Legislação Informatizada - Decreto nº 1.782, de 14 de Julho de 1856 - Publicação Original

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Decreto nº 1.782, de 14 de Julho de 1856

Promulga o Tratado de amizade, navegação e commercio entre o Imperio do Brasil e a Republica do Paraguay.

     Tendo-se concluido e assignado nesta Côrte, aos 6 de Abril do presente anno, hum Tratado de amizade, navegação e commercio entre o Imperio e a Republica do Paraguay; e achando-se este acto mutuamente ractificado, e trocadas as ratificações em 13 de Junho proximo passado; Hei por bem Ordenar que o dito Tratado seja observado e cumprido tão inteiramente como nelle se contêm.

     José Maria da Silva Paranhos, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros, o tenha assim entendido e expeça para este fim os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, aos quatorze dias do mez de Julho de mil oitocentos cincoenta e seis, trigesimo quinto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

José Maria da Silva Paranhos.

 

TRATADO DE AMIZADE, NAVEGAÇÃO E COMMERCIO, CELEBRADO ENTRE O BRASIL E A
REPUBLICA DO PARAGUAY, A QUE SE REFERE O DECRETO SUPRA

     Nós, o Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil, &c.; Fazemos saber a todos os que a presente Carta de confirmação, approvação e ratificação virem, que aos seis dias do mez de Abril do corrente anno, se concluio e assignou nesta Côrte do Rio de Janeiro, entre Nós e o Presidente da Republica do Paraguay, pelos respectivos Plenipotenciarios, munidos dos necessarios plenos poderes, hum Tratado de amizade, navegação e commercio do teor seguinte:

     Em nome da Santissima e indivisivel Trindade

     Sua Magestade o Imperador do Brasil e S. Ex. o Sr. Presidente da Republica do Paraguay, desejando firmar em bases solidas e duradouras as relações de paz e amizade que existem entre as duas Nações, e regular a sua navegação e commercio reciproco por meio de hum Tratado adaptado ás suas circumstancias de paizes limitrophes e ribeirinhos, nomeárão para esse fim por seus Plenipotenciarios, a saber:

     Sua Magestade o Imperador do Brasil a S. Ex. o Sr. Dr. José Maria da Silva Paranhos, do Conselho de Sua Magestade o Imperador do Brasil, Commendador da Imperial Ordem da Rosa, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros;

     E S. Ex. o Sr. Presidente da Republica do Paraguay a S. Ex. o Sr. José Berges;

     Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes respectivos, que forão achados em boa e devida fórma, convierão nos Artigos seguintes:

     Art. 1º Haverá paz perfeita, firme e sincera amizade entre Sua Magestade o Imperador do Brasil e Seus successores e subditos, e a Republica do Paraguay e seus cidadãos, em todas as suas possessões e territorios respectivos.

     As Altas partes contractantes velarão em que esta amizade e boa intelligencia sejão mantidas constante e perpetuamente.

     Art. 2º O Brasil concede aos navios mercantes da Republica do Paraguay a livre navegação dos rios Paraná e Paraguay, naquellas partes em que he ribeirinho, e a Republica do Paraguay concede, nos mesmos termos; ao Brasil o direito de navegação livre na parte daquelles dous rios em que he ribeirinha; de modo que a navegação dos ditos rios, na parte em que cada huma das duas Nações he ribeirinha, fica sendo commum a ambas.

     Art. 3º Os subditos e os cidadãos das Altas partes contractantes poderão entrar e sahir livre e seguramente com seus navios e carregamentos em todos os portos e lugares que se acharem habilitados para o commercio estrangeiro nos territorios pertencentes a cada huma das Altas partes contractantes poderão permanecer e residir em qualquer parte dos ditos territorios, alugar casas e armazens, commerciar em toda a classe de productos, manufacturas e mercadorias que sejão de legitimo trafico, sujeitando-se ás Leis, usos e costumes estabelecidos no paiz.

     No que respeita á policia dos portos, carga e descarga dos navios, armazenagem e segurança das mercadorias, gozarão dos mesmos direitos, franquezas e privilegios de que gozão ou gozarem os nacionaes.

     Art. 4º Fica entendido que se não comprehende nas disposições precedentes a navegação dos rios interiores que desaguão no Paraná ou no Paraguay, que em ambas as margens pertenção á soberania de huma das duas Nações; reservando-se as duas Altas partes contractantantes seu pleno e inteiro direito de exceptuar essa navegação para a bandeira nacional.

     Outrosim, fica exceptuado o commercio de porto á porto da mesma Nação, consistindo em generos do paiz, ou estrangeiros já despachados para consumo, cujo commercio não se poderá fazer senão em embarcações nacionaes, sendo com tudo livre aos cidadãos e subditos de ambas as Altas partes contractantes carregar suas mercadorias nas ditas embarcações, pagando huns e outros os mesmos direitos.

     Art. 5º Nenhuma das Altas partes contractantes imporá direitos de transito, nem outros sob qualquer denominação que seja, sobre as embarcações da outra que navegarem pelos rios Paraná e Paraguay, com destino de hum porto da Nação a que pertencem para outro da mesma Nação ou de hum porto da Nação a que pertencem para outro de terceira, e vice-versa.

     Art. 6º Fica entendido que cada huma das duas Altas partes contractantes se reserva o direito de adoptar por meio de Regulamentos fiscaes e policiaes as medidas convenientes para evitar o contrabando e prover á sua segurança, obrigando-se ambas a sustentar como bases de taes Regulamentos as que forem mais favoraveis ao melhor e mais amplo desenvolvimento da navegação para a qual forem estabelecidos.

     Art. 7º As embarcações de cada huma das duas Altas partes contractantes, quando se dirijão de hum porto da Nação a que pertencem para outro da mesma Nação, ou de terceira, poderão tocar com o seu carregamento em hum porto da outra parte contractante, ahi permanecer, descarregar e vender todo ou parte do seu carregamento, receber nova carga ou seguir com o resto da que trouxe para o porto do seu destino, sem que paguem pelas mercadorias que tenhão descarregado outros nem mais altos direitos do que os que se cobrão ou cobrarem pelas mercadorias introduzidas ou exportadas directamente pela Nação mais favorecida.

     Art. 8º Nos portos da Republica do Paraguay, onde chegarem navios brasileiros para commerciar, não serão estes obrigados a pagar, a titulo de tonelagem, ancoradouro, pilotagem, ou salvamento em caso de avaria, ou de naufragio, outros nem mais altos direitos do que são ou forem no futuro impostos sobre as embarcações paraguayas; e reciprocamente, nos portos do Brasil, as embarcações paraguayas não serão obrigadas a pagar, sob os mesmos titulos, maiores direitos do que os que pagão ou pagarem as embarcações brasileiras.

     Art. 9º Os brasileiros no Paraguay, e os paraguayos no Brasil, terão inteira liberdade para manejar seus proprios negocios, podendo faze-lo por si ou por seus agentes e caixeiros, como melhor entenderem.

     Art. 10. Os subditos ou cidadãos de cada huma das Altas partes contractantes gozarão em todos os territorios da outra de completa e perfeita protecção quanto ás suas pessoas e propriedades. Elles terão livre e facil accesso aos Tribunaes para reclamarem e defenderem seus direitos; se poderão dispor de suas propriedades por venda, troca, doação, testamento ou por outra qualquer maneira, sem que se lhes opponha obstaculo ou impedimento algum, gozando a este respeito dos mesmos direitos, e privilegios que tem ou tiverem os proprios subditos ou cidadãos do paiz em que se acharem.

     Serão isentos de todo o serviço militar obrigatorio, de qualquer genero que seja, e de todo o emprestimo forçado, impostos, ou requisições militares.

     No caso de fallecimento ab intestato, o respectivo Consul geral, Consul ou Vice-consul, exercitará o direito de administrar a propriedade que o fallecido tiver deixado, a beneficio dos legitimos herdeiros e dos credores á herança, tanto quanto o admittirem as Leis do paiz em que tiver lugar o fallecimento.

     Art. 11. As duas Altas partes contractantes, desejando assentar as relações de amizade, commercio e navegação de seus respectivos paizes sobre a base de huma perfeita igualdade e benevola reciprocidade, convierão em que os Agentes diplomaticos, e consulares, os subditos ou cidadãos de cada huma dellas, seus respectivos navios, e os productos naturaes ou manufacturados dos dous Estados, gozarão reciprocamente no outro dos mesmos direitos, franquezas e immunidades já concedidos, ou que o forem para o futuro, á Nação mais favorecida, sendo gratuita a concessão, se o for ou tiver sido para essa Nação, e ficando estipulada a mesma compensação, se a concessão for condicional.

     Art. 12. Para melhor intelligencia do Artigo precedente, as duas Altas partes contractantes convêm em considerar navios brasileiros ou paraguayos os que forem possuidos, tripolados e navegados segundo as Leis dos respectivos paizes.

     Art. 13. Se acontecer que huma das Altas partes contractantes se ache em guerra com huma terceira Potencia, os subditos ou cidadãos da outra que se conservar neutra, poderão continuar seu commercio e navegação com esse Estado, exceptuados os portos ou Cidades que se acharem bloqueados ou sitiados por mar ou por terra: mas em nenhum caso será permittido o commercio dos artigos reputados de contrabando de guerra.

     Art. 14. Para que não haja duvida sobre quaes sejão os objectos ou artigos chamados de contrabando de guerra se declarão taes: 1º, canhões, morteiros, obuzes, pedreiros, mosquetes, refles, carabinas, espingardas, pistolas, piques, espadas, sabres, lanças, dardos, alabardas, granadas, foguetes, bombas, polvora, mechas, balas, e todas as outras cousas pertencentes ao uso destas armas; 2º, escudos, capacetes, peitos de aço, saias de malha, boldriés, e roupa feita de uniforme e para uso militar; 3º, boldriés de cavallaria, cavallos, sellins, senas, lombilhos, e quaesquer pertences desta arma; 4º, e geralmente toda a qualidade de instrumentos de ferro, aço, latão e de quaesquer outros materiaes manufacturados, preparados ou formados designadamente para fazer a guerra por mar ou por terra.

     Art. 15. No referido estado de guerra entre alguma das Altas partes contractantes e huma terceira Potencia, nenhum subdito ou cidadão da outra acceitará commissão ou carta de marca para o fim de ajudar ou cooperar hostilmente com o seu inimigo, sob pena de ser tratado como pirata.

     Art. 16. Nenhuma das Altas partes contractantes admittirá em seus portos piratas ou ladrões de mar, obrigando-se a persegui-los por todos os meios ao seu alcance, e com todo o rigor das Leis, assim como aos que forem convencidos de complicidade desse crime, ou occultarem os bens assim roubados, e a devolver navios e cargas a seus legitimos donos, subditos ou cidadãos de qualquer das Altas partes contractantes, ou a seus procuradores, e em falta destes, aos respectivos agentes consulares.

     Art. 17. Se houver alguma desintelligencia, quebra de amizade, ou rompimento entre as duas Altas partes contractantes (o que Deos não permitta) os subditos ou cidadãos de cada huma das mesmas Altas partes contractantes, residentes dentro dos territorios da outra, poderão ahi ficar para arranjo de seus negocios, e para continuar no seu commercio ou occupação no pleno gozo de sua liberdade e propriedade, emquanto se comportarem pacificamente, e não commetterem ofensa contra as Leis. Seus bens de qualquer classe que sejão, quer estejão debaixo de sua propria guarda, ou confiados a particulares ou ao Estado, não serão sujeitos a embargos ou sequestro, nem a nenhuma outra carga ou exacção senão aquellas que possão recahir em propriedades semelhantes pertencentes aos subditos ou cidadãos nacionaes.

     No caso porêm de que o seu comportamento dê motivos de suspeita, poderão ser mandados sahir do paiz, concedendo-se-lhes tempo sufficiente para seus arranjos, e a faculdade de levarem seus bens e propriedades e de disporem delles por qualquer meio legal. Outrosim receberão hum salvo-conducto para que possão livremente e com segurança embarcar no porto que elles mesmos escolherem.

     Art. 18. As duas Altas partes contractantes convêm em regular o transito dos seus navios de guerra nas aguas dos rios Paraná e Paraguay, que lhes pertencem, nos seguintes termos:

     S. Ex. o Sr. Presidente da Republica, em attenção a que o Brasil he hum Estado ribeirinho, concede que, independentemente de prévio aviso e consentimento, até dous navios de guerra brasileiros, de vela ou vapor, juntos ou separadamente, possão subir e descer livremente, sempre que assim convenha ao Governo Imperial, pelos rios Paraguay e Paraná, na parte pertencente á Republica, bem como entrar em todos os portos desta abertos ás bandeiras estrangeiras; com tanto, porêm, que nenhum dos ditos navios tenha maior arqueação que a de seiscentas toneladas, nem maior armamento que o de oito bocas de fogo.

     E reciprocamente, Sua Magestade o Imperador do Brasil concede, sob as mesmas condições, que até dous navios de guerra paraguayos possão chegar aos portos do Brasil abertos ás bandeiras estrangeiras nos rios Paraguay e Paraná.

     Fica entendido: 1º, que na sobredita restricção se não comprehendem os navios de guerra brasileiros que forem como paquetes aos portos da Republica, conforme o puderem fazer os de qualquer outra Nação; 2º, que os navios de guerra brasileiros e os paraguayos gozarão respectivamente, nos sobreditos portos fluviaes, das honras, franquezas e isenções que são de uso geral; 3º, que os navios de guerra paraguayos poderão entrar em todos os portos maritimos do Imperio abertos ao commercio estrangeiro, e nelles gozarão das mesmas honras, franquezas e isenções que se concederem aos de qualquer outra Nação.

     Art. 19. O simples e livre transito pelas aguas dos rios Paraguay e Paraná, de que tratão os Arts. 2 e 18 do presente Tratado, será permanente; todas as outras estipulações sómente serão vigentes por 6 annos, contados do dia da troca das ratificações, em que o mesmo Tratado começará a ter pleno e inteiro effeito.

     Art. 20. A troca das ratificações do presente Tratado será feita na Cidade da Assumpção dentro do prazo de 80 dias, ou antes se for possivel, contados do dia da sua data.

     Em testemunho do que, nós os Plenipotenciarios de Sua Magestade o Imperador do Brasil, e da Republica do Paraguay, em virtude de nossos plenos poderes, assignámos este Tratado e lhe fizemos pôr o Sello de nossas armas.

     Feito na Cidade do Rio de Janeiro, aos seis dias do mez de Abril do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos cincoenta e seis.

     (L. do S.) - José Maria da Silva Paranhos.

     (L. do S.) - José Berges.

     E sendo-Nos presente o mesmo Tratado, cujo teor fica acima transcripto, e bem visto, considerado e examinado por Nós tudo quanto nelle se contêm, o Approvamos, Ratificamos e Confirmamos, assim no todo como em cada hum dos seus artigos e estipulações, e pelo presente o Damos por firme e valioso para produzir o seu devido effeito, Promettendo em fé e palavra Imperial, Observa-lo e Cumpri-lo inviolavelmente, e Faze-lo cumprir e observar por qualquer modo que possa ser.

     Em testemunho e firmeza do que, Fizemos passar a presente Carta por Nós assignada, passada com o Sello grande das Armas do Imperio, e referendada pelo Nosso Ministro e Secretario d'Estado abaixo assignado.

     Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos oito dias do mez de Abril do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos cincoenta e seis.

PEDRO, Imperador Com Guarda.

José Maria da Silva Paranhos.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1856


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1856, Página 333 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)