Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 65, DE 1998 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 65, DE 1998

Aprova o texto (*) do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares, concluído em 1º de julho de 1968, com vistas à adesão pelo Governo Brasileiro.

EM INTERMINISTERIAL nº 252 / MJ/MM/MEx/MAEr/EMFA/CC-PR/SAE-PR

Brasília, 20 de junho de 1997.

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     Temos a honra de submeter a Vossa Excelência projeto de Mensagem que encaminha ao Congresso Nacional o Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), aberto a assinaturas em primeiro de julho de 1968 e em vigor desde 5 de março de 1970.

     2. O TNP tem sido a peça central do regime de não-proliferação de armas nucleares e foi ele o responsável por não se terem materializado as previsões que se faziam nos anos sessenta de que, em período de tempo relativamente curto, o mundo teria de conviver com vinte ou mais países dotados de armas nucleares. Nesse cenário sombrio, as possibilidades de que eclodissem um ou mais conflitos nucleares seriam extramamente elevadas. O fato de que essas previsões não se materializaram é prova de que o TNP, apesar de suas possíveis imperfeições, é um tratado eficiente, ao ter tomado o mundo um ambiente mais seguro do que ele poderia ter sido.

     3. O TNP, entretanto, sempre foi objeto de críticas. A principal delas tinha a ver com o fato de que ele criava uma ordem internacional em que se reconhecia a cinco países (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética, sucedida pela Federação Russa), o direito de possuírem armas nucleares, enquanto negava esse direito aos demais. Outra crítica importante que se fazia era a de que as potências nuclearmente armadas não assumiam um compromisso claro e inequívoco com a destruição de seus arsenais. Comprometiam-se apenas a iniciar negociações de boa fé, sem especificação do prazo, com vistas ao desarmamento nuclear e a um tratado de desarmamento geral e completo.

     4. Significativo é p fato de que essas críticas provinham não apenas dos países que se recusavam a obrigar-se ao tratado, mas também daqueles que dele se haviam tomado partes e que preferiam tentar combater, o caráter essencialmente discriminatório do tratado no âmbito dos mecanismos de avaliação criados por ele próprio - as Conferências de Revisão, ocorridas de cinco em cinco anos. No período da Guerra Fria, tais conferências foram marcadas por extensas e acirradas confrontações entre as potências nucleares, de um lado, e, de outro, os demais membros, que delas reclamavam um compromisso mais concreto com a destruição de seus arsenais.

     5. O Brasil se encontrava entre os países que preferiram colocar ênfase nas deficiências intrínsecas do TNP sem a ele aderir. Tratava-se de uma posição de princípio da diplomacia brasileira, que durante muitos anos foi plenamente justificada e, mais que isso, internacionalmente aceita por grande número de nossos parceiros.

     6. O dispositivo da Constituição Federal que proíbe a utilização da energia nuclear para fins que não sejam exclusivamente pacíficos tornou, para todos os efeitos, a oposição ao TNP uma postura de defesa de princípio.

     7. O Brasil abriu não, definitivamente, da posse do armamento nuclear por meio de compromissos internacionais juridicamente vinculantes. O primeiro deles foi o Acordo concluído entre o Brasil e a Argentina para os Usos Exclusivamente Pacíficos da Energia Nuclear, de 1991, que criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) e pelo qual nacionais brasileiros realizam inspeções em instalações nucleares argentinas e vice-versa. O segundo foi o Acordo Quadripartite, concluído em 1991 e em vigor desde março de 1994, entre o Brasil, a Argentina, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a ABACC, pelo qual a AIEA, conjuntamente com a ABACC, aplica salvaguardas sobre todo o material nuclear no território dos dois países, de modo a assegurar que não há desvio para fins proscritos, ou seja, a fabricação de explosivos. O terceiro foi o Tratado de Tlatelolco, de 1967, que criou uma Zona Livre de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe e que só entrou para o Brasil em maio de 1994, após a aprovação de emendas.

     8. Todos esses compromissos representam garantias inequívocas de que o Brasil não utilizará a energia atômica para fins que não sejam exclusivamente pacíficos. A adesão ao TNP; portanto, viria somar-se a um conjunto de compromissos. Uma série de fatores adicionais recomendam a adesão também como um ato de estratégia político-diplomática, que vai além da simples reiteração desses compromissos para permitir-nos participar mais intensamente dos esforços pelo desarmamento e a não-proliferação.

     9. O fato é que hoje a manutenção de nossa posição tradicional de oposição ao TNP constitui mais um ônus político que um benefício, sob qualquer aspecto que se considere. O TNP hoje em dia conta com 185 Estados Partes, exatamente o mesmo número de países que são membros das Nações Unidas. Trata-se do mais universal dos tratados internacionais, em qualquer área que se queira considerar. O Brasil encontra-se, portanto, numa situação de isolamento, que não é compreendida por nossos parceiros tradicionais. Vários de nossos vizinhos da América do Sul têm posições de princípio similares, que não abandonaram pelo simples fato de terem ingressado no TNP. Ao contrário, manifestam essas posições de forma mais eficaz no contexto político contemporâneo.

     10. Além do Brasil, os únicos países com alguma atividade nuclear que não aderiram ao TNP são Índia, Paquistão e Israel, os chamados "Estados no limiar" e que são considerados detentores de fato de armamento atômico, e Cuba. Os três primeiros têm um entorno regional extremamente conflituoso e Cuba se confronta com uma superpotência. Neste grupo, o Brasil está relegado a situação singular e paradoxal.

     11. Essa perspectiva enfraquece, do ponto de vista político, a manutenção da posição do Brasil. A comunidade internacional optou em sua quase unanimidade pela defesa do aperfeiçoamento do regime consagrado no TNP a partir de dentro do Tratado. A ausência de um país com o peso e a inserção política do Brasil pode ser e tem sido interpretada, mesmo que erradamente, como solidariedade aos países no limiar, dando-lhes de certa forma coberta política. Interpretação desse viés prejudicam o perfil que o Brasil quer e tem conseguido projetar no cenário internacional.

     12. O reconhecimento jurídico de uma realidade de poder não implica submissão acrítica e deve ser baseada na percepção de que o aperfeiçoamento do regime de não-proliferação requer mais que nunca uma postura de apoio crítico, com ênfase num discurso de deslegitimização das armas nucleares, num mundo em que elas se tornam cada vez menos necessárias. A auto-exclusão indefinida levaria a resultados estéreis para a política exterior do Brasil. Ao contrário, optando por influenciar as ações do regime como membro pleno, fortalecerá a posição daqueles que escolheram promover o desarmamento nuclear trabalhando dentro do contexto do TNP - a quase totalidade da comunidade internacional.

     13. A evolução do quadro internacional nos últimos anos, quando se quebraram as amarras político-estratégicas que valorizaram o período de enfrentamento Leste/Oeste, conferiu ao regime de não-proliferação consagrado no TNP uma nova relevância. O fato é que, pela primeira vez, com os Acordos START I e START II, estão sendo e continuarão a ser desmantelados aos arsenais nucleares da Rússia e dos Estados Unidos. Ainda não há previsão quanto à eliminação total desses arsenais, nem dos das demais potências nucleares; mas esse objetivo já é mais realista e possível hoje em dia.

     14. Da mesma forma, o término da Guerra Fria possibilitou a adoção, em 1996, do Tratado para a Proibição Completa dos Testes Nucleares, conhecido por suas iniciais em língua inglesa - CTBT. O fim dos testes nucleares sempre foi uma aspiração de países que, como o Brasil, propugnavam o fim da corrida armamentista. O CTBT assume uma importância histórica extraordinária ao impedir o aprimoramento das armas nucleares de modo a torná-las mais letais ou mais versáteis. O fim dos testes nucleares corresponderia ao fim da corrida armamentista no seu aspecto qualitativo. Por outro lado, os Acordos START i e START II correspondem à reversão da corrida armamentista no seu aspecto quantitativo.

     15.  Vivemos uma situação que, embora longe da ideal, mostra avanços consideráveis na área de desarmamento nuclear, muito diferente do imobilismo que caracterizou a Guerra Fria e que justificou a nossa auto-exclusão do TNP. Cabe ao Brasil estimular os esforços já feitos e reivindicar com vigor a consecução do objetivo final da eliminação das armas nucleares, a que se obrigaram as potências nuclearmente armadas pelo preâmbulo e pelo artigo VI do TNP. Esse papel o Brasil desempenhará com muito amor credibilidade e eficácia se participar integralmente dos mecanismos de avaliação do Tratado, fortalecidos pela Conferência de 1995, que estendeu indefinidamente a sua vigência. Crescentemente, portanto, as discussões sobre desarmamento nuclear deverão concentrar-se nesses mecanismos, e não tanto na Assembléia Geral das Nações Unidas ou na Conferência do Desarmamento. Afinal desarmamento e não proliferação são as duas faces da mesma moeda. Os mecanismos do TNP são os únicos capazes de tratar de ambos os temas de forma integrada. O Brasil não pode estar alheio ou excluído desse processo, nem abrir mão de trabalhar para que o artigo IV, que trata de cooperação para usos pacíficos de energia nuclear, seja convenientemente aplicado.

     16. A adesão do Brasil ao TNP não acarretará nenhum esforço de inspeções adicionais no Brasil. O Acordo Quadripartie entre a AIEA, a ABACC, o Brasil e a Argentina é um típico instrumento de salvaguardas abrangentes, igual em todos os seus aspectos aos acordos que qualquer Estado Parte do TNP é obrigado a concluir. Prova disso é que a Argentina, que aderiu ao TNP em 1995, não precisou concluir nenhum outro acordo de salvaguardas com a AIEA, pois o Quadriparte atende integralmente aos requisitos do TNP.

     17. O que se coloca é uma questão essencialmente política, que se define por uma opção entre, por um lado, a participação mais influente e credenciada do Brasil nos esforços internacionais pelo desarmamento e não-proliferação e, por outro lado, a auto-exclusão, o isolamento e o imobilismo.

     18. À luz do exposto, temos a honra de submeter a Vossa Excelência o anexo Projeto de Mensagem ao Congresso Nacional, no qual se propõe a adesão do Brasil ao Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares, cujo texto, traduzido para o português, encontra-se anexo ao referido Projeto.

     Respeitosamente.

___________________________
IRIS RESENDE MACHADO
Ministro de Estado da Justiça


____________________________
MAURO CESAR RODRIGUES PEREIRA
Ministro de Estado da Marinha

_______________________________
ZENILDO GONZAGA ZOROASTRO DE LUCENA
Ministro de Estado do Exército

____________________________
LUIZ FELIPE LAMPREIA
Ministro de Estado das Relações Exteriores

______________________________
LELIO VIANA LOBO
Ministro de Estado da Aeronáutica



_______________________________
BENEDITO ONOFRE BEZERRA LEONEL
Ministro de Estado Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas

_________________________
CLÓVIS DE BARROS CARVALHO
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República

_______________________________
ALBERTO MENDES CARDOSO
Chefe da Casa Militar da Presidência da República

___________________________
RONALDO MOTA SARDENBERG
Secretario de Assuntos Estrangeiros da Presidência da República

 

(Á Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.)


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Senado Federal de 02/07/1998


Publicação:
  • Diário do Senado Federal - 2/7/1998, Página 11762 (Exposição de Motivos)