Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 144, DE 2002 - Exposição de Motivos
Veja também:
DECRETO LEGISLATIVO Nº 144, DE 2002
Aprova o texto do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, aberto a assinaturas na cidade de Quioto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
EM INTERMINISTERIAL N° 00039/MRE - MCT
Brasília, 7 de fevereiro de 2002
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Temos a honra de encaminhar a Vossa Excelência, em anexo, o texto em português do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, aberto à assinatura na cidade de Quioto, Japão, em 11 de dezembro de 1997.
2. Como sabe Vossa Excelência, foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima aprovada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a Conferência do Rio -, em 1992. A Convenção destina-se a alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, tendo por referência o ano base de 1990, num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático do planeta, que se traduzirá no aquecimento da Terra.
3. O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, consagrado na Convenção, reconhece as diferenças parcelas de responsabilidade dos países, de acordo com seu grau de desenvolvimento histórico, na promoção do aquecimento global. Com base nesse princípio, estabelece a Convenção diferentes categorias de compromissos. Em relação aos países em desenvolvimento, assevera que "o grau de efetivo cumprimento dos compromissos assumidos" por esse grupo de países "dependerá do efetivo cumprimento dos compromissos assumidos pelas Partes países desenvolvidos, no que se refere a recursos financeiros e transferências de tecnologia ". Ademais, afirma a Convenção, em seu artigo 4.7, que " o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas das Partes em desenvolvimento".
4. Diante da comprovação de que as emissões dos países industrializados vinham crescendo à revelia dos compromissos assumidos na Convenção, a I Conferência das Partes da Convenção (realizada em Berlim, em 1995) reconheceu a necessidade de estabelecimento de metas quantitativas e compulsórias de redução de emissões para esse grupo de países, para viabilizar a redução de suas emissões aos níveis de 1990. Por meio das diretrizes estabelecidas no Mandato de Berlim, iniciou-se um processo negociador que visava a adoção, na III Conferência das Partes da Convenção de um protocolo com compromissos mais claros e profundos para o grupo de países desenvolvidos e aqueles com economia em transição- que integram o Anexo I da Convenção.
5. O Protocolo de Quioto foi aprovado na III Conferência das Partes da Convenção, realizada em Quioto, em 1997. O Protocolo adotou meta geral de redução de emissão de gases de efeito estufa de 5,2% (ano base 1990) para o conjunto dos países do Anexo I. Tal meta é global e deverá ser atingida no período de 2008 a 2012, chamado primeiro período de cumprimento. Percentuais individuais foram alocados aos diferentes países. Aos membros da União Européia foi atribuída a meta conjunta de redução de 8%, enquanto os Estados Unidos deverão reduzir suas emissões em 7% em relação a 1990.
6. O Brasil teve um papel ativo no delineamento da estrutura do Protocolo de Quioto, tendo apresentado propostas concretas para a determinação das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Nesse quadro, cabe referência à chamada "Proposta brasileira" para determinação das metas de redução de emissões com base na responsabilidade histórica de cada país pelo aumento da temperatura do planeta, a qual se tornou item permanente da agenda do Órgão Subsidiário de Aconselhamento Técnico e Científico da Convenção e figura como referência para as negociações sobre compromissos para o segundo período de cumprimento, que deverão iniciar-se em 2005 (de acordo com o artigo 3.9 do Protocolo). Ademais, a proposta brasileira para a criação de um Fundo de Desenvolvimento Limpo, para o qual os países inadimplentes - isto é, que tivessem extrapolado o seu limite de emissões - contribuiriam com o pagamento de uma taxa em valores monetários equivalentes às toneladas de carbono em excesso evoluiu para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo, de grande importância para os países em desenvolvimento.
7. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é o único dos mecanismos de flexibilidade do Protocolo de Quioto que permite a participação de países em desenvolvimento - os demais, comércio de emissões e implementação conjunta, são privativos dos países que integram o Anexo I. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, por um lado, ajudará os países em desenvolvimento a alcançar o desenvolvimento sustentável e a contribuir para a consecução do objetivo último da Convenção, isto é a estabilização das concentrações dos gases de efeito estufa; por outro, auxiliará os países do Anexo I a cumprirem parte de suas obrigações de redução de emissões de gases de efeito estufa. Pelo Mecanismo, os países em desenvolvimento poderão beneficiar-se de projetos que resultarem de "reduções de emissões certificadas", as quais poderão ser utilizadas pelos países do Anexo I com vistas ao cumprimento de suas metas de redução de emissões.
8. O Protocolo de Quioto não prevê compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa para os países em desenvolvimento. Confirma, portanto, o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ao reservar aos países em desenvolvimento o direito de alcançar o seu desenvolvimento sustentável, isentando-os da adoção de metas compulsórias de redução de emissões de gases de efeito estufa. O Brasil e o Grupo dos 77 e China têm objetado, nos termos da Convenção e do Protocolo, as tentativas de se atribuir tais compromissos de redução aos países em desenvolvimento. Cabe notar que as emissões per capita nos países em desenvolvimento ainda são relativamente baixas e que a Convenção reconhece que esses países terão de aumentar suas emissões para atingir seus objetivos de desenvolvimento. No entendimento do Brasil, a plena implementação pelos países do Anexo I dos compromissos contidos no Protocolo é, assim, a prioridade absoluta antes de quaisquer discussões sobre compromissos vinculantes para os países em desenvolvimento.
9. Embora adotado em Quioto, muitos dos pormenores operacionais do Protocolo restaram indefinidos e tiveram sua negociação transferida para as Conferências das Partes e os Órgãos Subsidiários da Convenção. Diante do argumento dos países membros do Anexo I quanto à necessidade de se ter uma clara regulamentação desses aspectos antes de ratificarem o Protocolo, acordou-se, por ocasião da IV Conferência das Partes da Convenção (Buenos Aires, novembro de 1998), um programa de trabalho, até o ano 2000, destinado a avançar a implementação da Convenção e, paralelamente, precisar as questões operacionais do Protocolo de Quioto. Referia-se o Plano de Ação de Buenos Aires a um conjunto de decisões sobre a regulamentação dos principais temas da Convenção e do Protocolo de Quioto, entre os quais salientam-se:
i) a regulamentação dos mecanismos de flexibilidade do Protocolo de Quioto - particularmente do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo;
ii) as negociações sobre uso da terra, mudança do uso da terra e florestas (conhecida por LULUCF, das iniciais em inglês) e o papel que deverão cumprir nos esforços para a mitigação do efeito estufa,
iii) o regime de cumprimento do Protocolo;
iv) as medidas de adaptação à mudança do clima (relacionadas à vulnerabilidade dos países);
v) meios e modos para transferência de tecnologia; e
vi) provisão de recursos financeiros. Em linhas gerais, o principal objetivo do Plano de Ação de Buenos Aires era definir a regulamentação dos mecanismos estabelecidos pelo Protocolo de Quioto, com destaque para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, bem como o regime de cumprimento do Protocolo - itens essenciais para permitir a ratificação do instrumento, particularmente pelos países do Anexo I. Recorde-se que, para o Protocolo entre em vigor, e necessária a ratificação de países do Anexo I responsáveis por 55% das emissões de dióxido de carbono referentes ao ano base de 1990. A essa condição soma-se a de que, pelo menos, 55 Partes signatárias ratifiquem o Protocolo.
10. As negociações havidas na VI Conferência das Partes da Convenção (Haia, novembro de 2000) não lograram finalizar as decisões referentes ao Plano de Ação de Buenos Aires. Entre os fatores que concorreram para a falta de resultados positivos, destaca-se a rigidez de posições apresentadas por algumas Partes - particularmente os Estados Unidos, que buscavam a maior flexibilização possível ao uso dos mecanismos do Protocolo e às atividades de LULUCF, reduzindo o custo interno destinado às medidas para redução de emissões - assim como a metodologia de trabalho adotada para a Conferência, que, ao misturar a negociação política com a negociação técnica, não conduziu à formulação de um documento final que consolidasse os acordos entre as Partes. Numa tentativa de se conceder maios tempo às negociações - e evitar que se configurasse o fracasso da comunidade internacional em finalizar a implementação do Plano de Ação de Buenos Aires -, decidiu-se por suspender a VI Conferência das Partes, posteriormente retomada em julho de 2001, em Bonn.
11. Na VI Sessão, reconvocada, as Partes lograram adotar o chamado Acordo de Bonn, que constituiu um entendimento político sobre as soluções de consenso a respeito dos tema mais controversos das negociações. Com isso, a Conferência de Bonn representou um passo vigoroso em direção à ratificação do Protocolo de Quioto. Foram finalizadas as negociações sobre os temas de interesse mais imediato dos países em desenvolvimento, como financiamento, medidas de adaptação e vulnerabilidade, transferência de tecnologia e capacitação. Houve um compromisso na quase totalidade das questões relativas a LULUCF, com exceção de uma ainda necessária adequada da metodologia para definição da percentagem de carbono absorvido por essas atividades que poderia ser contabilizada, por um determinado país, para a avaliação do cumprimento das metas de redução das emissões. As negociações sobre mecanismos avançaram significativamente, mas ainda demandavam tempo adicional, em razão do grande volume e complexidade técnica dos diversos pontos. O principal impasse, no entanto, revelou-se na negociação sobre o regime de cumprimento do Protocolo, ante as reservas de alguns países, como Austrália, Canadá, Japão e Rússia, à determinação pela decisão da Conferência das Partes do caráter obrigatório das conseqüências a serem aplicadas aos países que não cumprirem as obrigações que assumiram ao retificar o Protocolo de Quioto, especialmente no que tange às metas de redução de suas emissões.
12. O grande mérito do Acordo de Bonn foi o haver alterado a equação política que caracterizava as negociações sobre mudança do clima, sobretudo desde a Conferência da Haia. Representou o Acordo um impulso alentador no processo de regulamentação, com vistas à ratificação, do Protocolo de Quioto. Esse resultado acrescia-se de significado diante da decisão dos Estados Unidos de não ratificar o Protocolo de Quioto.
13. A VII Conferência das Partes da Convenção, realizada em Marraqueche, de 31 de outubro a 9 de novembro de 2001, logrou finalizar as negociações dos itens presentes no Plano de Ação de Buenos Aires, na linha do acordo político alcançado em Bonn. Em Marraqueche, finalizaram-se as negociações sobre os mecanismos de flexibilidade e sobre o regime de cumprimento do Protocolo de Quioto.
14. Embora tenha sido apontado como o tema mais controverso de Marraqueche, o regime de cumprimento do Protocolo teve suas negociações técnicas finalizadas anteriormente ao início do segmento de alto nível da Conferência, o que foi recebido com o amplo e justificável entusiasmos. Como acordado, o regime de cumprimento pode ser considerado o mais inovador entre as convenções multilaterais ambientais. Isso porque proporciona um sofisticado arranjo que prevê um elenco de conseqüências para o não cumprimento das metas de redução de emissões assumidas à luz do Protocolo, deixando, entretanto, a decisão sobre sua natureza jurídica para a I Reunião das Partes do Protocolo, após sua entrada em vigor. Ademais, ao estabelecer que a elegibilidade de uma Parte em particular dos mecanismos de flexibilidade depende da sua aceitação do regime de cumprimento, criou-se um forte incentivo para que as Partes venham a endossar, por ocasião da I Reunião das Partes do Protocolo, o regime negociado na VII Conferência das Partes. Vale notar que, na hipótese de aceitação por todos os países de conseqüências juridicamente obrigatórias, o texto acordado em Marraquete será transformado em emenda ao Protocolo, conforme reza o artigo 18 do mesmo.
15. As negociações sobre os mecanismos de flexibilidade foram finalizadas de forma igualmente positiva. Preservou-se a integridade ambiental do Protocolo, ao atingir-se a justa medida entre a necessidade de conferir flexibilidade ao uso dos mecanismos pelos países do Anexo I e, ao mesmo tempo, controlar as atividades a serem creditadas, de forma a garantir que proporcionem redução real e mensurável das emissões de gases de efeito estufa. Ademais, prevaleceu o entendimento brasileiro de que a quantidade atribuída é um valor fixo. Assim, as contabilizações das operações no âmbito dos mecanismos de flexibilidade servem apenas para verificação do cumprimento das obrigações das Partes no primeiro período de cumprimento; esse cálculo não interfere na determinação das quantidades atribuídas a serem fixadas para o segundo período de cumprimento. De forma a permitir a entrada imediata em operação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, foi empossada a Junta Executiva do Mecanismo, com vinte membros, instância responsável pela aprovação de todo o ciclo de projetos MDL. O Brasil foi eleito, por unanimidade, representante do Grupo da América Latina e Caribe na Junta Executiva.
16. O Grupo dos 77 e a China e a União Européia foram identificados, por especialistas, como os maiores ganhadores em Marraqueche. Não por acaso, foram estes dois grupos os mentores do processo que culminou na adoção do Acordo de Marraqueche. O Brasil, por sua vez, teve atuação destacada nas negociações, tendo coordenado o grupo sobre a modalidade de adoção do regime de cumprimento do Protocolo, tema dos mais controversos, bem como o grupo informal sobre mecanismos.
17. As decisões adotadas por consenso em Marraqueche possibilitarão um vigoroso impulso no processo de ratificação do Protocolo de Quioto, particularmente pelos países membros do Anexo I, tendo como cenário o ano de 2002, quando serão celebrados dez anos da Conferência do Rio. O Protocolo de Quioto constitui o melhor instrumento disponível para encaminhar, de maneira equilibrada, a problemática da mudança do clima, em especial no que tange aos interesses do Brasil e dos países em desenvolvimento. Ademais, pode-se argumentar que o valor do Protocolo advém são só do seu real impacto na redução das emissões de gases de efeito estufa, mas por servir como um testemunho do sucesso da concertação multilateral de ações globais de combate à mudança do clima.
18. O papel de liderança assumido pelo Brasil nas negociações sobre mudanças do clima, na linha das instruções de Vossa Excelência, desperta, aos olhos da comunidade internacional e da sociedade brasileira, a expectativa de que o País acompanhe os esforços internacionais para garantir a entrada em vigor do Protocolo por ocasião da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a realizar-se em Joanesburgo, em 2002. Ademais, o Brasil ocupa posição peculiar no processo de estruturação interna para implementação da Convenção e do Protocolo, com a criação, em 1996, da Comissão Interministerial para Mudança do Clima, presidida pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, o que confere credencial adicional ao País na liderança do processo de ratificação do Protocolo. Cabe referir-se, ainda, às gestões realizadas pelas Embaixadas em Pequim e Nova Delhi com vistas a coordenar o processo de ratificação com a China e a Índia, fortalecendo o momento político alcançado com a conclusão da regulamentação do Protocolo. Assim, os três principais países em desenvolvimento reafirmariam seu compromisso com as disposições de Quioto e do regime internacional de mudança do clima como um todo.
19. O exposto acima, aliado ao potencial de mobilização de recursos à luz do Protocolo de Quioto - em particular, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - e o interesse que o tema de mudança do clima desperta na sociedade brasileira, aconselham o pronto início do processo de ratificação do Protocolo pelo Brasil, com vistas a que o respectivo instrumento seja depositado junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas antes da Conferência de Joanesburgo. Com isso, o Brasil demonstraria inequivocamente que pretende continuar a exercer sua liderança nas temáticas ambientais globais, a exemplo da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro. Ademais, cumpriria o País com os preceitos constitucionais expressos no artigo 225 da Constituição Federal, assumindo seu compromisso ético com as futuras gerações ao comprometer-se, definitivamente, com os esforços internacionais para prevenção da mudança do clima, tema global por excelência.
20. À luz do exposto, temos a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Mensagem ao Congresso Nacional, para encaminhamento do texto do aludido Protocolo à apreciação do Poder Legislativo.
Respeitosamente,
CELSO LAFER Ministro de Estado das Relações Exteriores |
RONALDO MOTA SARDENBERG Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia |
(À Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.)
- Diário do Senado Federal - 1/5/2002, Página 06778 (Exposição de Motivos)