fazenda, se procederá do modo seguinte. Devem fazer-se cartuxos de polvora pequenos em fórma cylindrica, que tenhão por altura o calibre da peça, isto é, o diametro da boca e largura a sufficiente para que contenha quatro onças de polvora; cosa-se mui bem ao taco do calibre, de maneira que introduzido na peça e empurrado o taco com o soquete, fique o cartuxo ao alto correspondendo por baixo do ouvido. Estes cartuxos assim preparados, devem estar no paiol da polvora e sahir para as baterias pelas gateiras; e a escorva se fará com polvora, ou com espoleta.
Tambem se devem fazer estes exercicios geraes algumas vezes de noite; e para isto será preciso ter lanternas de vistas de osso, guarnecidas de velas de cera com os pavios queimados, para se acenderem com facilidade em paragem que estejão muito á mão, por exemplo, em uma fragata debaixo da tolda, e em combate, ou nestes exercicios se deveráõ pendurar no meio do intervallo de duas peças, ou a meio navio, ou na amurada, e jámais por cima da portinhola, ou defronte della.
Pelo que respeita ao modo mais simples e seguro de em combate conduzir o cartuxame ás baterias, isto varia segundo a qualidade do navio, e se torna tanto mais attendivel, quanto maior é o numero dellas. Supponha-se uma fragata de duas baterias, e se procederá do modo seguinte. Na camara deve existir um caixão grande bem forrado e livre de humidade, collocado no intervallo de duas peças de pôpa á prôa, em o qual, á vela sómente, se depositem os guarda-cartuxos das baterias, contendo cada um dous cartuxos de polvora do calibre respectivo, e as caixas de espoletas e polvarinhos guarnecidos, de maneira que tocando a rebate não seja preciso depender immediatamente do paiol da polvora; e logo que se distribuirem estes petrechos pelos respectivos serventes, o caixão vasio deve ficar no bordo opposto ao combate, ou a meio navio. E no caso de exercicio geral, em que se houver de dar fogo com os pequenos cartuxos cosidos aos tacos, se transportaráõ anticipadamente aquelles do caixão para o paiol, e se tornaráõ a pôr no mesmo lugar, logo que acabe o dito exercicio; e no porto igualmente se recolheráõ ao paiol, assim como os polvarinhos sem diamantes.
E logo que entrarem para o paiol da polvora aquelles homens (que são sufficientes dous, pois não será preciso encartuxar porque deve existir nas prateleiras um numero de cartuxos cheios não menor que dez vezes a totalidade das bocas de fogo do navio) que hão de servir nelle, se deve tapar a escotilha com a tampa propria sem a mais leve demora; nem se deve em geral abrir o dito paiol sem primeiro ficarem fechadas e cobertas com bons encerados todas as escotilhas das pontes superiores. Fechada a escotilha deve-se fazer a passagem dos cartuxos pelas gateiras para serem conduzidos á formiga de mão em mão á escotilha da coberta que lhes ficar mais proxima, e desta se transmittiráõ á que lhe fica superior no convez, e por aqui se fornecerá a 1ª bateria. E para fornecimento da 2ª, isto é, da tolda e castello, se depositaráõ logo no principio alguns cartuxos do calibre proprio sahidos igualmente pelas gateiras em um caixão que deve estar na coberta junto ao mastro do traquete e da parte opposta ao combate para deste lugar se transmitirem pela escotilha de prôa á dita bateria, cujos porta-cartuxos os irão receber ao lugar do bailéo, que superiormente corresponder á mesma escotilha. Este deposito é provisorio, e só deverá ter lugar era occasião de combate, ou naquelle exercicio geral em que se der fogo.
Nos xadrezes das escotilhas, por onde se transmitte a polvora devem estar praticados em cada um dous buracos um em cada bordo, para por elles passarem os cartuxos, depois do que devem immediatamente ser cobertos, e da coberta para o convez não se transmittirá algum que não seja mettido dentro do guarda-cartuxo bem tapado. Além disto de noite na coberta devem-se pôr sómente duas lanternas acezas, fechadas com cadeados e espaçadas da parte opposta ao transito da polvora; e nestas paragens o chão deve ser molhado, e refrescado de quando em quando com lambazes bem ensopados em agua. E em geral para o serviço da polvora, tanto no paiol como nas gateiras e coberta, devem ser escolhidos homens mais velhos, e que não tenhão uso de fumar.
A trança que é o bota-fogo de bordo deve ser construido de oito cordões de morrão de boa qualidade (cada morrão consta de tres cordões). Dous destes sejão totalmente destorcidos e reduzidos a estopa, ficando cada um do comprimento de seis a sete palmos; enxofrem-se mui bem com vinagre e polvora, e sequem-se ao sol; unão-se depois pelas pontas, e sejão cobertos pelos outros seis cordões, envolvendo a maneira de trança, de sorte que os dous enxofrados fiquem no centro delle ou formem a alma do bota-fogo. Faça-se a esta trança um pequeno cravo em uma das pontas, e enxofre-se novamente este cravo, e enxugue-se tambem ao sol; ultimamente cubra-se este cravo com papel, ou encoife-se e mesmo não seria inutil cobrir com elle toda a trança para se conservar mais livre de humidade. Fação-se depois molhos que tenhão seis ou oito tranças cada um e guardem-se em lugar secco e que estejão á mão, por exemplo em uma fragata pendurem-se em vinhateiras nas latas da coberta junto á praça d'armas.
Em combate deve a dita trança serpentear em uma vara de quatro palmos de cumprimento, na qual se abrirá um furo em um dos extremos por onde passe a mesma trança, ficando a ponta intiammada proxima a elle. O bota-fogo assim construido e disposto é talvez o meio mais opportuno de applicar a chamma á escorva em a artilharia naval; e na occasião do fogo se deve collocar em tinas pequenas feitas de proposito, e nellas não se deve deitar agua, mas sim cobrir-lhes os fundos com arêa.
NOTA A' 5ª VOZ
A arte de apontar uma peça para percutir um objecto determinado, funda-se essencialmente no conhecimento de quatro cousas, que são os seus elementos: primeiro, a relação do peso da carga da polvora ao do projectil; segundo, a depressão que a linha de mira ou superior da peça faz com o eixo da alma; terceiro, a distancia da bateria ao objecto; quarto, o abatimento que tem o projectil nesta distancia.
Emquanto ao primeiro, elle se acha em geral determinado por Ordenança de Estado, sendo para as peças a carga igual ao terceiro do peso da bala, e para as caronadas a duodécima. Emquanto ao segundo, é preciso saber que as dimensões das peças varião com os calibres, e que ainda em o mesmo calibre se achão diversas, conforme as fundições em que forão feitas; de que resulta ser mui variavel a depressão de linha superior a respeito do eixo d'alma, porquanto ella depende essencialmente da semi-differença dos diametros da culatra e joia, e do intervallo entre estes circulos; para conhecer pois este elemento, é indispensavel recorrer á trigonometria rectelinea. Emquanto ao terceiro, ainda é preciso recorrer á mesma trigonometria; mas postos os resultados do calculo em uma taboa, se póde conhecer a distancia de navio a navio, com a mesma promptidão e facilidade com que no mar se observa a altura do sol. E pelo que respeita ao quarto, que é o mais difficil, os abatimentos são tanto maiores, quanto maior é a distancia; advertindo que ainda sendo tudo mais igual, os da palanqueta são maiores que os da bala, e os da metralha excedem os da palanqueta. A lei destes abatimentos se acha conhecida pela theoria e experiencia, de maneira que os resultados do calculo igualmente se podem lançar em taboas para servirem opportunamente.
A' vista deste pequeno esboço, é manifesto que a arte de, apontar a peça demanda conhecimentos, que estão fóra da capacidade do simples artilheiro, e que nem mesmo se lhe póde ensinar nos exercicios cousa alguma a semelhante respeito que tenha applicação geral a todos os calibres e bocas do fogo. Aos officiaes é que toca instruir-se sobre este importante objecto, pois devem dirigir em combate os chefes de peça.
Entretanto o que neste opusculo se póde estabelecer como regras geraes, é que ha uma unica distancia para cada peça, em que mirando pela linha superior, de mira ou vaso dos metaes (que tudo significa o mesmo) directamente ao objecto, o possão offender; e que em outra distancia menor, ou maior será preciso mirar por baixo, ou por cima delle, uma quantidade de palmos igual á differença entre o abatimento do projectil e a depressão da linha de mira conforme a distancia.
Que achando-se o objecto de offensa em distancia inferior a cem braças, o chefe de peça deve mirar a elle, não pela linha superior, mas pelas duas visuaes lateraes que passão por cima dos munhões; isto é, deve pôr a peça de maneira que o objecto fique no plano destas visuaes. Porquanto as balas de todos os calibres não tem, na distancia de cem, mais que seis palmos de abatimento, e em distancias menores elle diminue cada vez mais, de maneira que em 50 braças é sómente de um palmo; e assim se póde olhar o tiro não perdido ainda na distancia de cem braças, suppondo o caso mais desfavoravel que o objecto de offensa fosse a bateria de um pequeno brigue. Mas se o artilheiro neste caso mirasse ao objecto pela linha superior, jamais o percutiria; porque o projectil passaria sempre por alto tantos palmos quantos fossem a differença entre seis, e a quantidade de depressão da mesma linha superior cem o eixo d'alma; o erro maximo com as nossas peças de 24 chega a 30 palmos e o minimo a 18, e na distancia de 50 braças o maximo é de 15, e o minimo 10, o que é o mesmo se se pretendesse atirar na distancia de cem braças contra a bateria da tolda de uma náo de 74, mirando pela linha superior destas peças, jámais a offenderia ainda que a visual pela dita linha superior fosse dirigida á sua linha d'agua, apenas neste ultimo caso seria percutida alguma parte da trincheira do tombadilho, e na distancia de 50 braças seria preciso dirigir a linha de mira a um ponto situado a meio entre a primeira e segunda bateria. Se em lugar de não suppuzermos um navio de menor porte e na mesma hypothese de mira, com maior razão nunca offenderião qualquer paragem de seus cascos, posto que a mira fosse dirigida á linha d'agua, Fóra do limite de cem braças cada pontaria tem sua regra particular.
Não se deve comtudo dissimular que a pontaria pelas visuaes lateraes é em algumas occasiões, incommoda, segunda a posição do alvo; mas pôde-se remediar facilmente estes inconvenientes (para o caso sómente de distancia inferior a cem braças) colocando em cima da peça um supplemento vertical, de grandeza tal que faça o semi-diametro da joia, igual ao da culatra ou, que é o mesmo, a linha de mira parallela ao eixo da alma; e então a mira será dirigida ao objecto pela linha superior, isto é, pelo ponto mais alto da culatra, e por cima do dito supplemento. Este supplemento póde ser uma regoa prismatica, ou em fórma de cunha de grandeza, sufficiente, e que se deve tirar logo que a distancia exceder cem braças.
Tudo isto que levemente se tocou sobre a arte de apontar a peça, será demonstrado, mais desenvolvido, e reduzido á pratica de todas as comprehensões, em o Compendio de Artilharia para os discipulos da Academia dos Guardas Marinhas, que fica organisando um de seus Lentes, segundo as ordens do Governo; no qual além disto se darão instrucções sobre o melhor arranjo do trem de artilharia a bordo, e do uso opportuno dos differentes projecteis, como tambem sobre o armamento, e sua mais vantajosa distribuição para combate.
Palacio do Rio de Janeiro em 2 do mez de Outubro de mil oitocentos trinta e oito.
Joaquim José Rodrigues Torres.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1838, Página 123 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)