Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 60, DE 1996 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 60, DE 1996

Aprova o texto da Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Adoção de Menores, celebrada em La Paz, em 24 de maio de 1984.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 385/CJ-MRE, de 8 de outubro de 1992,
do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores.

     Excelentíssimo Senhor Vice-presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República,

     Elevo á consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de Mensagem pela qual se submete ao referendo do Congresso Nacional o texto da Convenção Interamericana sobre conflitos de Leis em Matéria de Adoção de Menores, celebrado em La Paz em 24 de maio de 1984, na III Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP-III), com base em projeto elaborado ela Comissão Jurídica Interamericana.

     2. O referido instrumento foi assinado, naquela data ou em datas posteriores, por dez países latino-americanos, entre eles o Brasil. Retificado por dois, entrou em vigor intencionalmente em 26.5.88, nos termos de seu artigo 26. O Governo brasileiro, não havia iniciado, até hoje, os trâmites necessários à sua ratificação.

     3. A época da adoção do Código Bustamante, em 1928, em Havana, quando as buscou, no Continente Americano, dar uniformidade às regras de direito internacional privado, o instituto da adoção ficou regulado no Capítulo VIII, arts. 73 a 77, estabelecendo-se a lei pessoal dos interessados para regência da relação jurídica. Isto é, acolheu a lei nacional de adotante e do adotado para regular as respectivas capacidades, condições e limitações à adoção, seus efeitos quanto à sucessão, bem como o nome, direitos e deveres que o adotado conservasse com relação à sua família de origem.

     Fl. 2 da EM nº 385 / CJ-MRE, de 08.10.92.

     4. A adoção era então instituição desconhecida em diversos ordenamentos jurídicos do Hemisfério, e despeito da tradição romanística em muitos deles, tanto assim que o art. 77 foi explícito:

"As disposições dos quatros artigos precedentes não se aplicarão aos Estados cujas legislações não reconheça a adoção".

     Em momento oportuno, a Organização dos Estados Americanos propôs, em 1984, o texto da presente Convenção sobre Conflitos de Leis em Matéria de Adoção de Menores. Visava a atender exigências sócio-econômicas do Continente, levando em considerações os direitos humanos e o direito humanitário, tendo presente modificações legislativas dos direitos internos a respeito do instituto e a preocupação evidente com o incremento da seção internacional, que é legal e legítima, caminhando porém paralela à condenável venda de menores para países mais desenvolvido.

     5. Sob outro ângulo, a proteção especial à infância enunciada na Declaração de Genebra, em 1924, sobre os Direitos da Criança e reafirmada na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959, pela Organização das Nações Unidas, teve também sua importância reconhecida na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1946) e, depois, nos Pactos Internacionais relativas aos direitos civis e políticos (arts. 23 e 24, especialmente) e aos direitos econômicos, sociais e culturais (art. 10) no sais da ONU, em 1986, e, no âmbito interamericano, no Pacto de San José de Costa Rica, de 1969. A estes três instrumentos o Brasil acaba de aderir.

     Fl. 3 da EM nº 385 / CJ - MRE, de 08.10.92.

     6. A Convenção Interamericana foi elaborada antes da Declaração sobre princípios sociais e jurídicos aplicáveis á proteção e ao bem-estar dos menores, visando sobretudo às práticas em matéria de adoção e colocação em lares substitutos, nos planos nacional e internacional (Resolução 41/85 da Assembléia Geral da ONI, de 03.02.86), bem como das regras mínimas das Nações Unidas, Regras de Beijing - para administração da justiça para menores e adolescentes (Resolução 4033 da A.G. da ONU, de 29.11.85). Tais regras, acrescidas à Declaração sobre a proteção das mulheres e das crianças em períodos da guerra ou de urgência (Resolução 3318 (XXIV) da A. G. da ONU, de 14.12.74), serviram de base à Convenção relativa aos Direitos da Criança, adotada pelas Nações Unidas em 20.11.89, ratificada pelo Governo brasileiro em 1990.

     7. Recorde-se, a título exemplificativo, que o Chile, um dos últimos países americanos a aceitar o instituto de adoção, promulgou, em 1988, leis mais explícita a respeito, regulamentando também as adoções internacionais de menores revogando lei anterior que cuidava da legitimação adotiva. Mais recentemente, na esteira das Resoluções da ONU acima referida, o Equador estabeleceu um regulamento próprio para as adoções de menores, tanto no âmbito interno como no internacional, explicitando melhor as disposições do Código de Menores.

     8. O Brasil, que, de há muito, precisava rever e repensar o instituto da adoção de menores, encontrou no Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal de 1988 (arts. 226-230), de forma mais candente do que o enunciado geral do ar. 5º, os princípios básicos da família, da criança, do adolescente e ao idoso. A equiparação de direitos e qualificações dos filhos, prevista no § 6º do art. 227, complementada pelo § 5º do mesmo artigo, contempla a adoção.

     Fl. 4 da EM nº 385 /CJ-MRE, de 08.10.92.

     que, para menores e adolescentes, vem regrada na Lei nº 8.069 de 13.07.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Nos seus artigos 39 a 52, entre outros, é disciplinada a adoção plena, quer para o direito interno, quer por estrangeiros residentes fora do país adoção internacional.

     9. A Convenção de La Paz, ora em exame, aplica-se-á à adoção de menores sob as formas de adoção plena, legitimação adotiva de filho cuja filiação esteja legalmente estabelecida, quando o adotante (ou adotantes) tiver seu domicilio num Estado Parte e o adotado sua residência habitual noutro Estado Parte (art. 1º).

     10. O critério de conexão pessoal nela acolhido é o domicilio das partes ou residência habitual, que melhor atenderá às adoções internacionais no âmbito das Américas (arts. 3º e 4º). Substituirá desta forma, para os países que a ela aderirem nebulose dos artigos 73 a 77, a que atrás fiz referência, que era perfeitamente plausível em sua época histórica e para o estágio, tanto de direito internacional privado, como dos direitos privados internos um territorialismo apegado ao jus sanguinis, de um lado e, do outro, o desconhecimento continental de um instituto benéfico, generoso e fundamentalmente humano como é a adoção.

     11. A primeira vista, em face das disposições internas do Estadtuto da Criança e do Adolescente, que só prevê para a espécie, adoção plena (art. 31 e 51), pareceria haver conflito com o art. 1º da Convenção, pela referência que ali se faz a "legitimação adotiva e outras formas afins que equiparem o adotado à condição de filho cuja filiação esteja legalmente.

     Fl. 5 da EM nº 385 / CJ-MRE, de 08.10.92.

     estabelecida". Tal conflito, entretanto, não existe, pelos seguintes motivos:

a) se o estrangeiros quiser adotar no Brasil, ficará subordinado à legislação interna: adoção plena, aplicando-se-lhe as determinações da Lei nº 8.069/90 e 3º da Convenção e mesmo seus arts. 4º e 12 a 19;
b) se a adoção realizou-se aliundi, cumpridas as exigências da lei local, trata-se de reconhecimento de julgado estrangeiro a que não se entrará no mérito; semelhante condição de nosso jus positum atende ao que está no art. 5º da Convenção, não se podendo invoca exceção de instituições desconhecida.

     12. A reforçar tal entendimento, o enciado no art. 2º da Convenção abre a possibilidade a que qualquer Estado possa declarar, ao assiná-la ou ratificá-la, ou a ela aderir, que sua aplicação se estende a qualquer outra forma de adoção internacional de menores. Ora, como a lei nº 8.069/90 só permite adoção plena de menores  e adolescentes, bem como só excepcionalmente autoriza a sua colocação em família substituta estrangeira, sob a modalidade de adoção, vedada a guarda e a tutela conforme arts. 31 e 33, § 1º, o Brasil deverá abster-se de fazer a declaração prevista no citado art. 2º, com ampare nas determinações específicas da lei interna.

     13. A primeira parte do art. 6º da Convenção refere-se aos requisitos da publicidade e registro de adoção pela lei do Estado em que devam ser cumpridos, os que não constitui óbices à aceitação pelo direito brasileiro; aplicação da lei material e formal do lugar do ato de adoção. No momento, a 2º parte deste artigo deve ser objeto de reserva do Brasil, por ocasião da ratificação, pois contraria os arts. 5º e 227, §§ 5º e 6º da Constituição Federal, bem como os arts. 20 (reprodução do § 4º

     Fl. 6 da EM nº 385 /CJ-MRE, de 08.10.92.

     do art. 227 do texto constitucional) e 47 e respectivos parágrafos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Isto porque, ao enunciar naquela 2º parte do art. 6º que "nos registros públicos deverão constar a modalidade e as características da adoção", sem a restrição a respeito do fornecimento de certidões, a Convenção esbarra com o principio da igualdade de direitos, com o sigilo de que as reveste a adoção (a despeito do enunciado na primeira parte de seu art. 7º), cujo registro cancela o registro original adotado, e com as demais especificações do art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, altamente benefícios ao interesse e direitos do adotado, contrapondo-se, portanto, á ordem pública interna.

     14. Sob outro ângulo, se a publicidade e o registro da adoção serão regidos pela lei do Estado em que devem ser cumpridos, que, segundo entendo, é a lei local do ato de adoção, a 2º parte do art. 6º da Convenção é despicienda, porque a pretendida regra de uniformidade será verdadeira regra de conflitos com os direitos internos de cada Estado. Alie-se a isto o descompasso dos direitos materiais e formais dos sistemas jurídicos do continente americano do disciplinamento do instituto.

     15. Quanto ao art. 7º: "Garante-se o sigilo da adoção, quando pertinente", deve também o Brasil fazer expressa reserva da expressão "quando pertinente". As demais disposições de substância, ou não colidem com a legislação brasileira ou com ela mantêm correlação, podendo-se mesmo fazer a declaração de que trata o art. 20, uma vez que sua afetiva aplicação fica dependente das circunstância do caso especifico, a juízo da autoridade interveniente. O art. 24 permite a formulação de reservas no momento da ratificação, desde que verse sobre uma ou mais disposições especificas.

     Fl. 7 da EM nº 385 /CJ-MRE, de 08.10.92

     16. Solicitada pela Consultoria Jurídica deste Ministério a emitir parecer, a título de celebração, sobre a presente Convenção, o Departamento do Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo entendeu que, por seu objetivo precípuo de evitar conflitos especiais de leis na adoção de menores, por pessoa domiciliadas ou com residência habitual do continente americano, é benéfica e moralisadora. Ressaltou, outrossim, o descompasso dos direitos internos dos países integrantes da Organização dos Estados Americanos e o fator social preponderante na América Latina: indíces elevados de menores abandonados, carentes, onde a miserabilidade das condições de vida conduzem à violência, à ingestão e tráfico de entorpecentes, não encontrando ambiente educacional e corretivo. Reconheceu, assim, ser inegável que o ato generoso da adoção, ainda que regulamentada, com característica diferenciadas nos países das Américas, merece a adesão ao texto uniformizador para as relações internacionais do continente, com as ressalvas apresentadas nesta Exposição de Motivos, em atenção à ordem pública brasileira.

Respeitosamente,

FERNANDO HENRIQUE CARDORSO
Ministro de Estado das Relações Exteriores


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 07/04/1995


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 7/4/1995, Página 5693 (Exposição de Motivos)