Legislação Informatizada - Decreto nº 1.572, de 7 de Março de 1855 - Publicação Original
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Decreto nº 1.572, de 7 de Março de 1855
Declara como se devem regular os Presidentes dos Tribunaes e Juizes, para a suspensão correccional dos Escrivães ou Tabelliães, que perante elles servem.
Hei por bem, Usando da attribuição que Me confere o Artigo cento e dois paragrapho doze da Constituição, Tendo ouvido a Secção de Justiça do Conselho d'Estado, Decretar, que os Presidentes dos Tribunaes e Juizes, pelo que respeita á suspensão correccional dos Escrivães ou Tabelliães, que perante elles servem, se regulem, quanto ao tempo, forma, e casos della, pelas disposições do Decreto numero oitocentos e trinta e quatro de dois de Outubro de mil oitocentos cincoenta e hum, Artigo cincoenta, paragrapho terceiro, e Artigos seguintes.
José Thomaz Nabuco de Araujo, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Justiça, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em sete de Março de mil oitocentos cincoenta e cinco, trigesimo quarto da Independencia e do Imperio.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
José Thomaz Nabuco de Araujo.
CONSULTA DA SECÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO D'ESTADO, A QUE SE REFERE O DECRETO Nº 1.572 DE 7 DE MARÇO DE 1855
Senhor. - Mandou Vossa Magestade Imperial, por Aviso de 8 do corrente, remetter á Secção de Justiça do Conselho d'Estado o Officio do Presidente da Provincia da Bahia, datado de 11 do mez antecedente, sob nº 576, cobrindo o do Juiz de Direito da Comarca de Itapicurú, em que consultou se o Juiz Municipal e de Orphãos do Termo do mesmo nome tem a faculdade de suspender, por seis mezes, o Escrivão de Orphãos que com elle serve, bem como, por copia, a resposta que, de accordo com o parecer do Presidente interino da Relação respectiva, dera o mesmo Presidente da Bahia ao Juiz de Direito, a fim de que a referida Secção consulte com seu parecer sobre semelhante objecto.
A Consulta que ao Presidente da Provincia fez o Juiz de Direito da Comarca de Itapicurú, he a seguinte.
«IIIm. e Exm. Sr. - Vou submetter ao conhecimento e decisão de V. Ex. hum acto que acaba de praticar o Dr. Francisco Maria de Almeida, Juiz Municipal e d'Orphãos deste Termo, suspendendo por huma simples Portaria, e pelo longo espaço de seis mezes, ao Escrivão de Orphãos, Hygino Ferreira da Costa, fundando-se o mesmo Magistrado na Ord. do Lº 1º Tit. 20, que concerne especialmente ao Escrivão da Chancellaria da extincta Casa da Supplicação, he obsoleta, e caducou inteiramente com a extincção desse Tribunal no Brasil; e desejando por outro lado que em taes materias não percão os Juizes a força moral que devem exercer para com os seus Escrivãs, e mais Officiaes que perante elles servem, deixei por isso de, por emquanto, acceitar a queixa que o referido Escrivão deo perante mim do excesso e violencia com elle praticada pelo mencionado Juiz, preferindo antes para melhor disciplina do Fôro desta Comarca, que hum tal negocio venha decidido por V. Ex., cuja sabedoria e superior Autoridade por certo imprimirão nelle o preciso sello da imparcial justiça. Permitta V. Ex. que eu emitta aqui a minha humilde opinião á respeito da referida suspensão, que, segundo me parece, contêm em si hum verdadeiro excesso e abuso de Autoridade da parte do Dr. Juiz Municipal deste Termo. Não serei eu quem conteste o direito que tem qualquer Juiz de suspender correccionalmente os seus Escrivães, em certos e determinados casos; mas entendo que huma suspensão por seis mezes, fundada no § 46 da Ord. Lº 1º Tit. 79, contra hum simples Escrivão de Orphãos, que não he Tabellião, perde o caracter da pena correccional, e se reveste do de huma sentença criminal, que não póde ser dada senão procedendo processo, e audiencia do condemnado. Entendida a Ord. citada por outra fórma, então de nada valem nem a nossa Constituição Politica, nem a Legislação Criminal em vigor. Como privar, Exm. Sr., por espaço de seis mezes a hum Empregado, com Provisão vitalicia dada por Sua Magestade Imperial, dos emolumentos do seu officio de Escrivão? Não sera isso huma grave pena imposta á titulo de correcção, quando a merecel-a, devia o Escrivão ser processado convenientemente na fórma da Lei? Assim o entendo eu, contra o parecer do mencionado Juiz Municipal, e para evitar conflictos he que tenho a honra de pedir a V. Ex. os precisos esclarecimentos, tanto mais que qualquer resolução minha tendente a refreiar o caracter arbitrario de tal Magistrado he logo acoimada de despotismo e vingança de minha parte; - palavras que elle profere por toda a parte perante os povos de minha jurisdicção, não contente de as repetir muitas vezes em Officios seus, que me dirige. - Como Juiz superior da Comarca, se muito desejo manter a disciplina do Fôro, e a obediencia dos subalternos ás ordens legaes dos superiores, não he somenos o meu dever de propugnar pela innocencia contra a oppressão e arbitrio, quando felizmente possuimos Leis que não devem servir de mero capricho a seus executores. Por tão justa razão aguardo de V. Ex. a prompta decisão, como costuma, de hum negocio que affecta aos direitos sagrados de hum seu governado. - Deos Guarde a V. Ex. - Itapicurú, 20 de Outubro de 1854. - Illm. e Ex. Sr. Presidente da Provincia. - O Juiz de Direito da Comarca. João Antonio de Sampaio Vianna. - A esta Consulta deo o Presidente esta solução. - Em resposta ao Officio de 20 de Outubro passado, em que Vm. consulta se os Juizes de Orphãos pódem ou não suspender os respectivos Escrivães pelo tempo de seis mezes, como praticára o Juiz de Orphãos do Termo de Itapicurú dessa Comarca com o Escrivão Hygino Ferreira da Costa, tenho a dizer-lhe, de accordo com o Presidente da Relação, que não havendo Lei alguma que haja revogado a Ord. do Lº 1º Tit. 79 § 46, que dá huma tal attribuição aos Juizes, antes estando em seu inteiro vigor, como se deprehende da segunda parte do Artigo 310 do Codigo Criminal, não se póde negar aos Juizes de Orphãos e Municipaes essa faculdade que lhes he propria. Entretanto vendo-se da Portaria da suspensão contra o supracitado Escrivão, que o suspende para ser responsabilisado, e não sendo justo que alguem soffra duas penas pela mesma falta, deverá o Juiz limitar-se á imposição da pena correccional, ou instaurar logo o competente processo de responsabilidade. Cumpre outrosim observar que a faculdade dada aos Juizes pela citada Ord. não he hum direito discricionario, que no seu uso não encontre limite senão a vontade dos Juizes; ao contrario as faltas puniveis devem ser especificadas para fundamento do acto e emenda do culpado. - Deos Guarde a Vm. - Palacio do Governo da Bahia, 9 de Dezembro de 1854. - João Mauricio Wanderley. - Sr. Dr. Juiz de Direito da Comarca de ltapicurú. - Ouvido o Desembargador Procurador da Corôa, deo o seguinte parecer. - Encontro neste negocio huma serie de actos, a que não posso dar a minha approvação, porque os reputo illegaes. - O Juiz de Direito proponente, segundo confessa ingenuamente em sua representação ao Presidente da Provincia, não quiz acceitar por emquanto a queixa do Escrivão contra o Juiz Municipal e de Orphãos pelo haver suspenso, para, segundo diz, não fazer perder o mesmo Juiz Municipal a sua força moral, quando o seu imperioso dever era proceder nessa queixa immediatamente como a Lei manda, e pronunciar sobre ella, segundo entendesse de Direito, dando os recursos, que se interpusessem, para que nos respectivos Tribunaes de Jusitça se determinasse o que fosse justo, interpretando-se as Leis, conforme as regras de julgar, e a competencia dos mesmos Tribunaes. - Receiou tirar a força moral ao Juiz dos Orphãos, sacrificando a força Politica das Leis, que a perdem, logo que o executor he o primeiro a suspendel-as por motivos de conveniencia, e attenções de qualquer natureza. - Preferio consultar o Presidente da Provincia: outro erro indispensavel, porque os Presidentes não são assessores dos Juizes, nem podem dispensal-os de seus deveres, sob sua responsabilidade. - O Presidente que nenhuma ingerencia podia ter neste caso occorrente, sujeito exclusivamente ao Fôro Judicial, em lugar de repellir, como devia, similhante proposta, e advertir o Juiz, para desempenhar a sua obrigação, entendeo que devia ouvir o Presidente da Relação, ficando entretanto suspenso o Escrivão, e suspensa a queixa. - O Presidente da Relação entendeo, que a especie estava comprehendida no Artigo 310 do Codigo Criminal, por virtude do qual vigorava o § 46 da Ord. Liv. 1º Tit. 79, e que o Juiz Municipal usára de indescupavel direito, fulminando a suspensão de seis mezes, sem appellação nem aggravo. Fez-se, portanto, Juiz, sem competencia, julgando sobre a premissa, que não parecia liquida ao Juiz de Direito, e que déra lugar a addiar-se por emquanto a acceitação da queixa, por causa da força moral do Juiz querellado. - Tudo isto passou, sem que se julgasse dever ouvir-se o Juiz querellado, nem saber-se, que suspensão fora essa, qual o seu fundamento, quaes as causas: pelo menos nada disso consta dos papeis juntos. - O Presidente da Provincia, que, segundo se colhe da sua decisão, pôde obter huma certidão da Portaria da suspensão, revella ainda huma circunstancia notavel, e he, que nessa Portaria se declara, ser o Escrivão suspenso para ser responsabilisado competentemente; e por cumulo ás já apontadas irregularidades resolve, em conformidade com o Presidente da Relação, quanto á premissa; advertindo por accrescimo ao Juiz de Direito, que o Juiz Municipal devia escolher de duas huma, ou limitar-se á suspensão, como pena correccional, ou instaurar logo processo de responsabilidade, porque o Escrivão não póde sujeitar-se a duas penas pelos mesmos delictos. - Assim ao que parece terminou o negocicio da queixa do Escrivão. - Por este relatorio, que reputo exacto, á vista dos documentos juntos, resolverá o Governo Imperial sobre os factos occorridos como julgar em sua sabedoria e justiça. - Se me cumpre interpôr parecer sobre a disputada premissa, direi francamente, que estando a especie da Ord. citada comprehendida na illimitada disposição do Artigo 129, § 6º, e Artigo 154 do Codigo Criminal, não posso descobrir motivo algum plausivel, para que se considere subsistente o citado § 46 do Lº 1º Tit. 79 da Ord.; sendo para mim inadmissivel, por injuridica, a razão, á que recorre o Presidente da Relação, fundada na necessidade do - Jus cogendi. - Nem considero haver similhante necessidade á vista dos Artigos citados, e de outros do mesmo Codigo, nem, quando houvesse, seria isso fundamento legitimo, para dar-se por vigorosa huma disposição caduca e revogada.» -
A Secção conforma-se com o parecer do Desembargador Procurador da Corôa, tendo porêm de accrescentar algumas observações.
O Codigo Criminal do Imperio, publicado em principios de Janeiro de 1831 nullificou toda a Legislação Penal anterior, com as unicas e poucas excepções que fez, e dispôz no Artigo 310 o seguinte - «Todas as acções ou omissões, que, sendo criminosas por Leis anteriores, não são como taes consideradas no presente Codigo, não sujeitarão a pena alguma que já esteja imposta por sentença que se tenha tornado irrevogavel ou de que se não conceda revista.» - Exceptuando-se: - As acções ou omissões não declaradas neste Codigo, e que não são puramente criminaes, ás quaes pelos Regimentos das Autoridades e Leis sobre o processo, esteja imposta alguma multa, ou outra pena, por falta do cumprimento de algum dever ou obrigação. - He portanto evidente que todas aquellas acções e omissões, ás quaes o Codigo Penal impõe penas, não podem ser punidos pelos Juizes, ainda quando se trate de Officiaes de seus Juizos, com penas discricionarias, por bem da Ord. do Liv. 1º Tit. 79 § 46. Dos papeis presentes á Secção não se collige quacs fossem as acções ou omissões que derão lugar á suspensão do Escrivão dos Orphãos pelo Juiz Municipal e de Orphãos de ltapicurú, pelo tempo de seis mezes. - Se a acção ou omissão, de que foi arguido o Escrivão está comprehendida no Codigo penal, exorbitou manifestamente o Juiz Municipal, por quanto o mesmo facto não póde estar sujeito a duas penas, huma declarada na Lei, e outra arbitraria, que póde ser maior que aquella. - Em todo o caso o Juiz Municipal exorbitou, impondo a suspensão por seis mezes. - O Codigo Criminal em quasi todos os casos de falta de exacção no cumprimento dos deveres, impõe a pena de suspensão, de hum a nove mezes, de hum a tres annos, de hum a tres mezes, de quinze dias a tres mezes, &c. - He por tanto evidente que o Codigo Penal considera criminosa a acção ou omissão, a qual cabe, no minimo, a pena de quinze dias de suspensão -. Seria hum contrasenso dar ás Autoridades Judiciarias, em virtude de huma Legislação de 1603, que o Codigo Penal refundio em si, a faculdade de impôr por factos não qualificados na Lei, penas maiores, salvo porêm o caso em que alguma Lei ou Regulamento especial, especialmente a imponha. - A Secção entende que a faculdade dada pela Ord do Liv. 1º Tit. 79 § 46, se deve entender restricta e modificada pelo Codigo Penal, dando-se sómente á respeito de acções e omissões que não forem puramente criminaes, e não podendo os Juizes impôr senão huma suspensão por tempo menor que o minimo, que o Codigo Penal impõe geralmente nos casos de responsabilidade, salvos unicamente aquelles casos, em que huma Lei ou Regulamento especial autorise especialmente a fazer o contrario. - Vossa Magestade Imperial, porém, Mandará o que for mais acertado.
Sala das Conferencias da Secção de justiça do Conselho d'Estado em 29 de Janeiro de 1855.
Visconde de Urugay.
Visconde de Maranguape.
Marquez d'Abrantes.
Sendo o acto de suspensão, como das informações consta, decretado com a clauzula - de responsabilidade -, á duvida suscitada não he applicavel a Ordenação Livro 1º Tit. 79 § 46, que se refere á suspensão correccional, senão a Ordenação Lº 1º Tit. 100 § 1º, que regulava a suspensão preventiva, ou nos casos de responsabilidade; obrou irregularmente o Juiz de Orphãos, visto como esta Ordenação está revogada pela Legislação posterior, segundo a qual a suspensão preventiva, anterior á pronuncia, ou nos casos de responsabilidade, só pode ser decretada pelo Governo Imperial, ou pelos Presidentes nas Provincias, salvas as excepções expressas nas Leis.
Como parece á Secção, quanto á Ordenação Lº 1º Tit. 100 § 1º, ou suspensão correccional, regulando-se os Juizes pelo que respeita ao tempo e forma della pelo Decreto 834 de 2 de Outubro de 1851, Artigo 50 § 3º, e Artigos seguintes. - Paço 24 de Fevereiro de 1855.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
José Thomaz Nabuco de Araujo.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1855, Página 241 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)