Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 146, DE 2016 - Exposição de Motivos
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DECRETO LEGISLATIVO Nº 146, DE 2016
Aprova, nas condições que especifica, o texto da Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, bem como o do Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, concluídos na Haia, em 23 de novembro de 2007.
EMI nº 00036/2015 MRE MJ
Brasília, 2 de Fevereiro de 2015
Excelentíssima Senhora Presidenta da República,
Temos a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência, para posterior envio ao Congresso Nacional, o anexo Projeto de Mensagem, que encaminha o texto da Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, bem como o do Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, concluídos na Haia, em 23 de novembro de 2007, com vistas à assinatura e ratificação por parte do Brasil, em conformidade com seus Artigos 58 e 23, respectivamente. O Brasil participou ativamente, entre 2004 e 2007, do processo negociador de ambos os instrumentos, finalizados na Vigésima-primeira Sessão Diplomática da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado.
2. Os instrumentos em apreço dão continuidade a aspectos da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. A Convenção ora submetida busca assegurar a eficácia da cobrança internacional de alimentos, por meio do estabelecimento de um sistema abrangente de cooperação entre as autoridades dos Estados-Partes, de forma a garantir o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de alimentos e permitir a possibilidade de obtenção ou modificação de decisões. Por sua vez, o Protocolo, ao tempo em que a complementa e suplementa, é um instrumento autônomo, aberto à ratificação e à acessão de qualquer Estado, signatário ou não da Convenção. O âmbito de aplicação do Protocolo é mais abrangente do que aquele da Convenção, determinando a lei aplicável às obrigações alimentares oriundas de qualquer relacionamento familiar, incluindo as relações parentais, maritais e por afinidade.
3. Em conjunto, a Convenção e o Protocolo visam a operacionalizar a prestação de alimentos em ambiente caracterizado pela intensificação das relações entre pessoas de países com os mais diversos ordenamentos jurídicos. Como desdobramento dessa maior interação, crescente número de demandas apresenta-se aos judiciários domésticos. Nesse ambiente, a prestação jurisdicional pode ser retardada pelo fato de o andamento processual depender de diligências a serem empreendidas no exterior, bem como de a execução, no exterior, da decisão proferida encontrar obstáculos financeiros, linguísticos e jurídicos. A situação em consideração toma contornos mais graves quando se leva em consideração o fato de que as verbas pretendidas nas ações de alimentos possuem caráter de subsistência e são destinadas às despesas elementares do indivíduo, como alimentação, vestuário, saúde, educação.
4. Em razão disso, e considerando a insuficiência dos normativos internacionais hoje existentes para lidar com a matéria de alimentos, tanto a Convenção como o Protocolo surgem como documentos modernos, que incorporam várias metodologias de sucesso já testadas em outras Convenções e que se concentram em questões cuja experiência demonstra necessitarem aperfeiçoamento.
5. O âmbito de aplicação da Convenção está definido em seu Artigo 2°, que dispõe que a Convenção se aplica às obrigações de prestar alimentos derivadas de uma relação de filiação, em favor de uma pessoa menor de 21 anos (Artigo 2°, §1, alínea 'a'), independentemente da situação conjugal de seus pais. O mesmo Artigo traz a possibilidade de restringir, mediante reserva, a aplicação da Convenção ao menor de 18 anos, ou aumentá-la, mediante declaração, a outras obrigações alimentícias derivadas de relações de parentesco em linha colateral, parentesco em linha reta, casamento ou afinidade, incluindo, especialmente, as obrigações relativas a pessoas vulneráveis. Essa flexibilidade possibilita o atendimento de grande parte do público demandante por alimentos, tendo sido incluída no texto da Convenção graças à posição dos países latino-americanos, com papel importante do Brasil.
6. De forma a alcançar o objetivo a que se propõe na cobrança internacional de alimentos, a Convenção adota a bem sucedida experiência das Autoridades Centrais, estabelecendo funções de coordenação do trabalho necessário para a implementação do instrumento normativo, e traz regras claras acerca do tratamento que deve ser dispensado aos pedidos de cooperação que necessitem de assistência jurídica gratuita (Artigos 14 a 17), de modo a permitir o real acesso à justiça, tendo em conta os custos envolvidos para o acesso à justiça estrangeira.
7. Vale ressaltar ainda dois pontos quanto aos pedidos de cooperação envolvendo reconhecimento e execução de decisões, tratados nos capítulos V e VI. Primeiro, a Convenção explicita o significado do termo 'decisão' (Artigo 19), esclarecendo que o mesmo abrange decisões adotadas por autoridade judicial ou administrativa, além de acordos ou transações por elas homologados. Também aqui a Convenção traz flexibilidade ao possibilitar que os Estados ampliem o conceito de decisão, incluindo o 'acordo em matéria de alimentos', tratado no Artigo 30, e definido no Artigo 3º, alínea 'e'. Essa última flexibilidade refere-se ao acordo de caráter privado registrado, por exemplo, perante autoridade cartorária, ponto que se torna problemático frente ao direito brasileiro, quando envolve menores, maiores incapazes e idosos.
8. E, como segundo ponto a destacar, o instrumento em apreço apresenta disposições mais detalhadas quanto à execução dos pedidos. Além da regra geral de que a execução será realizada de acordo com a lei do Estado requerido (Artigo 32, §1), a Convenção traz, em seu Artigo 34, §2, possíveis medidas que os Estados signatários são encorajados a adotar, tais como a retenção do salário, o bloqueio de contas bancárias, a alienação forçada de bens, a informação aos organismos de crédito, dentre outras.
9. Por se basear no espírito de compatibilidade de seus dispositivos com outras normas de origem nacional, a Convenção adota, conforme seus Artigos 62 e 63, a possibilidade do Estado signatário efetuar Reservas e Declarações. Nesse sentido, seria conveniente que, no caso de assinatura e ratificação do Brasil, sejam apresentadas as seguintes reservas e declarações:
Reserva ao Artigo 20, §1, alínea 'e': O Brasil não reconhece nem executa decisão em que as partes tiverem acordado por escrito a competência quando o litígio envolver, além de crianças, obrigações de prestar alimentos para pessoas consideradas maiores incapazes e idosos, categorias definidas pela legislação brasileira e que serão especificadas conforme disposto no artigo 57.
Reserva ao Artigo 30, §8: O Brasil não reconhece nem executa um acordo em matéria de alimentos que traga disposições a respeito de pessoas menores, maiores incapazes e idosos, categorias definidas pela legislação brasileira e que serão especificadas conforme disposto no artigo 57 da Convenção.
Declaração com relação ao Artigo 2º, §3º: O Brasil amplia a aplicação de toda a Convenção, ressalvadas eventuais reservas, a obrigações de prestar alimentos derivadas de relação de parentesco em linha colateral, parentesco em linha reta, casamento ou afinidade, incluindo, especialmente, as obrigações relativas a pessoas vulneráveis.
10. Por sua vez, o Protocolo promove soluções favoráveis à prestação de alimentos, facilitando o estabelecimento de decisões relativas ao pagamento de pensões alimentícias que envolvam circunstâncias transnacionais. O Protocolo consagra o princípio da residência habitual do beneficiário como principal fator de conexão e o estende para a prestação de alimentos entre esposos e ex-esposos. Vale ressaltar que o país pode deixar de aplicar o Protocolo quando seus efeitos forem manifestamente contrários à ordem pública, conforme disposto em seu Artigo 13.
11. Importa lembrar, por fim, que o incentivo à ratificação ou adesão à Convenção sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família foi proposta pelo Brasil e incluída no Documento Final de Conclusões e Recomendações das VII e VIII Reuniões de Ministros da Justiça ou Outros Ministros ou Procuradores-Gerais das Américas (REMJA), ocorridas em abril de 2008 e fevereiro de 2010, respectivamente.
12. À luz do exposto e com vistas ao encaminhamento do assunto à apreciação do Congresso Nacional, em conformidade com o Art. 84, inciso VIII, combinado com o Art. 49, inciso I, da Constituição Federal, submetemos a Vossa Excelência o anexo projeto de Mensagem, acompanhado de versão em português da Convenção e do Protocolo.
Respeitosamente,
Assinado eletronicamente por: José Eduardo Martins Cardozo, Mauro Luiz Iecker Vieira
- Diário do Senado Federal - 24/11/2016, Página 146 (Exposição de Motivos)